História da Democracia portuguesa: vítima complacente, ladrão insistente

Cavaco, durante os dez anos em que ocupou a cadeira de primeiro-ministro, vendeu a preços de saldo a agricultura e as pescas, enquanto se eximia de fiscalizar o destino dos dinheiros europeus e ao mesmo tempo que gastava dinheiro em inutilidades como o IP5, para poder inaugurar uma obra que se veio a confirmar incompleta. Mais uma vez, o desenvolvimento do país ficava hipotecado, em nome de pequenos nadas como o da necessidade provinciana de ser visto como o “bom aluno” da Europa, outra maneira de dizer que faríamos tudo o que mandassem franceses e alemães.

Desde então, foi construído o Centro Cultural de Belém, teve lugar a Expo98, decorreu o Euro 2004, multiplicaram-se parcerias público-privadas ruinosamente públicas e lucrativamente privadas, distribuíram-se computadores também público-privados, alimentaram-se clientelas a preço de ouro, despejou-se dinheiro a rodos no buraco da Madeira, foge-se a cobrar mais a quem deve pagar mais, nacionalizaram-se os prejuízos de um banco privado, continua a permitir-se às autarquias que se endividem como lhes apetecer (porque é necessário continuar a alimentar clientelas e a distribuir dinheiro para que os clubes da terra comprem jogadores sul-americanos), entre muitas outras “reformas estruturais”. Tudo isto é realizado por antigos jotinhas que lamberam as botas certas, por antigos esquerdistas que souberam engravatar-se a tempo de apanhar o avião para Bruxelas, por comentadores que conhecem as soluções dos problemas que não souberam resolver quando governanram ou por administradores de empresas que fizeram estágio como ministros, todos, sempre, a receberem ordens dos poderosos europeus e mundiais, públicos e, sobretudo, privados, de cerviz sempre rebaixada, desviando recursos de que eram fiéis depositários e que usaram como se fossem propriedade sua.

Depois deste desperdício de dinheiro, a culpa da situação do país é, evidentemente, do Estado Social, dos funcionários públicos e dos direitos dos trabalhadores, alguns dos quais, os malandros, até chegavam ao ponto de comer e outros, grandes bandidos, gozavam férias à sua própria custa ou compravam uma consola de jogos aos filhos no Natal, tudo sempre acima das possibilidades de um país governado por corruptos.

Face a este historial, continuo a acreditar no adágio que diz que ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Mas o que dizer das vítimas que, de quatro em quatro anos, declaram que se deixam roubar sempre pelo mesmo ladrão?

Comments

  1. Marito says:

    Segundo entendi, fomos governados por ladrões? Certo? Então toca de tratar de os meter na cadeia.

  2. Sim, sim. Concordando, como entender que CS tenha ganho as eleições?

  3. maria celeste d'oliveira ramos says:

    Não foi só roubar e abotoar-.se e inventar adicionais – foi a mair das desinteligências técnicas e ecológias – a partir daque viu-se concretamente em que inteligências caiu o país que desde aí vem em plano inclinado – como se chegou ao fundo só resta subir mas em estilo rappel e nem todos aguentam – parece que hoje num país à rasca foam congelados os ordenados de pol+iticos – boa – vamos ver se os jornalistas abafam esta notícia que acabo de ouvir – por mim até iriam para o calabouço

  4. Sim? Temos um senhor com um longo cadastro na área da Magistratura, da político, e (pasme-se),não menos longo passado criminal, já julgado e condenado em 7 anos de prisão. Depois de recorrer da pena, esta foi reduzida para dois anos, ainda assim continuou com mais recursos para o tribunal constitucional para ganhar tempo e prescrever os crimes de que é acusado. Este senhor licenciou-se em Direito, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, foi monitor das disciplinas de Direito Constitucional, de Direito Internacional Público e Direito Administrativo; foi também magistrado do Ministério Público, e ainda consultor jurídico do Ministério da Justiça. O Tribunal Constitucional deu por terminados quaisquer outros recursos e o sr. Isaltino Morais só lhe restava ser preso. Foi? Ainda não e já se passaram alguns dias. Mais, como o sr. é o Presidente da Cãmara de Oeiras ( PASME-SE ), vai continuar a ser o presidente da dita Cãmara mesmo na prisão.

    Agora vejamos esta notícia do JN online de hoje:

    Sem-abrigo em tribunal por furto de chocolates

    Um sem-abrigo vai ser julgado por tentar furtar seis chocolates de um supermercado Lidl, no Porto. O processo já dura há ano e meio e terá custos muito superiores ao valor do crime (14,34 euros). A PSP tem de o procurar pelas ruas sempre que é preciso notificá-lo.
    De António Miguel, 30 anos, as autoridades sabem apenas que costuma pernoitar junto a um edifício e que se dedica a arrumar carros na zona do Campo Alegre, no Porto. Mas como o seu estilo de vida errante não permite dar como garantido que ali se encontre quando se iniciar o julgamento – marcado para Setembro do próximo ano – a Polícia poderá ter de andar às voltas pela cidade para o contactar. Aliás, para ser constituído arguido teve, na altura, de ser detido.

    Neste nosso mundo GLOBAL quem rouba imponemente é quem já é RICO, quem se movimenta nos meandros da política, nos paraísos fiscais e…

  5. hugo says:

    Aconselha-se visionamento da casa dos segredos, sentido de posicionamento para estar no sitio certo e circulos eleitorais. A vergonha é opcional.

  6. Buiça says:

    Queria só esclarecer que o IP5 não foi uma parceria público-privada e foi “só” a mais importante via de comunicação nacional construída depois do 25 de Abril, artéria essencial das exportações do Norte e Centro Litoral do país altamente industrializados para Espanha e resto da Europa, contribuindo ainda e muito para o desenvolvimento de todas as populações por onde passa. A única crítica que posso fazer a quem ganhou 3 eleições, duas das quais por maioria absoluta, é não ter construído uma linha de caminho de ferro de mercadorias com um trajecto semelhante e que pudesse seguir até aos Pirinéus, embora aí tivesse sido precisa a colaboração dos Espanhóis.

    Tem muito incompetente e irresponsável e desperdício onde pode facilmente descarregar a sua legítima indignação, perde a razão toda se começa logo pelo IP5.

    • António Fernando Nabais says:

      Ataquei o IP5 cavaquista, caro Buíça, e não afirmei que se tratava de uma parceria público-provada. Acontece que já se sabia, na altura, que se tratava de uma estrada mal concebida, sem visão de futuro, criada apenas para parecer que ligava o interior ao litoral. Ao fim de menos de vinte anos, como sabe, foi preciso alargar a estrada, porque bastava um pesado para que a circulação se fizesse com dificuldade. Hoje, trata-se de uma via de comunicação fundamental, mas se Cavaco se tivesse preocupado, efectivamente, com o desenvolvimento do país e não com as repetidas inaugurações, teria sido bem feita de raiz, o que, em muitos aspectos, teria possibilitado um melhor investimento e uma despesa menor a médio e a longo prazo.

      • António Fernando Nabais says:

        Público-provada até fica engraçado, mas foi um descuido e não uma invenção. Ainda pode dar origem a um bom título:-)

        • Carlos says:

          Amigo Nabais, eu também penso que está a ser injusto. Antes dos Governos do Cavaco, não se pode dizer que havia auto-estradas em Portugal. Nesse capítulo, Portugal estava muito mal. Foi durante os seus governos que Portugal deu um salto, como se pode ver pelos números do PIB – os maiores do século XX.
          Por outro lado, o IP5 não era uma auto-estrada, nem foi pensado para aí serem cobradas portagens. Aquilo era um Itinerário Principal, que, naquela altura, era muito bom. Claro que agora está melhor, porque foram corrigidos muitos erros e melhorados muitos troços, mas agora vai ser preciso pagar portagens…
          Em conclusão, não se podem comparar alhos com bugalhos.

          • Dr. Fonseca Galhão says:

            Carlos, quer-me parecer pelo seu post que está a correlacionar o Cavaco ao “salto” estrutural (e infra-estrutural) experimentado por Portugal. Note bem que isso não aconteceu por especial habilidade do prof-doutor-ações-com-nomes-estrangeiros, mas sim porque recebíamos à data uma batelada de dinheiro do Fundo de Coesão. Na verdade, o que mais aponto ao não-me-governo-com-10.000 euros-de-pensão é precisamente a forma totalmente imbecil como essa dinheirama foi rebentada em obras às três pancadas (onde se inclui, entre outras, o IP5… importantíssimo mas sub-dimensionado para uma estrada com aqueles objectivos).

    • Maquiavel says:

      O Buíça näo deve ter conhecimento que existe a Linha da Beira Alta… nem que o Cavaco mandou fechar 1/3 das ferrovias portuguesas, sem gastar um centavo (0,005 cêntimos) na modernização das outras.
      De facto, a Linha da Beira Alta, que é a principal ligação ferroviária de Portugal com a Europa, continua a ser em via única…

  7. jorge fliscorno says:

    Mas o que dizer das vítimas que, de quatro em quatro anos, declaram que se deixam roubar sempre pelo mesmo ladrão?

    Diria que seriam naïf por votarem na mudança e acreditarem que seria diferente. Vejamos a História, particularmente naquele período pós 25 de Abril e que culminou com a falência do Estado e a vinda, por duas, vezes do FMI. Não eram os ideais fortemente de esquerda que estavam no poder?

    • MAGRIÇO says:

      Conheço uma adorável Senhora de 80 anos, transmontana até à medula, por quem nutro um grande carinho, que me confidenciava há tempos que não gostava do Paulo Portas por ser comunista e que iria votar no partido da seta para cima por “sugestão” do “senhor padre”. Faço-lhe a justiça de não o considerar tão ingénuo nem tão pouco informado como esta minha amiga, e quero acreditar que a referência a “ideais fortemente de esquerda” se devem a um lapso e não a alguma desonestidade intelectual, tão comum entre os fundamentalistas da nossa praça. Considerar Mário Soares como representante da esquerda, mesmo sem ser “fortemente”, é fortemente tendencioso! Tão tendencioso como considerar que o Bloco Central de 1983, altura da segunda intervenção do FMI, era perigosamente comunista. Deixe- -me também dizer-lhe que nunca consegui compreender como alguém que vive do seu trabalho, que está dependente dos caprichos e humores do poder económico, mostre alguma atracção pela direita. Basta recordar que se a direita “clássica” tivesse cumprido os seus deveres sociais, esta dicotomia esquerda – direita nem sequer tinha surgido. Quero recordar também que, ao contrário do que aqui já vi defender, o liberalismo económico é considerado uma doutrina da direita que nada tem a ver com liberalismo social, que está na origem da Social Democracia. Mas talvez resida aqui a origem do seu comentário…

      • jorge fliscorno says:

        Mas quem lhe disse que eu nutro simpatia pela direita? Estou-me bem nas tintas para isso. Eu quero é que o Estado deixe de me melgar, sempre a pedir mais dinheiro e a pedir licenças para todo o traque que eu dê.

        Revejo-me nos ideais do liberalismo (não nisso a que chamam neoliberalismo).

        Quanto ao resto do comentário, olhe não sabia que a direita defendia as nacionalizações que houve no pós 25-de Abril. É que não sabia mesmo.

      • jorge fliscorno says:

        Já agora, quanto ao sonho de votar esperançosamente num partido que mude as coisas, seja ele qual for, deixe-me usar aquela famosa deixa: nada como uma revolução que tudo muda por forma a se ficar na mesma.

    • António Fernando Nabais says:

      O grande problema, na minha opinião, está no saque que tem vindo a ser levado a cabo pelos partidos que têm alternado no poder nos últimos 35 anos, mais coisa menos coisa. O PS e o PSD apropriaram-se do Estado e, longe de ideologias, muito pragmaticamente, têm-se governado e pouco têm governado. Se há défice, ele deve-se a estas duas seitas mais complementares que adversárias e tem origem na corrupção insititucional e legal realizada à custa do nosso dinheiro e à custa da obediência a interesses privados e internacionais. Também eu, Jorge, já votei no PS, nunca no PSD ou no CDS, porque sou de esquerda e continuo a acreditar no ideal de um Estado moderno e libertador da iniciativa privada, mas protector dos mais fracos, por muito beata que esta expressão possa parecer. À distância, sinto que fui ingénuo, porque nunca o PS governou como acreditei que pudesse governar. Se me perguntares se a esquerda está preparada para governar, respondo-te, sem resquícios de uma ingenuidade que já tive: os que andam a “subdesenvolver” o país há mais de trinta anos já tiveram oportunidades que chegassem. Para mim, é argumento suficiente, mesmo que não seja completamente tranquilizador. Como já disse, está fora de questão votar em descendentes de Cavaco, em companheiros do Ângelo Correia ou em compradores de submarinos inúteis. Também está fora de questão votar num partido que, hipocritamente, produz bestialidades como “abstenção violenta e construtiva” e que destruiu sistematicamente o que restava do pouco que o Estado ainda podia oferecer. Daqui por quatro anos, muitos ingénuos voltarão a votar no PSD porque arranjará maneira de devolver um simulacro eleitoralista de poder de compra ou darão a vitória ao PS, porque acreditarão que vai ser diferente. Não sou mais esperto que o comum dos meus estimados concidadãos, mas isto não é convidar ladrões para nossa casa?

      • jorge fliscorno says:

        Pois, que hei-de dizer, se não que tenho que concordar contigo? Se calhar ando demasiado cínico, já que não consigo deixar de pensar que o poder tudo muda, que é a barreira entre o antes e o depois.

      • Maquiavel says:

        Nem mais, Nabais, nem mais.
        Ainda no outro dia falava com um estrangeiro acerca de Portugal, das pessoas que continuamente elegem corruptos…
        … concluí que a “pesada herança” do ditadorzeco de Santa Comba também se traduziu nisso: enquanto em Espanha o sanguinário Franco matava fisicamente, o sonolento Salazar matava psicologicamente, e essa morte é uma morte que perdura e se replica, e explica o medo endémico da mudança, de por exemplo votar em algo que näo seja o PSSD, vulgo “Centräo”).

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