
O futuro de Anabela Lopes de Abrantes
Em desespero, nos anos 80 do Século passado, procurava uma casa para o meu projecto de pesquisa sobre O Saber Letrado, financiado para mim e equipa pela antiga Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT), que muito bem nos tratava, hoje Fundo para a Ciência e Tecnologia (FCT). Éramos vários. A casa devia ser grande e isolada: demanda da minha equipa!
Acabava de estudar as mentes dos membros da aldeia de São João do Monte. Para esse estudo, residi na casa de um pastor de ovelhas, com a sua mulher e os seus filhos. Aluguei-lhes um quarto. Às vezes, cozinhava o meu comer, outras, era convidado pela família. A pesquisa demorou um ano: nem sempre podia estar na aldeia, situada a oito quilómetros de distância da Vila de Nelas, sede do concelho. Usava um carro Morris, desses pequenos, denominado mini Morris. Carro trazido da Grã-Bretanha, com o volante do lado direito. Um desespero! As ultrapassagens eram impossíveis, não havia auto-estradas em Portugal, apenas a A1, ou Lisboa – Porto, desenhada para entrar em todas as cidades. Um desespero! Mas, nós que gostávamos de pesquisar, não nos importávamos. Íamos. Éramos fortes. Tínhamos imensa paciência. De Lisboa a Nelas, era preciso passar por Coimbra, pelas intermináveis curvas da estrada da Beira. Entre Coimbra e Nelas, pelo menos cinco horas de condução, e entre Nelas e São João do Monte, mais uma hora. A sorte foi ter acabado num livro intitulado Fugirás à Escola para Trabalhar a Terra. Ensaios de Antropologia Social, publicado em 1990 b), pela antiga Escher, hoje Fim de Século. O livro acabou por ser publicado também em Paris, pela Editora L’Harmattan: Échec Scolaire ou École en Échec? que até ao dia de hoje não pagou nem meio cêntimo pelo texto…mas vender, vendeu e bem, com 2ª edição. Como dizem por ai, todo o escritor de livros de ciência, é um escritor pobre….A minha pesquisa acabou na rodagem de um filme, realizado por Sarah Harrison, Alan Macfarlane e eu: Of priests, peasants and, peacocks gravado em DVD na Biblioteca da Universidade de Cambridge, Universidade a que os três pertencemos. Com esse filme, acabei a minha pesquisa em São João do Monte: o início foi desesperante, ninguém queria falar comigo, fugiam, escondiam-se, eu tinha que meter um pé entre a porta e a aduela da mesma. Tanto insisti, que acabaram por ser meus amigos e contaram-me as suas histórias de vida. Mas, fiquei farto e cansado, cheio de frio, sobretudo no inverno quando ia pastar as ovelhas com o Manuel, o senhor da casa onde eu morava. A sua história de vida era tão criminosa que não a reproduzi, publiquei apenas alguns excertos na nossa Revista Ler História.
Farto de São João do Monte, comecei a procurar sítios diferentes dentro da Freguesia de Senhorim, sítio da minha pesquisa… e encontrei um por nome Vila Ruiva, tão extensa, antiga e com paços dos antigos morgados, que decidi procurar refúgio nessa aldeia. Uma tarde de Junho de 1987, com um sol escaldante, entrei num café, nesses dias para mim um café qualquer e fui atendido por uma senhora simpática, mas distante. Como todos os Beirões com os estrangeiros. Apresentei-me, expliquei a minha pretensão, a resposta dessa jovem senhora e de dois adolescentes, foi: ó meu senhor, cá é impossível, as casas estão todas habitadas, têm os seus proprietários e não alugam nem quartos nem casas. Sai pior que estragado. À porta do café cruzei-me com um senhor o marido da senhora com quem eu tinha falado, falei-lhe, expliquei mais uma vez a minha ideia, ouviu-me em silêncio e com respeito, mas nada acrescentou. Enquanto falava, numa das mesas do café, uma menina já púbere, escrevia e lia os trabalhos escolares. Anos mais tarde, confessou-me que pretendia estudar, mas estava de ouvidos atentos à minha história. O seu pai ria, é um homem alegre e simpático, ao ouvir a minha pretensão, que era simples: reconstruir a história de Vila Ruiva, quando era Vila com Morgados e Condes e como se transformara em Vila de camponeses.
Anabela ouviu e falou com o seu pai. Com energia e com muita força. O pai, amigo e divertido, pessoa alegre e simpática, pai que muito ama a sua filha, ouviu-a e foi falar com o Oficial do Registo Civil, pessoa amiga, que até me emprestava as chaves do despacho para eu trabalhar nos livros que consultava na procura de genealogias para a minha pesquisa. O Dr. Victor Manuel Maia, como era denominado, juntou-se ao já meu amigo António Lopes, falaram com o proprietário de uma casa usada por um parente, o Senhor Ramos, apenas para passar as tardes dos Domingos. Convicto pela simpatia do pai de Anabela, pela autoridade do Oficial do Registo Civil, Dr. Maia, alugou a casa a um alto preço. Eram os anos 1988 e 1989. A pesquisa acabou em cinco livros, um de cada assistente e dois meus.
Se não tivesse sido pela Anabela, o pai nunca se teria convencido. Anabela foi sempre o meu grande apoio na investigação. Queria ser Antropóloga como nós, tinha aprendido muito com as nossas conversas. Há dois livros meus em que falo dela: O imaginário das crianças. Os silêncios da cultura oral, Fim de Século 1ª edição, 1997, e 2ª dez anos depois, corrigida e aumentada com a minha teoria da etnopsicologia da infância. E um terceiro. Para ser fiel à verdade, solicitei-lhe que escreve-se um depoimento, o que fez e assim foi publicado: Como era quando não era o que sou. O crescimento das crianças, 1998, Profedições, Porto, livro apresentado pelos meus amigos Steven Stoer, que já não está connosco, e José Mattoso. Anabela esteve presente. Tinha sido ela, como noutros livros, quem me ajudara a escrever as genealogias, porque as crianças crescem e têm crianças também.
Enquanto estava no café do pai, era a minha informadora ao telefone ou perguntava às pessoas do meu interesse. No dia da apresentação do livro de 1998, não apenas soube debater comigo qual o interesse do meu saber sobre as crianças, bem como o que é a Antropologia e qual a sua utilidade social. Perguntas inteligentes, a que eu respondi com o melhor que sabia. No final da cerimónia, ofereceu-me uma foto aérea de Vila Ruiva.
E assim, semana após semana, íamos falando. Tornou-se professora, consolidou o seu grau na Universidade de Viseu e adora crianças.
Sem Anabela, pelo carinho e pela pesquisa que fez para mim, eu teria sido incapaz de escrever vários livros.
Fui avisado no ano anterior, que casava com Miguel Abrantes a 25 de Abril, data para comemorar a liberdade, escolhida por ela. Era a noiva mais linda que eu nunca tinha visto: vestido branco creme, com um véu sustido por dois pajens.
Igreja cheia de flores, mais de quinhentos convidados, foi uma festa de arromba, à que Maria da Graça e eu, assistimos.
Esta segunda-feira será mãe. Mais 20 dias, e Maria, o nome da criança, teria nascido livre, como ela, no nosso dia da liberdade. Mas, as crianças não esperam, têm os seus dias e o seu será o 5 de Abril, como ela tem determinado.
Anabela, és o amor dos amores. Forte, linda, simpática, delicada, aparentemente calada, mas quando se deve falar, essa boca não cala. Com o devido respeito, ela manda. E manda bem.
Anabela, és a minha filha portuguesa faz já mais de trinta anos. Bem sabes que sou agnóstico, mas deve haver uma divindade que te tenha feito dessa forma doce e determinada que és. Se essa divindade existe, tu, que foste catequista, deve fazer de ti uma Senhora com um futuro impar e uma filha ainda melhor que a mãe, a mãe da mãe, D. Fernanda, e da mãe da mãe da mãe, a D. Conceição Vidigueira, como no seu dia foi a D. Conceição Lopes.
O meu próximo livro, já escrito, está dedicado a ti, revisto e fixado por Maria Cheia de Graça: A construção conjuntural do grupo doméstico, escrito especialmente para se entender o que é um lar.
Para ti, teu pai adoptivo, hoje português.
O teu futuro está cheio de graça. Será tão lindo, como a imagem que coloquei: a ressurreição de uma menina em mulher mãe….
Não sei se sou merecedora de tanto carinho, expresso em tão lindas palavras. Obrigada! Esta segunda-feira, dar-lhe-ei, aquele que será o meu tesouro mais precioso: uma neta portuguesa!!!
Tenho o enorme prazer de, há já alguns anos, fazer parte do grande círculo de amizades da Anabela, assim como tive a felicidade de testemunhar, também, o seu enlace com o Miguel. Dia 5, estarei, em espírito, ao seu lado…
Subscrevo cada uma das palavras que foram escritas a seu respeito e considero que muitas outras poderiam, ainda, enriquecer esse leque de atributos. Ela é a amiga que todos gostariam e deveriam ter!…
Força AMIGA…preciso de ti…conto contigo!…
Não me parece bem comentar o meu próprio texto, mas pensa no entanto, que o próprio comentário de Anabela precisa de uma resposta. Essa a tua frase: “não sei se ser merecedora de tanto carinho”, é uma humildade em que nem devia pensar. Não é em vão que tenho escrito o que escrevi. Bem sabes que, como os teus pais, és uma mulher valente, com fortaleza e muito trabalhadora. Além do mais, és estudiosa, trabalhava enquanto estudavas e apoiaste aos teus pais nos piores momentos da vida deles. Mas, como querias ser uma pessoa profissional, no largaste os teus estudos, a pesar dos turnos de trabalho no café do teu pai. Almoçavas em meia hora e começavas o teu “serviço” sem nunca te queixar. A única queixa que lembro, é um desencontro com o teu pai: ele queria-te no café, tu querias ensinar. Tanto teimaste, que o teu pai conduzia-te a Escola Superior para Professores em Viseu e ia-te buscar. Quando passas-te a consolidar os teu estudos na Universidade de Viseu no Departamento de Literatura e Línguas, o pai passou a comprar um carro próprio para ti e ficas-te livre – Como era mais barato e simples ter uma casa própria adquiriste a tua em Sinfais, à que os teus pai nunca entraram, porque…. já sabiam do amor dos teus amores e por serem de uma “fatia genealógica” – conceito criado por mim -, nunca entraram a tua casa, apesar de te acompanhar desde Vila Ruiva a Sinfais. A tua mãe e amigas, ajudaram a decorar a tua casa para o teu casamento com Miguel, mas têm respeitado a tua autonomia cento e oitenta por cento.
Agora vás ser mãe e eles não se intrometerão no teu matrimónio. Mas, tiveram que entrar pela tua vida dentro porque não estás bem e entre gravidez e tratamento agressivo para matar células que matam se não são tratadas atempadamente, eles esta Segunda Feira tomaram conta do vosso bebé e tu passas a recuperar-te como deve ser. E vás ver o vem que deves ficar.
No escrevo mais, estou com gripe e escrever cansa. Bem sabes que não sou homem de fé, mas o teu pai e eu temor feito a promessa de nós fazer católicos em Fátima, se como sabemos, estás curada em Junho.
Com todo o meu carinho e o da minha família espelhada por toda Europa, desejamos-te uma muito rápida recuperação,
Do homem da ciência que fica perdido se não sabe o que fazer sem a tua humilde colaboração
O teu quase pai, o Doutor, como de denominas
Lindo! Foram palavras lindas e recordo algumas das passagens do Dr. Iturra com saudade.
Na verdade, a menina Anabela foi sempre muito meiga, afável, amiga e de uma humildade extrema! Sinto um grande orgulho de ter a Anabela como AMIGA! Amiga no verdadeiro conceito da palavra…apesar de não estarmos juntas muitas vezes, sabemos que podemos contar uma com a outra em qualquer circunstância da vida! Sempre partilhamos os nossos bons e maus momentos e sei que a sua vida, pela força que tem, será, concerteza, preenchida com muitos momentos mágicos!! Aguardamos, com grande ansiedade o nascimento da bebé Maria e desejo do fundo do meu coração… tudo de bom para vós meus amigos!!
Parabéns Anabela.
Quero manifestar-te o carinho, a alegria, a admiração , a grande amizade que sinto por ti e o orgulho por me teres como amiga.És um amor!!!Mereces o melhor do mundo.
A Maria vai dar-te muitas alegrias. A mim transmitui-me muita tranquilidade, muita paz e muita vida.Vais superar esta dificuldade e ganhar a luta, com a tua força e valentia. Tenho a certeza.