A benfiquização do Futebol Clube do Porto

Francisco J. Marques considerou que o sucedido na última Assembleia Geral do Futebol Clube do Porto (FCP) é um sinal da benfiquização do seu clube. Ou do clube em que exerce as funções de director de comunicação.

No mundo da futebolândia, os defeitos nunca são nossos, porque são exclusivos dos adversários. O nosso clube é sempre uma agremiação exemplar, séria, democrática. Quando nos portamos mal, não fomos iguais a nós, agimos tal e qual como agem os outros, os defeituosos.

Recentemente, alguns portistas devem ter comido qualquer coisa estragada e ficaram benfiquizados. Ora, uma intoxicação desta gravidade até pode levar uma pessoa a agredir ou a intimidar um adepto do mesmo clube, algo completamente inédito no universo azul e branco. É preciso intervir rapidamente, de modo a extrair qualquer tumor benfiquista dos pobres portistas infectados. Não se pense que isso transformará os adeptos do grande Porto em cordeiros mansos, porque, aqui, cordeiro, talvez no prato, e mansos serão os pais dos benfiquistas que andam a pastar à beira do Tejo.

Encontrado o guru de Jorge Jesus

Se havia dúvidas, ele aqui está: desvendado!

https://www.facebook.com/samuel.quedas/videos/10207887724371804/

Remontada

Palavra castelhana usada várias vezes pelo comentador português do jogo da selecção. Deve ser prima das “rebaixas”.

Pedagogia e futebolês: um divórcio litigioso

Ontem, Vítor Pereira, depois de o F.C. Porto ter perdido com o Gil Vicente, disse duas coisas originais: que a arbitragem foi vergonhosa e que o Benfica está a ser levado ao colo. Pelo meio, ainda reconheceu que a sua equipa jogou mal, mas não foi aí que colocou a tónica.

Se é verdade que este discurso me entristece, mais triste fico por ter a certeza de que a conversa seria a mesma se o entrevistado fosse Jorge Jesus, o Benfica o derrotado, com o primeiro lugar a cinco pontos. Se quiserem substituir os nomes, o efeito será sempre o mesmo.

Nada de novo: o campeão, seja ele qual for, alcançará o título sem outro mérito que não seja o de ter sido beneficiado pelos árbitros cujos erros serão sempre mais importantes do que os passes falhados, os remates para a bancada ou o mau posicionamento dos guarda-redes.

Face à absoluta previsibilidade das declarações de dirigentes, treinadores e outros maus actores, faria muito mais sentido ter declarações gravadas para comentar o resultado dos jogos e criar uma linha de apoio ao jornalista desportivo para onde este poderia ligar, passando a ouvir: “Se quer ouvir declarações sobre derrotas, escolha 1; se quer ouvir declarações sobre empates, escolha 2; se quer ouvir declarações sobre vitórias, escolha 3; se quer ser alvo de blackout e arriscar-se a ser agredido, escolha 1…”

Dicionário do futebolês – levantar a cabeça

Esta frase é muito usada por quem acabou de levar na cabeça ou por quem costuma levar na cabeça. Faz parte de um rol de muitas frases pré-cozinhadas que qualquer jogador, ofegante ainda de uma derrota, produz instintivamente.

É certo que, muitas vezes, é difícil levantar a cabeça, porque as derrotas podem levar a que se perca exactamente a cabeça, que, uma vez perdida, é dificilmente recuperável, como já demonstrou Luís XVI. Aliás, numa prova de que o mundo do futebolês está carregado de lógica, é vulgar ouvir os treinadores, nos momentos difíceis, dizerem “É preciso jogar com cabeça.”

Entretanto, julgo que, face aos dislates que tantos idiotas incendiários e incendiados produzem, seria importante que o futebolês passasse a incluir a expressão “É preciso baixar a cabeça”, sinal de arrependimento ou, pelo menos, de vergonha. [Read more…]

Dicionário do futebolês – comentadores

Na minha juventude, ficava à espera das imagens da jornada no Domingo à noite e acabava saciado com os resumos de três minutos por jogo. Para o adolescente que ansiava por imagens de pontapé na bola, o mundo de hoje é um banquete pantagruélico que começa no Youtube e acaba na Sporttv.

Nesses tempos distantes, começou, a pouco e pouco, a insinuar-se a figura do comentador, que, para meu desespero, retardava o aparecimento do fundamental – as imagens dos jogos – com explicações para o resultado final, naquele tom de quem já sabia tudo antes de o jogo terminar. Já nesse tempo, o jogo começava a perder terreno para a conversa.

Com o aparecimento das televisões privadas, a televisão tornou-se cada vez pior, sempre pronta, até hoje, a explorar os sentimentos mais baixos e as pulsões mais rasteiras. Rapidamente foi inventado o conceito do programa sobre futebol, com comentadores ligados, normalmente, aos três grandes. Num mundo minimamente sério, a televisão poderia servir, também, para fazer um pouco de pedagogia. Na realidade, estes programas servem para levar a casa das pessoas as mesmas figuras tristes que qualquer um de nós é capaz de fazer num café, entre amigos e adversários, gritando grandes penalidades a nosso favor e chamando virilidade a agressões perpetradas pelos nossos.

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Dicionário do futebolês – não podemos sofrer golos desta maneira

Os agentes do futebol passam, hoje em dia, mais tempo a dar entrevistas do que a treinar ou a jogar. Esperar-se-ia que a frequência com que o fazem permitisse melhorar a qualidade de comunicação, do mesmo modo que, em termos desportivos, a repetição é o caminho para a perfeição.

Ora, a verdade é que o futebolês corresponde a uma série de fórmulas que as sucessivas gerações se limitam a papaguear, ou seja, a repetir sem pensar. “Não podemos sofrer golos desta maneira” é uma dessas proposições que qualquer treinador insatisfeito com o resultado usa, compondo o ar desgostoso de um pai que sofre os desmandos dos filhos. Esta fórmula é usada para designar quase todos os tipos de golo, embora ocorra preferencialmente na referência ao já analisado “golo para lá da hora”, que é um golo que pode ser marcado, mas nunca sofrido. [Read more…]

Dicionário do futebolês – chutar sem direcção

Se o golo é o sal do futebol, o remate será o saleiro, o que, aliás, dá outro sentido ao nome do jovem goleador sportinguista que é, também, o primeiro bebé-proveta português, fiquem a saber.

O remate, como qualquer outro acto futebolístico, tem como agente o homem, o que faz com que na sua essência esteja a imperfeição, pelo que um jogo está cheio de remates imperfeitos, como o Inferno está pejado de boas intenções. O remate defeituoso é, afinal, o inferno do avançado, porque, num terreno tão vigiado como é o de jogo, é sempre uma dor de alma assistir ao espectáculo que é ver a bola a tomar outra direcção que não a da baliza, até porque não se sabe quando ou mesmo se voltará a haver outra oportunidade de alvejar o último reduto do inimigo.

Os comentadores televisivos costumam chamar a este acontecimento “remate sem direcção”, o que vem contrariar as leis da Física, pois toda a bola pontapeada irá sempre numa certa direcção, mesmo que não seja a direcção certa.

 

Dicionário do futebolês – marcou para lá da hora

Ganhasse eu cinco euros sempre que esta frase é proferida e já tinha comprado um clube de futebol, com árbitros incluídos. Trata-se de mais um momento criado pela magia dos comentadores de futebol: o golo para lá dos noventa minutos, que é mais do que uma hora, em jogos sem prolongamento, entenda-se. É por isso que é estranhamente possível ouvir dizer que um golo foi marcado aos 93 minutos, por exemplo.

Fosse eu ainda menos versado no fenómeno futebolístico do que já sou e ficaria a pensar que isto do golo para além da hora poderia acontecer quando um jogador manhoso, por volta das três da manhã, reentrasse sozinho no estádio e marcasse um golo, “apanhando a defesa adversária a dormir”, outra expressão futebolesa que ganharia, agora, um sentido muito mais aceitável. Aliás, no dia seguinte, o treinador, na presença da equipa, iria rever o vídeo – não do jogo mas das câmaras de segurança do estádio –, onde se poderia ver o furtivo marcador do golo tardio, e iria urrar na direcção dos defesas: “Olha pa esta merda! Até parecia que estavam a dormir, porra!”

Traduzindo para português, marcar para além da hora corresponde ao acto de marcar um golo durante o tempo de compensação decidido pelo árbitro, sendo que esse tempo se deve à necessidade de que o jogo de futebol dure, exactamente, noventa minutos. Consequentemente, e descontando a hipótese de o árbitro se distrair ou enganar, qualquer golo que seja marcado depois da hora não poderá ser válido e qualquer golo marcado dentro do tempo de compensação não será marcado para lá da hora.

No vídeo que se segue, o jogador que ia marcar golo não percebe como é possível o árbitro apitar para o fim da primeira parte só porque a primeira parte acabou.

 

Dicionário do futebolês – remate intencional

Imagine-se: um jogador, num dos raros momentos em que, por mérito próprio ou demérito alheio, tem alguns segundos para escolher o lado para onde vai rematar e lança a bola em arco ao poste mais distante. Seja golo ou não, há fortes probabilidades de o comentador de serviço considerar que se tratou de um “remate intencional”.

A partir do momento em que a expressão “remate espontâneo” teve direito à vida, na outra face da moeda teria de estar, logicamente, o “remate intencional”. Forças de expressão, já se sabe: na primeira, por absurdo, pretende acentuar-se a rapidez do movimento; na segunda, sai reforçado o facto de o gesto ser mais elaborado, graças ao aumento improvável do espaço e do tempo, dois factores reduzidos ao mínimo no futebol moderno, feito de pressões constantes e marcações ferozes. No meio desta selva em que vinte e dois homens se combatem numa mesma trincheira diminuta, é precioso aquele jogador que consegue pensar mais depressa, suscitando o comentário que define os melhores: “Parece que é fácil!”

Inspirando-nos em Orwell, o que nos permite aceitar mais facilmente o absurdo, poderemos dizer que todos os remates são intencionais, mas uns são mais intencionais que os outros. No vídeo que se segue, há remates e passes intencionais com fartura, ou não tivesse sido Rui Costa um jogador com tão boas intenções.

 

Dicionário do futebolês – remate espontâneo

A expressão em análise é habitualmente utilizada para comentar a situação em que um jogador resolve rematar o mais rapidamente possível, com o objectivo de não permitir ou dificultar a reacção do oponente. É o que fez maravilhosamente Van Basten no vídeo que se exibe abaixo.

Ora, ser espontâneo implica suspender o raciocínio, o que transformaria o acto de rematar numa espécie de espasmo e não no resultado de uma deliberação que não deixa de o ser por ser rápida, como não deixamos de usar a razão ao responder prontamente a uma pergunta. Por muito repentino que possa ser, o acto de rematar não é algo que se possa fazer assim do pé para a mão e resulta, evidentemente, do treino e da repetição, o que quer dizer que é tanto mais rápido quanto mais treinado, ou seja, nada espontâneo. O próprio Fernando Pessoa, num momento de extrema parvoíce e rematado mau gosto, poderia ter criado uma quadra definitiva e definidora:

O futebolista é um rematador

Que remata tão de repente

Que chega a parecer um tremor

O remate que efectivamente

Não deixa, no entanto, de ser divertido imaginar o terreno de jogo povoado por futebolistas que não conseguissem controlar o que fazem as pernas. O marcador involuntário de um golo diria: “Não sei o que me aconteceu: eu estava ali quieto, a minha perna mexeu-se e rematou espontaneamente. Até hei-de pedir desculpa ao guarda-redes, que eu nem queria fazer aquilo.”

 

Dicionário do futebolês – roubar

Já se sabe que o “nosso” clube só pode perder por razões desonestas ou estranhas ou as duas juntas. De qualquer modo, vai tudo dar ao mesmo, porque aquilo que o adepto considerar estranho é desonesto. Já se sabe, “somos sempre roubados” ou “roubadinhos”. Também já aprendemos, em sessões anteriores, que os autores dos maiores roubos são (ou estão ligados a) os clubes que estiverem em primeiro lugar, o que quer dizer que há gente que, muitas vezes, só consegue roubar durante uma semana, como acontece com algumas agremiações que alcançam o topo da tabela, enquanto os candidatos ao título, os futuros ladrões, se distraem com alguns empates iniciais, vítimas de assaltos por parte de senhores que deviam usar o apito ou a bandeirinha noutras partes do corpo.

Como reage o adepto ganhador ao conviver com tais agressões ao bom nome do seu clube? Num plano ideal, deveria ficar ofendido, bater no peito, urrando honestidades e, no limite, afastar-se de convivas tão indesejáveis ou convidar os invejosos a virem até à rua se forem homens. Talvez em países civilizados isso aconteça, mas, em Portugal, a testosterona é doutro calibre. Aqui, o adepto do clube acusado de latrocínio, cercado por uma matilha de derrotados, recosta-se na cadeira, compõe um sorriso cínico e orgulhoso e sentencia superior: “Ó pá, vocês nem roubar sabem!” [Read more…]

Dicionário do futebolês – estamos a incomodar muita gente

Em Portugal, todos os clubes que ocupem qualquer lugar que não seja o primeiro da tabela classificativa (outra pérola do futebolês) são vítimas evidentes de uma conspiração que envolve árbitros, árbitros auxiliares, delegados ao jogo, dirigentes desportivos, polícias a cavalo, dois batalhões de artilharia, alguns deuses menores e pequenos crocodilos. Se não fosse toda uma série de acontecimentos, entidades e pessoas, todos os clubes que não estão em primeiro lugar, estariam, obviamente, em primeiro lugar. Por sua vez, o clube que está em primeiro lugar deve esse dúbio privilégio a uma série de “interesses instalados”, não havendo, nunca, a possibilidade de ocupar tal posição por mérito, mas apenas porque “está tudo comprado” e “está a ser levado ao colo”. É claro que este mesmo clube, mal perca o primeiro lugar, passará a integrar o coro dos roubados, injustiçados e espoliados. [Read more…]

Adepto

 

O futebol é responsável por uma das maiores mutações do mundo contemporâneo: a transformação do ser humano em adepto. Aparentemente, o segundo parece pertencer à mesma espécie do primeiro, mas as semelhanças exteriores disfarçam mal as enormes diferenças essenciais. Trata-se de uma transformação semelhante à dos vampiros que estão na moda, tirando a parte dos caninos desenvolvidos, embora com a mesma sede de sangue.

 O homem é um indivíduo. O adepto não existe enquanto indivíduo e, por isso, nunca usa a primeira pessoa do singular. Se o fizer, não estará a ser adepto, podendo, inclusivamente, ser posto de lado pelos restantes elementos da tribo. Aliás, um dos primeiros sinais da transformação do homem comum em adepto é, exactamente, a passagem do “eu” ao “nós”, como se pode verificar no exemplo que se segue em que o cidadão ainda pré-adepto pede uma cerveja ao filho, no momento em que o árbitro marca um penalty contra a nossa equipa: “Ó filho, chega-ME aí uma cerveja. Pronto! Já ESTAMOS a ser roubados!”.

O adepto diz, portanto, “ganhámos” ou “somos os maiores”, entre muitas outras expressões sempre na primeira pessoa do plural. Só há uma palavra que um adepto nunca pronuncia: “perdemos”; em seu lugar, surgirá sempre uma expressão como “fomos roubados”. Aliás, mesmo quando “ganhámos”, “fomos roubados”, o que dá às vitórias um sabor semelhante às épicas batalhas travadas pelos reis fundadores com mais mouros do que estrelas tem o céu. Mesmo que, por vezes, a “nossa” equipa ganhe à custa de um erro de arbitragem, esse será um acontecimento tão fugaz como a passagem do cometa Halley e constituirá uma fraquíssima compensação para os milhares de vezes em que “fomos roubados”. [Read more…]

Dicionário do Futebolês – saltar mais alto

Na maioria das vezes em que há um golo de cabeça, a explicação mais utilizada é “Fulano saltou mais alto”. Rui Veloso chega mesmo a cantar o voo de Jardel sobre os centrais.
A verdade é que se cabecear dependesse apenas ou sobretudo da capacidade de elevação, Javier Sottomayor teria sido ponta-de-lança. Se ser alto fosse suficiente para se ser um bom cabeceador, Shaquille O’Neal poderia ser um dos melhores. Se os atributos físicos fossem tão determinantes, um certo Martin Pringle que passou pelo Benfica teria sido um dos maiores cabeceadores de todos os tempos, em vez de ter sido uma dor de cabeça para os benfiquistas. No entanto, para se jogar bem de cabeça é fundamental saber usar a cabeça.