A sombra de Caxias (I-A Fuga de 1961)

«Há sempre alguém que resiste
Há sempre alguém que diz não.»
(Manuel Alegre)

Pelo meio da evolução económica e social que se ia registando em Oeiras, deram-se importantes acontecimentos de ordem política em Portugal e no concelho.
Estávamos em plena Ditadura salazarista, e ao mesmo tempo que as pessoas começavam a ter acesso a outro tipo de informação, passavam também a receber de braços abertos todos aqueles que de alguma forma traziam uma solução para os problemas nacionais e mais ainda para aqueles que prometiam acabar com o regime.
Em 1958, a candidatura de Humberto Delgado à presidência da República, que abalou os alicerces do regime ditatorial, representou um momento alto na contestação a Salazar. Apesar das batotas e das fraudes eleitorais, passadas a escrito pela PIDE, o «General sem Medo» conseguiu vitórias em alguns concelhos.
Em 1974, o 25 de Abril culmina um processo marcado por longos anos de esperanças sem efeito. Tudo aquilo que se esboçara em 1958, mas sem sucesso, tinha agora efectiva concretização. De Santarém partiu a revolução, no dia em que o capitão Salgueiro Maia liderou os seus homens em direcção a Lisboa.
Quanto ao concelho de Oeiras, sobressaiu durante toda a Ditadura devido à existência de uma prisão política, a de Caxias, que por muitos anos significou o terror dos opositores ao regime e a destruição de muitas vidas. Uma sombra em Caxias, freguesia tão recente, marcada por uma luminosidade muito especial. Na prisão de Caxias, no entanto, foi sempre tudo muito escuro, apesar daquilo que o Estado Novo queria fazer crer.

A fuga de 1961

Decorria a manhã do dia 4 de Dezembro de 1961 quando oito militantes comunistas, que se encontravam detidos, protagonizaram uma fuga que se tornou mítica pela forma como decorreu. Eram eles José Magro, Francisco Miguel Duarte, Domingos Abrantes, António Gervásio, Guilherme de Carvalho, Ilídio Esteves, Rolando Verdial (todos funcionários do Partido Comunista) e António Tereso.
Ao longo de um ano, aqueles haviam preparado meticulosamente todo o plano que iria conduzir à sua libertação. O impacto nacional desta fuga foi muito grande, já que Caxias era vista como praticamente inexpugnável. Em plena luz do dia, num pátio interior do forte, rodeado de taludes, GNR’s, carcereiros armados e sempre atentos e vigilantes, como fora possível que oito presos escapassem sem que os guardas tivessem tempo sequer de reagir?
Nos meses anteriores, a PIDE distribuíra aqueles presos por várias salas, para impedir a comunicação entre eles, mas, ao contrário, o que se assistiu foi ao reforço das ligações entre salas e pisos. Assim, a PIDE decidiu voltar a juntá-los todos outra vez numa sala do rés-do-chão. Dessa forma, se estivessem todos juntos, seriam melhor vigiados. No entanto, acabou por acontecer novamente o contrário do desejado, pois ficou facilitada a preparação da fuga.
Quando se soube que na garagem da cadeia se encontrava um Mercedes à prova de bala, logo ficou escolhido o meio de transporte a utilizar. Um antigo motorista da Carris, com conhecimentos de mecânica, António Teresa, foi encarregado de ganhar a confiança dos guardas, fingindo-se colaboracionista («rachado», como lhes chamavam) e oferecendo-se para arranjar os carros do director da prisão e dos guardas.

O objectivo era chegar perto do Mercedes, averiguar o seu estado e compreender até que ponto o portão da prisão aguentaria depois de um embate do carro. Depois de se chegar à conclusão que o portão seria facilmente derrubado, foi escolhido o dia e a hora – antes das dez da manhã, que era quando chegavam os familiares dos presos para as visitas. Ao mesmo tempo, todos os outros carros do interior do forte tinham de estar avariados, para não impedirem a fuga.
Quando os deixaram sair para o recreio, pouco depois das nove da manhã, os oito presos que se preparavam para fugir foram jogar voleibol como habitualmente. Pouco depois, aproxima-se deles o Mercedes, conduzido por António Tereso e com as portas apenas encostadas.
«Começámos a «protestar», os guardas muito atentos, aproximámo-nos do carro cujas portas só estavam encostadas – tudo aparentemente sereno mas muito rápido. Ouve-se o grito da senha: GOLO! E num gesto super rápido os oito fugitivos estavam no interior do «Mercedes» que, em grande velocidade, avança pelo túnel em direcção à liberdade. A sentinela não teve sequer tempo de fechar o gradão. O «Mercedes» vai direito ao portão exterior, arranca em primeira, dá uma pancada no portão que salta em pedaços! Ouvem-se tiros de metralhadora. O «Mercedes» arranca encostado ao talude do forte. Chovem tiros e ouvem-se as balas a fazerem ricochete no carro.» (António Gervásio, O Militante)
Os guardas correm então para os carros do forte, com o objectivo de perseguir os fugitivos, mas conforme fora planeado, António Tereso encarregara-se de os avariar a todos. Dez minutos depois, o Mercedes já chegara a Lisboa. Estacionaram-no no Arco do Carvalhão e desapareceram isoladamente, passando à clandestinidade, muitos deles até 1974.

Comments

  1. Luis Moreira says:

    Foi um dos grandes momentos do 25 de Abril, a liberdade dos presos políticos de Caxias, directamente pela televisão.

  2. Inês Vieira says:

    De salientar que o “Mercedes” era pertença de Salazar, e oferecido Hitler 😉

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