A sombra de Caxias (II – Tortura do sono e quejandos)

Em Caxias, os presos entravam às centenas. Só no dia 7 de Maio de 1962, entraram 113 pessoas, acusadas de participarem nas manifestações do Primeiro de Maio, Dia do Trabalhador. Nos três dias subsequentes, foram presos mais oitenta e cinco homens.
«Vocês poderão imaginar isto tudo, amigos? O que era, em prisões destas, ser torturado, espancado, apodrecer nos curros, adoecer, tuberculizar, ter cancro, ter dores, vomitar, ter período menstrual, não tomar banho, tremer de frio, passar fome? Ninguém pode imaginar. Só vendo. Vocês poderão imaginar, amigos, o que eram os interrogatórios, os insultos, a vida inteira devassada, avacalhada, o silêncio das noites, o isolamento, os anos passados, as cartas abertas, os parlatórios com microfones minúsculos, debaixo dos mosaicos das paredes, as visitas com guardas ao lado? Ninguém pode imaginar. Só tendo passado por isto.» (Maria Fernanda Leitão, in «Notícia», 25 de Maio de 1974).
O objectivo da PIDE era, acima de tudo, obter a confissão do preso, visto que na maior parte das vezes não havia uma única prova material do suposto crime. Daí que a confissão tivesse de ser autenticamente arrancada durante o interrogatório. O espancamento, a tortura do sono ou da gota de água, o isolamento continuado ou as ameaças de morte a familiares e ao próprio eram algumas das muitas técnicas utilizadas.
Quanto às salas de interrogatório, eram pequenas e constituídas por uma mesa, uma cadeira e um banco, um quarto de dormir e uma casa de banho. Por vezes, candeeiros escondiam microfones para gravar os interrogatórios.
A tortura do sono era uma das mais aplicadas em Caxias. Para impedir que o preso dormisse, às vezes durante semanas, a PIDE recorria a estímulos que iam aumentando de intensidade à medida que se tornava mais difícil mantê-lo acordado. Numa primeira fase, brincar com uma moeda, abrir e fechar gavetas ou obrigar o preso a passear pela sala; numa segunda fase, berrava-se, espancava-se, gravavam-se gritos, mudava-se repentinamente a temperatura, queimava-se o preso e obrigava-se o mesmo a ficar em posição de estátua.
«Exemplo suficientemente elucidativo dos processos então utilizados por aquela polícia política é o caso de José Pedro Correia Soares, preso no dia 1 de Junho de 1971. (…)
Foi primeiramente interrogado pelo director da prisão de Caxias e, perante a sua atitude firme, o interrogador começou a ameaçar: «Se não quer esclarecer a verdade, não esclareça, mas vamos tê-lo 6 meses ao nosso dispor e, se for preciso, mais 3 ou 6 meses.» (…)
Depois de uma noite de sono numa cela de isolamento em Caxias, regressou ao interrogatório no dia seguinte.
Esta primitiva «sessão» teve a duração ininterrupta de seis dias e seis noites, em que o preso esteve permanentemente acompanhado, pelo menos, por um agente que era rendido de seis em seis horas, e que se encarregava de não o deixar adormecer nos intervalos dos interrogatórios propriamente ditos e de proceder a uma pressão psicológica permanente no sentido de o preso fazer confissões. (…)
Quando o preso insistiu na negativa e declarou não aceitar a Direcção-Geral de Segurança como instituição legal porque só praticava injustiças, sofreu o primeiro espancamento: violentamente socado na barriga tombou no chão, sendo depois pontapeado várias vezes , do que lhe resultaram ferimentos no nariz e no olho direito.
Em seguida, obrigaram-no a permanecer de pé três dias e três noites consecutivas, e como o prisioneiro se tivesse recusado a comer enquanto fosse torturado, quiseram-lhe introduzir um tubo no estômago para alimentação.
O preso acedeu e voltou a comer. No quinto dia, foi o director da cadeia quem tomou a iniciativa da «persuasão» com socos na cara. Como o preso o insultasse, novo grupo de agentes entrou na sala para o agredirem a pontapé. (…) Estava terminada a sessão preliminar de «interrogatórios».
Interessante, até para dar uma visão diferente da prisão, é perceber de que forma Caxias era observada do estrangeiro, neste caso através de um texto do então correspondente do jornal inglês «London Guardian».
Um investigador americano, que visitou a prisão em Agosto de 1974 e que comparou Caxias, mais recentemente, ao sistema prisional americano, mais concretamente a Guantanamo, em Cuba, local onde os Estados Unidos mantêm ilegalmente, sem culpa formada nem acusação, centenas de prisioneiros.
Um dos motivos que leva ó autor a fazer essa comparação está relacionado com a tortura do sono, uma das principais especialidades da PIDE em Caxias. Um método que era aplicado com a ajuda da CIA, que em 1963 produzira o «Kubark», manual secreto que descrevia a forma de exercer tal tortura.
«Durante vários dias, no princípio do verão de 1974, tive acesso livre a uma estranha e terrível prisão próxima a Lisboa, então vazia devido ao golpe que no mês de Abril findou 48 anos de ditadura fascista em Portugal. (…)
A prisão de Caxias era dirigida pela polícia secreta, a PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), temida pelos portugueses. Os peões atravessavam a rua para evitar passar em frente à sua sede em Lisboa. Caxias era uma velha fortaleza próxima ao mar, mas no seu interior havia uma moderna câmara de tortura que utilizava as mais recentes técnicas de coerção — concebidas pela US Central Intelligence Agency.
Durante décadas, milhares de prisioneiros políticos, principalmente comunistas e socialistas, deram entrada em Caxias para tortura sistemática e a seguir foram soltos. Por que estes subversivos conhecidos, que haviam dedicado as suas vidas à destruição da ditadura, puderam retornar à liberdade? Porque o êxito das técnicas modernas de tortura importadas pela Pide significava que as suas vidas anteriores haviam-se tornado irrelevantes? Nas palavras da Pide, eles haviam sido “jogados fora do tabuleiro de xadrez”. As suas vidas, velhas ou novas, foram destruídas.» (Cristopher Reed)

A inversão do ónus da prova, ou «Diz-me com quem andaste, dir-te-ei quem és»

O João Pedro Henriques partilhou em tempos um blogue com a Fernanda Câncio, o «Glória Fácil».
O João Pedro Henriques, agora, escreve no «5 Dias». A Fernanda Câncio escreve no Jugular.
O João Pedro Henriques é contra a inversão do ónus da prova e contra a penalização do enriquecimento ilícito. Talvez porque, se fosse assim, o primeiro-ministro teria de explicar os seus sinais exteriores de riqueza. Talvez pelas mesmas razões, a Fernanda Câncio também é contra a inversão do ónus da prova e contra a penalização do enriquecimento ilícito.
Quando se juntam as peças, as coisas começam a fazer sentido. Certas contratações é que não.

É só Alzheimer?

A Graça Franco ainda tem a esperança que, estando o país doente, seja só Alzheimer. No texto a seguir há a perplexidade de quem não acredita que o sentido de impunidade chegue tão longe. E que o pagamento de favores políticos e pessoais tambem não. Mas ela própria explica:

«Há episódios na política que nos mostram quanto a memória é curta. O caso das eventuais “pressões” sobre magistrados no caso Freeport é um deles.
Quem se lembrava que o actual ministro da Justiça fora demitido de director dos assuntos de justiça do Governo de Macau acusado de pressionar um juiz de instrução criminal num caso de peculato que, ao tempo, envolvia dois companheiros socialistas?
Aconselhava o bom senso que, com um passado assim, não voltasse o político a ocupar pastas na Justiça? E menos ainda a ser ministro? Talvez, mas a memória não resistiu a 21 anos de branqueamento. Eis a espantosa explicação do próprio sem ponta de remorso. A alegada pressão não passara de uma mera explicação técnica fornecida ao juiz para evitar que ele persistisse “no erro” de manter em prisão preventiva os dois acusados.
E Lopes da Mota? Alguém sabia o nome do magistrado acusado de fornecer a Fátima Felgueiras documentos do processo em que estava envolvida? Alguém suspeitava sequer que poderia ser ele o elemento de ligação entre a investigação britânica e portuguesa no caso Freeport? Um ex-secretário de Estado socialista? Aconselhava o bom senso que o político não tivesse regressado à sua actividade de magistrado? Talvez, mas a ninguém ocorreu manter viva a memória.
O país está doente e o diagnóstico aponta para um estado avançado da doença de Alzheimer. Só isto explica que, depois de condenado por corrupção, Domingos Névoa possa ter sido nomeado presidente de uma empresa municipal com aval unânime dos maiores partidos. Até aqui, foi precisa a pressão dos média para o próprio se lembrar do facto e… renunciar ao cargo.»

Contratem um estilista para fazer uniformes, já!

Hoje estou um pouco mais contente com a nossa administração pública. Sinto-me revigorado. Quando estamos tristes e desanimados com os órgãos do Estado, uma notícia como a que o Correio da Manhã hoje apresenta deixa-nos um travo de esperança. Sabemos que há, na nossa administração, quem pense primeiro nos humildes clientes das lojas desta entidade detentora de monopólio.

Um os mais zelosos serviçais do Estado, mas com poder decisório, proibiu o uso, em serviço, “de blusas decotadas, saias muito curtas, gangas, perfumes com cheiro agressivo, roupa interior escura, saltos altos e sapatilhas” às funcionárias da Loja do Cidadão de 2ª geração de Faro. Finalmente alguém no seu perfeito juízo.

Não venham, por favor, falar em atentado à liberdade individual ou coisa do género. As senhoras funcionárias fazem atendimento ao público e devem, pois, apresentar-se de forma digna, cuidada e cumpridora dos bons costumes. Além do mais, em Faro há muitos estrangeiros e temos de transmitir uma imagem positiva a quem nos visita ou queira tratar da papelada para ser mais um neste nosso belo rectângulo.

Se se apresentassem de forma atrevida num balcão de uma loja de 2ª geração, e isto faz toda a diferença em relação a outras, dariam uma imagem negativa e prejudicariam o ritmo dos trabalhos. Se fossem em preparado menos decentes, das duas uma. Se a senhora for feia e mal jeitosa arrisca-se a repelir ou deixar mal impressionado o cliente, e todos sabemos como a primeira impressão é importante. Se for bonita e jeitosa, vai atrair a clientela e perder mais tempo que o desejável.

Deve ser por isto que o balcão da segurança social nas lojas do cidadão está sempre com filas enormes. Mesmo quem já tratou os seus assuntos, arranja sempre forma de ficar mais uns minutos a apreciar. Quem não tratou, não se importa de esperar porque o cenário é agradável. E assim, a fila vai crescendo.

As funcionárias destes balcões devem ser agradáveis, bonitas, com um decote generoso e os seios apenas meio escondidos por um soutien preto e debruado com renda. O perfume, esse, é forte mas cativante e insinuante. A saia, curta, uns dedos acima dos joelhos, mostrando mais que o permitido pela moral e bons costumes mas, essencial, tapando as áreas mais significativas, deixando espaço para a imaginação.

É bom, pois, que haja dirigentes na administração pública capazes de investir muito do seu tempo a criar regulamentos e normas deste género. É preciso ainda alguém tomar medidas impopulares mas correctas para o bom funcionamento das estruturas de atendimento. Melhor, ainda seria contratar, por um valor adequado e justo, um estilista de renome para desenhar e fabricar um uniforme bonito e de qualidade. Sempre dentro do chamado bom gosto. E toda a gente sabe o que isso é.

É preciso ter lata!

Do «Público» on-line:

«Socialistas assinam texto crítico sobre situação do país

O “sistema capitalista” parece “ter entrado em ruptura”. Há “direitos conquistados durante gerações, pelos trabalhadores” que foram “gradualmente postos em causa”. O retrato, do mundo e de Portugal, é tudo menos risonho e é assinado pelo PS, o partido do Governo, e por alguns dirigentes da chamada “ala esquerda”, a começar por Manuel Alegre, e pelo fundador do partido Mário Soares.
Outros subscritores são o PCP, Bloco de Esquerda, Verdes, as duas centrais sindicais, CGTP e UGT, JS e JCP, entre outros.
Segundo os subscritores, a crise económica mundial está a ter consequências em Portugal, onde os seus efeitos se somam às “vicissitudes de antigos desequilíbrios estruturais que vêm de muito longe e persistem” e não pode justificar “violências contra os trabalhadores”. “O desemprego e a precariedade alastraram.”
Alegre e Soares são duas das mais de 600 personalidades de esquerda que assinam o “apelo à participação” na manifestação do 25 de Abril, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, organizada anualmente pela Associação 25 de Abril.»

Quando se sabe que gente como Alberto Martins e Vitalino Canas também assinou, só mesmo uma frase: É preciso ter lata!

Empresas do Regime

Cito de cor. Empresas que não têm qualquer rasto naquela actividade empresarial, de um momento para o outro arranjam um grande contrato com o Estado. Sem concurso público, sem nenhuma das habilitações que as outras empresas só acumulam ao fim de muitos anos de trabalho. Basta ter lá alguem que foi ministro ou algo assim! É o caso do Terminal de Contentores em Alcântara.
Henrique Neto é um socialista conhecido. Já exerceu elevadas funções no âmbito partidário. Mas é tambem, e fundamentalmente, um empresário. Um homem habituado a operar em mercados muito exigentes e altamente competitivos. Não precisa do PS para nada e muito menos do governo. É dos poucos homens livres deste país.
E contínua. É dificil perceber como é possível que Sócrates, há 5/6 anos ministro e secretário de Estado do Ambiente, se mostre agora enquanto Primeiro Ministro, tão permissivo em matérias ambientais. Entre a linha férrea e o rio, para os lados de Vila Franca de Xira, vai ser construída uma Plataforma Logística em área protegida. Tal como o Freeport é uma decisão incompreensível.
Este empresário que dirige os seus produtos para a exportação, que tem como clientes grandes empresas internacionais, há muito que clama no deserto contra esta cumplicidade entre o Estado e os grandes Grupos económicos nacionais. O tráfego de pessoas entre os governos e estas empresas dão nos exemplos que são conhecidos. A Lusoponte, PT
BPN, BCP, construtoras e suas empresas satélites, assessores, gabinetes de advogados…
Henrique Neto merece que as suas palavras sejam repetidas. Disse isto tudo em entrevista colectiva na SICN, perante o silêncio dos seus colegas de entrevista.
É uma forma de corrupção como outra qualquer, terminou corajosamente!