Há mais vida para além do medo # 1 – O exemplo do Tenente Columbo

Num passado recente, disse-se que “há mais vida para além do défice”. Mais tarde, e paulatinamente, começou a desenvolver-se a ideia de que “há mais vida para além da pandemia”. Hoje, diria que “há mais vida para além da guerra”.

Curiosamente, existe um denominador comum ao défice, à pandemia e à guerra, enquanto temas fulcrais – para não dizer únicos – da actualidade, em cada um dos momentos: o medo.

Enquanto instrumento que mantém activo o nosso sistema de vigilância, o medo é essencial para que estejamos atentos ao que se passa em nosso redor e às interacções com o tempo, o espaço e os outros, que fazem parte do nosso quotidiano. É o que nos mantém em alerta quando atravessamos a rua, quando falamos com alguém, quando tomamos uma decisão.

Mas, o medo é, também, um ancestral instrumento de condicionamento comportamental quer no âmbito da educação quer no âmbito da vida em sociedade. Seja o medo do papão ou do bicho mau, para que se coma a sopa toda, seja o medo de expressar opinião ou tomar posição pública sobre certo assunto.

Ditaduras e democracias, através de métodos variáveis e com graus de severidade diversos, usam o medo como modo de modelação de comportamentos quer individuais quer colectivos. Seja propaganda, seja publicidade, a indução de comportamentos por via do medo, visando acção, omissão ou reacção, é transversal a qualquer organização social, corporativa ou religiosa.

Aqui, existe um papel fundamental por parte da comunicação social, no modo como o medo é transmitido ao indivíduo visando a sociedade. Reiterando mensagens de conteúdo pré-estabelecido, a ordem da percepção, e a percepção da ordem, constroem-se com vista ao estabelecimento de uma realidade quase sempre conducente a uma só verdade.

Sem querer recuar ao Estado Novo, em que o medo era, desde logo, um instrumento de perpetuação do poder instalado e dos respectivos interesses económicos, corporativos e económicos circundantes, bastará apreciar como, em democracia, o medo tem sido um recorrente mecanismo de condicionamento social, quer em matéria de pensamento quer em matéria de comportamento.

Ideia central foi, e é, a de crise.

Raro o ano em que não se tenha falado de crise. Em tempos, prevaleceu a vertente da “carestia de vida”. Posteriormente, o seu espectro foi ampliando, e a crise tomou conta tudo: rendimento, indústria, saúde, economia, educação, defesa, segurança, ideais, matérias-primas, energia, ambiente, etc. Tudo se encontra cíclica ou permanentemente em crise.

A ideia de crise é ela própria uma vertente do medo enquanto instrumento de condicionamento comportamental e de pensamento. Perante a crise, cria-se o medo não só resultante do que poderá vir a acontecer, como, também, o medo de se expressar sequer opinião que não seja conforme aos cânones com que a crise nos é apresentada.

E o que vale para a crise, vale para uma pandemia ou para uma guerra. Em todos os casos, constrói-se o que vulgarmente se designa por “politicamente correcto”, como se se tratasse de um pensamento único. Qualquer desvio é metido num qualquer saco rotulado do que quer que seja com força pejorativa ou de censura suficientes para descredibilizar ou, pelo menos, para evitar discussão.

Porque questionar promove o debate e o melhora o esclarecimento. E isso, é algo que faz mal ao medo.

O melhor meio de não nos deixarmos cativar pelo medo, é perceber que existe vida para além da crise, da pandemia ou da guerra. Se ficarmos agarrados à mera perspectiva de crise, de pandemia ou de guerra, não teremos sequer capacidade de a ultrapassar ou resolver. Pois uma coisa é percepcionar um problema, e outra coisa é só ver o problema, consumir dia e noite um problema.

A propósito, e a mero título ilustrativo, recordo uma vez o Tenente Columbo (personagem televisiva magistralmente representada pelo saudoso Peter Falk), perante a dificuldade de investigação de um certo homicídio, dizer que precisava de falar com a sua esposa (“Mrs. Columbo”, como tantas vezes se referiu a ela). E quando lhe perguntaram se ele debatia com ela a investigação para o ajudar, ele respondeu que não. Que a ajuda que ela dava era falar de tudo e mais alguma coisa que não tivesse a ver com o crime, o que o ajudava a limpar a mente e a raciocinar melhor sobre o caso que tinha em mãos.

Não estranhem, pois, se eu passar a escrever crónicas sobre coisas que não têm nada a ver com a guerra. Até porque o Aventar está muito bem entregue quanto a esta matéria.

Comments

  1. JgMenos says:

    Quem tem cú tem medo!
    Se não foi o Bocage foi o La Palisse.

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