Apostar na língua pátria melhorará o Direito?

Com a aceleração dos cursos jurídicos e dos mais, em resultado da Declaração de Bolonha, há como que um abreviar das preocupações sobre que deveriam repousar os planos de estudo.

Curial seria que – com a deficiente formação, no geral, a português – houvesse logo no primeiro ano dos cursos jurídicos ou num “ano propedêutico” uma disciplina anual, a “hermenêutica jurídica”, susceptível de habilitar o escolar de leis a dominar as técnicas de interpretação, a aprofundar os conhecimentos da língua pátria, a ler de forma escorreita um texto jurídico, a fim de contrariar o quadro que ora se oferece que é o de chegar ao termo da formação escolar sem a destreza da língua, sem se alcançar uma interpretação fidedigna da lei, como diria Pereira Coelho, insígne Mestre com quem servimos em Direito Civil – Família e Sucessões, na Coimbra dos anos setenta do século transacto.

Com a agravante de que leis mal feitas exigem uma superlativa formação a português, que ora falece a quantos demandam a Universidade e os politécnicos.

E o fenómeno das leis mal feitas espalha-se como uma nódoa por todo o tecido do ordenamento jurídico.

Estranha-se que as escolas de direito (nas condições em que de tal se possa falar…) não sejam sensíveis ao fenómeno e nada façam para alterar o statu quo…

Mais tarde ou mais cedo… alguém terá de fazer algo para que se regenere a situação de clamorosa penúria no que tange à língua e da metodologia da interpretação da norma que aos juristas se impõe dominem.

Comments

  1. Eis uma ideia para melhorar os efeitos práticos dalgumas disciplinas do direito:
    http://supraciliar.blogspot.com/2011/05/presos-ordem-das-televisoes.html

  2. Rodrigo Costa says:

    Caro Mário Frota,

    Ora cá está um dos “posts” que não terá muitos comentários, o que reflecte a razão por que o País está como está, na medida em que, a esta hora —acho que desde sempre e até ao futuro—, a maior parte dos portugueses estará embrenhada no acessório, porque, parece, a essência não passa de um berbicacho que serve, apenas, para desviar do regabofe.

    Fico contente por um oficial do ofício —pensando tratar-se do mesmo Mário Frota, advogado— expressar uma ideia a que cheguei, no decurso de um processo em que era o autor: advogados e juizes, não podem ser menos do que linguistas. Não faz sentido, é ridículo, que, como cliente, eu tenha que estar a observar, ao meu advogado, o significado das palavras e a sua abrangência, de cuja utilização dependem as fases posteriores de um processo. Não faz sentido que, por falta de domínio lexical e sictático, eu seja autorizado a sentar-me ao seu computador, para expressar, por escrito, o teor do que relatara e que tinha sido inadequadamente interpretado —não estou a falar de compor o “ramalhete” de acordo com a conveniência; mas de, em língua portuguesa, trancrever a informação que haveria de chegar ao Tribunal.

    Não tenho a menor dúvida de que a importância disciplinar dos cursos deveria ser revista, por ser prejudicial, nuns casos, a importância concentrada numa ou noutra disciplina; e, noutros, ser desvalorizada a importância das mesmas.

    No que se refere à língua portuguesa —e isto servirá para qualquer país—, entendo que, enquanto frequentador da Escola, a disaciplina deverá constar, obrigatoriamente, do conunto de todas as disciplinas do aluno. Consoante a área, maior a exigência sobre o conhecimento e o domínio; tendo, como limite mínimo, o conhecimento e o domínio sufientes.

    Do mesmo modo que, enquanto pintor, a regra-de-três-simples me resolve quase todos os problemas que, em termos matemáticos, me possam ser colocados; como engenheiro ou mesmo arquitecto, as exigências serão mais elevadas, por ficarmos em presença de corpos e de materiais cujo comportamento só pode ser compreendido através de fórmulas matemáticas elaboradas. È, portanto, importante, que, quer o arquitecto, quer o engenheiro, se aproximem do matemático.

    Neste caso, a Justiça é uma área onde o Pensamento nunca pode ficar pela rama, por haver muito de profundo na análise do mote para a inibição ou para a acção destemperada…

    Ora, sendo generalizada a ideia de que uma imagem vale por mil palavras, eu direi que vale por mil palavras de quem não saiba exprimir-se, porque, pura e simplesmente, não há imagens que não apelem ao raciocínio; não havendo raciocínio que não apele às palavras, sejam elas em que língua for, mesmo que se traduzam na gutura, ela mesma a vontade de dizer o que se pensa ou, no mínimo, a vontade de encontrar as palavras que traduzam o nosso pensamento; as imagens formadas no nosso entendimento.

    Quero eu dizer, então, que o homem desprovido de Pensamento, de palavras, ficar-se-á, apenas, pelo compartimento da emoção… Mas este é o compartimento que caberá ao requerente ou ao requerido, por, desprovidos, ainda que momentaneamente, da Razão, terem esquecido o uso do Senso.

    Cabe, agora, sim, a palavra a quem, pelo conhecimento, é permitida a posição equidistante; alguém que, conhecendo a emoção e os efeitos, pode, beneficiando da neutralidade e do conhecimento, do domínio da palavra, decidir tão justo quanto ao Humano é possível ser justo.

    Nota: devo dizer que, procurando-a, sei quanto a perfeição é utopia. Ela existe. Para nós, a espaços; em momentos, pequenos, em que podemos ser perfeitos… Talvez porque a procuramos, fiquemos mais perto. Sinceramente, eu acho que o que faz de um ser um ser perfeito não é tanto ser perfeiro, mas ter o desejo, sincero, de perfeição.

  3. Artur says:

    Como já bem dizia o Montaigne a linguagem do direito transformou-se em algo impenetrável ao comum cidadão. Fruto de uma certa espécie de vaidade ou fetichismo dos profissionais do direito, a decifração da linguagem juridica tornou-se um negócio muito rentável para estes. O misterioso, o pomposo e o complicado contribuem sempre para dar às coisas uma aparência de profundidade e de verdade. Com a sua giria pomposa, os seus rituais, os seus tiques e as suas masturbações académicas, o Direito actual, por mais formações que se façam no português, bloqueia qualquer tentativa que se faça no sentido de” se alcançar uma interpretação fidedigna da lei.”
    Não precisamos de mais formação para interpretar; precisávamos é que o Direito fosse menos complexo e mais acessivel a todos.

    • Rodrigo Costa says:

      Bem, Artur!… Mas qual é o académico que enjeita a possibilidade de dar uns noz-cegos?

      Eu até diria que, antes do domínio da Língua —esta questão passou-me, no primeiro comentário que fiz—, seria necessário que os legisladores tivessem o domínio do Senso. Assim que isso fôsse conseguido, estou em crer que o hermetismo linguístico se abriria; as pessoas teriam crescido e utilizariam um vocabulário mais acessível —muito embora eu entenda que todas as áreas têm o seu léxico próprio; penso, até, que, tirando os exageros, não haverá como fugir-lhe, nem faria muito sentido.

      É claro que, como salienta, a inacessibilidade, ou quase, na interpretação é uma arma de defesa. Se tudo fôsse, de facto, muito perceptível, o que é que restaria ao advogado? A licença para litigar, o que, em algumas ocasões, até é injusto, porque o advogados não estão ao nível dos clientes.

      A este propósito, deu-se um episódio caricato, quando, em razão de direitos de autor, interpus uma providência cautelar, para impedir a comercialização de uma peça que eu tinha criado, e que, abusivamente, se preparavam para fabricar e fazer o negócio.

      A pessoa, o requerido, tinha proposto a ideia de uma parceria, na qual eu entrava com o trabalho e ele com o investimento. Tudo isto de boca.

      Como as coisas não atavam nem desatavam, e o molde já estava a ser feito, elaborei uma proposta de contrato, no qual eram estabelecidos os procedimentos e os benefícios. Enviei-a por carta registada, e esperei que nos encontrássemos para um ou outro ajustamento.

      Para sintetizar, a figura nunca me respondeu, e apressou-se a ir à fábrica apanhar o molde. A partir daqui, movo a tal providência, e ganho. A outra parte, interpõe uma providência que pretendia impedir-me o direito de comercialização.

      É disto que o meu advogado, na altura, me dá conta. Eu fico estupfacto, e digo ao advogado que não pode ser; e digo que o que está a passar-se é o julgamento de coisa julgada, porque, se o tribunal me reconhece como autor e proprietário da ideia e da matriz e do molde, concede-me, implicitamente, o direito de os usar como bem entenda.

      Quer dizer, ninguém pode impedir a comercialização de ideia que não é sua e que, mais, é tida, pelo Tribunal, como ideia e propriedade de outrem. Logo, como não pode haver comercialização, se não houver peças, nem peças senão houver molde, e sendo a ideia e o molde meus…

      É o advogado quem me pergunta: —O sr. Rodrigo acha que isto é um caso de litispendência?!…

      —Desculpe, Dr., não sei qual é a desinação; sei é que se trata de julgamento de coisa julgada.

      Conclusão, tive que ir, a correr, ao tribunal da minha Comarca, porque não havia conhecimento da minha providência. Consegui reverter a situação, e acabei por ganhar a acção principal, cuja indemnização pedida foi paga pela advogada em quem o primeiro tinha subestabelecido, depois do episódio —o Tribunal julgou negligente o comportamento da advogada, na minha defesa.

      Nota 1: por altura do substabelecimento, o advogado não quis cobrar nada pelo serviço que, até então, tinha feito… Achei estranho. Hoje, penso que era o prenúncio do que viria a seguir-se, e que acabou com o processo movido à advogada, que acabou por suportar todos os prejuizos.

      Nta 2: Há, antes, ainda, do uso e domínio da Língua, a necessária noção de dignidade, porque é neste âmbito que, muitas vezes, as coisas começam a ficar baralhadas.

  4. Rodrigo Costa says:

    “nós-cegos”, peço desculpa

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