Do legado do historiador e académico Tony Judt, falecido em Agosto passado, julgo oportuno, nesta hora, destacar a obra “O Século XX Esquecido”. A determinado passo da introdução, ‘O Mundo Que Perdemos”, Judt escreve:
…foi o governo do tempo de guerra de Winston Churchill que encomendou e aprovou o Relatório de William Beveridge (ele próprio um liberal), que estabeleceu os princípios de fornecimento da providência pública: princípios – e práticas – reafirmados e garantidos por todos os governos conservadores até 1979.
No parágrafo imediato, prossegue:
O Estado-providência, em suma, nasceu de um consenso transpartidário do século XX. Foi implementado, na maioria dos casos, por liberais ou conservadores que haviam entrado na vida pública muito antes de 1914, e para quem o fornecimento público de serviços médicos universais, pensões de velhice, subsídios de desemprego e doença, educação gratuita, transportes públicos subsidiados, e os outros pré-requisitos de uma ordem civil estável, representavam não o primeiro estádio do socialismo do século XX mas o culminar do liberalismo reformista do fim do século XIX.
A dissipação do papel social do Estado, histórica e substantivamente definido por Tony Judt, é consabido, tem sido protagonizada pelos governos da Europa Ocidental, nas últimas duas décadas do século XX e primeira do século XXI – protagonismo a que se associa um processo desgovernado de globalização.
O Mundo transformou-se, com a queda natural da União Soviética. Na Europa de hoje, o equilíbrio adequado entre a iniciativa privada e o interesse público define-se ainda sobre uma linha muito ténue e amovível segundo os interesses de poderosos. A ‘economia (desregulada) do mercado’ e o avassalador domínio do ‘sistema financeiro internacional’ geraram a dinâmica da calamidade social denunciada há dias em Oslo pelo director-geral do FMI, Strauss-Khan.
Por desinteresse ou inconfessáveis propósitos, os dirigentes políticos da Europa, acompanhados pelo próprio FMI, OIT e outros, têm manifestado falta de vontade em actuar com eficácia sobre causas e efeitos da crise. Limitam-se, pois, a impor medidas monetaristas, as quais, todavia, deixam incólumes interesses da alta finança e de companhias multinacionais. Assim, os grandes detentores de meios financeiros e económicos, ora em ‘off-shores’, ora em deslocalizações da produção para a China e congéneres, desfrutam de caminho livre para esmagar a qualidade de vida de milhões de seres humanos.
Portugal, com uma economia débil e o pesado endividamento público e privado, perfila-se entre os países europeus em maiores dificuldades. Sentimos a Infelicidade geral dos portugueses e, para agravar a situação, resta-nos o governo que temos e a alternativa que sabemos.
(Observação: a concordância com o conteúdo do livro de Tony Judt, neste ‘post’, limita-se ao capítulo de Introdução citado)
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