O MOLHE NORTE DA FOZ DO RIO DOURO

Junto à praia das Pastoras, esteve uma escultura de José Rodrigues, evocativa de Ferreira de Castro. Durante as obras do molhe norte da foz do rio Douro, foi retirada do seu lugar. Ao que parece, esteve a ser restaurada e vai, dentro de algum tempo, espera-se que muito curto, ser reposta no local.

Vem isto a propósito da minha ida há alguns dias, de manhã, ao novo farol da barra do Douro.
Logo na entrada uma tristeza, um jardim bonito, inaugurado há poucos dias e já com plantas a morrer de sede, e algumas mesmo mortas. Não deveria ser assim.
Percorri-o (ao molhe) depois, de uma ponta a outra e gostei da obra e da vista da minha cidade, olhada lá da ponta. Lamentavelmente ainda não se pode percorrer o túnel até ao farol. O mar chão e a maré baixa, acompanhados pelo sol e temperatura muito agradável, ajudaram ao encanto. Muitas pessoas, como eu, passeavam, outras pescavam, outras, poucas, também como eu, fotografavam. Algumas crianças corriam e brincavam. Alguns, comiam e outros fumavam. O chão estava inundado de beatas e papeis, e toda a espécie de pequenos detritos. Nem um único local para os deitar, que impedisse aquele espectáculo. Os fumadores deitavam as periscas para o chão, o mesmo faziam os miúdos aos papéis que embalavam os gelados e a sandes. Os pescadores ainda eram os mais asseados, guardando as suas coisas em sacos plásticos.

Algum tempo depois, o mar foi subindo, as ondas começaram a galgar levemente o molhe, e foram lavando a porcaria lá deixada.

Se calhar é assim que deve ser, o mar tudo lavará e tudo levará consigo, mais cedo ou mais tarde. Porquê incomodarmo-nos com estes pormenores?, pensarão os responsáveis do IPTM ou os da APDL.

Mas para mim, não custava nada tratar das plantas, e colocar umas papeleiras próprias para o local, de onde a onde.

À atenção de quem de direito!

QUIQUE, EL MEJOR

Está de vento em popa, a qualidade de jogo do Benfica. Mais uma vez perdeu, mas não por culpa própria. Desta vez, foi a arbitragem habilidosa que levou ao infortúnio. Claro que o jogar mal, não ajuda nada, e o jogar pior que o adversário também não. Mas, como é evidente, a culpa toda é do quarteto de arbitragem. Desta forma, o acesso à Liga dos Campeões do próximo ano, está seriamente comprometido. É uma vergonha, tanto alarde para tão pouco resultado.

E agora Quique, como vai ser. Ainda és o maior da tua terra?

Mais uma vez, temos quatro campeonatos, o do FCP, eterno primeiro, o dos três ou quatro seguintes, o dos que lutam para não descer e o do Benfica, campeão moral de todas as ligas mas que nada ganha.

O Benfica vai queixar-se à Comissão de Arbitragem da Liga. Acho bem!

Acho muito bem que o Benfica se queixe à Liga por causa da arbitragem de Marco Ferreira no jogo de ontem contra a Académica.
De caminho, que se queixe também do árbitro do Benfica – Braga (Paulo Baptista), do árbitro do Estrela da Amadora – Benfica (Hugo Miguel) e do árbitro da final da Taça da Liga (Lucílio Baptista).

Oh as casas as casas as casas*

Percorro essas estradas municipais já quase abandonadas, que a cada ano perdem alguns centímetros para a floresta de eucalipto, e descubro as espantosas casas do interior do país.

Em lugarejos esquecidos, rodeadas de árvores que crescem à revelia dos homens, erguem-se essas construções impossíveis: casarões com telhados de duas águas, jardins perfeitos aos quais nem sequer falta uma descomunal fonte de pedra, chalets improváveis num cenário desolado.

Estas casas estão feitas de cimento e pedra e frustrações longamente sublimadas, de humilhações, sacrifícios, do orgulho apertado nos dentes por muito, muito tempo. Por isso são únicas e incongruentes, não pertencem ao sítio onde estão mas tampouco poderiam estar noutro lugar, nascem e vivem ao lado do cão que fica longo tempo a olhar os forasteiros, do monte de sucata enferrujada, do poço seco, do ribeiro que já arrastou homens mas agora perdeu a força e esvai-se num fio de água enlameada.

É raro ver-se gente nessas casas, ou um baloiço, ou um par de botas no jardim. Como fantasmas, erguem-se solitárias, miragens urbanas no deserto da estrada, a tal ponto que não sabemos se as sonhámos, se desejámos vê-las para nos tranquilizarmos com a presença do humano numa estrada por demasiado tempo deserta.

Casas estranhamente belas, casas sólidas, para resistir aos temporais das serranias, casas que não morrerão tão cedo mas que já parecem quebradas por dentro, sem o sopro vital que também anima as casas. Casas que, na sua solidão altiva e absurda, me parecem, por instantes, um retrato do país, e, também por isso, ainda mais tocantes e insuportáveis.

* “As Casas”, Ruy Belo, Todos os Poemas, Assírio & Alvim, 2000

Sons de Abril: José Barata Moura


A música é de José Barata Moura e chama-se «Vamos Brincar à Caridadezinha». Editada pela Orfeu, em 1973, faz parte do primeiro disco do artista e é essenciamente uma música de protesto e de crítica ao regime e à sociedade do tempo da Ditadura.
Sobres esta música, escreveu ernando Madail no «Diário de Notícias» de 22 de Dezembro de 2007: «”Vamos brincar à caridadezinha, festa, canasta e boa comidinha”, cantava José Barata Moura em tom de crítica àquele tipo de senhora que “passa a tarde descansada, mastigando a torrada, com muita pena do pobre, coitada!” O músico, que seria reitor da Universidade de Lisboa entre 1998 e 2006, devia estar cansado de ler notícias como a que o DN publicava no dia 18 de Dezembro de 1965 sobre uma “obra de amor e de bem-fazer”.
A explicação vinha logo no título daquela notícia a meio da sétima página : “A sede dos ‘Fernandinhos Pobres’ começou a encher-se de crianças dos bairros humildes de Lisboa que ali vão buscar alegria e agasalhos”. E a legenda acrescentava: “dirigentes e benfeitoras dos ‘Fernandinhos Pobres’, durante a festa de ontem”.
Para os espíritos mais progressivos, parecia impossível escrever algo deste género: “Uma centena de crianças humildes de Lisboa foi já, ontem à tarde, ao grupo ‘Fernandinhos Pobres’ receber alguns dos donativos que ali costumam distribuir na quadra do Natal”. Mas, enfim, nessa longa noite do fascismo lusitano, havia – já se sabe! – exploração.
“Presidiu à cerimónia a sr.ª D. Maria Natália Rodrigues Thomaz, filha do Chefe do Estado [acerca da qual corriam quase tantas anedotas como sobre o pai]. Presentes, também, muitas senhoras da alta sociedade que patrocinam aquela obra de caridade.” Ah! Essa amaldiçoada palavra “caridade”!
“A partir das 14 horas, começaram a afluir os gaiatos, juntamente com as mães e outros familiares à sede daquele organismo de beneficência. Eram crianças das mais pobres que há na cidade [como se isso fosse um motivo de orgulho para elas] , filhas dos casais que vivem nos bairros mais humildes, tais como Sete Moinhos, Casal Ventoso e Curraleira [provavelmente uma garantia de que, afinal, não eram os falsos pobres de que sempre se suspeita, seja na distribuição de prendas aos pobrezinhos ou no rendimento mínimo]. A pouco e pouco as cem alcofas foram sendo distribuídas. A primeira foi entregue pela sr.ª D. Maria Natália Rodrigues Thomaz [apontada, então, quase como sendo um sinónimo da fealdade], a segunda pela sr.ª D. Maria Madalena Morais, presidente da Cruz Vermelha, e a terceira pela sr.ª D. Maria Emília Castro, esposa do sr. dr. Augusto de Castro [director do Diário de Notícias e, obviamente, uma figura do regime]. E, durante mais de duas horas estas e outras senhoras espalharam, com estes donativos, alegria e conforto a tantas famílias.”
Lá cantava José Barata Moura, no seu timbre claro, em que todas as sílabas se entendem perfeitamente, que “o pobre, no seu penar, habitua-se a rastejar e, no campo ou na cidade, faz da sua infelicidade algo para os desportistas da caridade”. Adiante.
“Na sede dos ‘Fernandinhos Pobres’ reinava uma atmosfera de ternura e de felicidade contagiantes. As crianças riam ou abriam os olhitos com aquela expressão de encanto que é apanágio das suas horas de emoção mais alta.” Seja lá este aspecto o que for…
“As beneméritas protectoras do grupo, a que preside a sr.ª D. Virgínia Lopes da Silva, comungavam, também, na satisfação geral dos seus protegidos, que se sentiam com o Natal deste ano mais iluminado e mais aberto à esperança.” Estávamos, pois – nunca se deve esquecer! -, em pleno fascismo, um tempo de ignorância e de miséria. Aliás, a notícia do lado parecia uma metáfora velada, pois “Lisboa sem sol foi ontem uma cidade triste” e “o nevoeiro deu-lhe uma poesia estranha e fantasmagórica fora dos hábitos alegres dos alfacinhas” – em contrapartida, registavam-se 40 graus em Lourenço Marques, como se designava, nesse tempo de guerra contra os turras (os guerrilheiros da Frelimo), a agora Maputo.
“Hoje, à tarde”, concluía o jornalista, “o mesmo grupo e as mesmas senhoras vão ainda distribuir por mais quatrocentas crianças outras valiosas prendas. São peças de vestuário e de calçado, um lanche e umas guloseimas, para que os miúdos participem, com algo de concreto, no sortilégio mágico do Natal.”
Moral da História: 42 anos depois, derrubado o regime fascista e finda a guerra colonial, com 33 anos de democracia e 22 de adesão europeia, ainda continuamos a necessitar de instituições como a dos “Fernandinhos Pobres”. E a canção parece não ter perdido actualidade: “Não vamos brincar à caridadezinha, festa, canasta e falsa intençãozinha.»

O monstro debaixo da cama

Há uns meses, Tim, vocalista de Xutos & Pontapés, dizia que por cada disco vendido a banda recebia muito pouco. Era tão pouco que acabavam por receber, em proporção, mais dinheiro cada vez que um fã comprava um toque de telemóvel com uma pequena parte de uma canção.

Este é um daqueles segredos de polichinelo. Há muito, para não dizer desde sempre, que os maiores rendimentos em redor da indústria da música vão para os editores e outros agentes, deixando os verdadeiros protagonistas, os músicos, com uma fatia mais pequena.

Não espanta que, em todo o mundo, a guerra contra a distribuição digital ilegal de ficheiros de música tenha sido liderada pelos administradores das editoras e pela associação que representa estes tubarões da indústia. Ficaram famosos os processos da RIAA (Associação da Indústria Discográfica Americana) a algumas pessoas que fizeram downloads ilegais de música. Alguns deles terminaram com condenações ao pagamento da multas ridículas de milhões de dólares. A RIAA, como outras entidades, incluindo algumas portuguesas, seguiu o caminho da repressão. Já que não consegues vence-los, processa-os. A estratégia foi a pior de todas. Foi uma reacção de quem não vê um boi à frente mesmo que os seus cornos estejam quase a entrar pelos olhos. Enquanto se processam uns desgraçados, que tiveram azar, milhões de outros continuam a descarregar música de forma ilegal. Por certo, a industria musical lamenta não poder sentar todos no banco dos arguidos. Os amantes da música lamentam que a indústria da música continue a seguir um caminho autista. Os músicos continuam a ser os principais derrotados.

Em França, os deputados aprovaram, no início deste mês, uma emenda à lei que obrigava os internautas condenados por transferência ilegal de ficheiros a pagar o serviço da internet, mesmo não o podendo utilizar, devido a limitação judicial. Isto é, depois de apanhado a copiar produtos defendidos por direitos de autor e após dois avisos, o cliente de um provedor de internet seria julgado, multado, impedido de utilizar o serviço de net mas teria de o pagar até cumprir a penalização. A justiça teria mesmo de ser cega para aceitar uma coisa deste género.

A lei, que foi sabiamente emendada, pretendia fazer dos provedores de acesso à net os bufos perfeitos: acusavam alegados infractores e continuavam a receber dinheiro do cliente denunciado, além deste não poder usar o serviço. Os “ratos” perfeitos. Em Portugal, alguns protagonistas da indústria queriam o mesmo.

Acontece que a pirataria só vai ter menos praticantes – mas nunca será eliminada -, quando os preços da música ficarem mais acessíveis. A compra de música é demasiado cara e a maior parte dos rendimentos não segue para os criadores. Segue para uma série de parasitas que gravitam em volta de quem cria para eles e pouco mais fazem que um agente de jogadores de futebol.

Há cerca de um mês, num outro espaço, disse que nos dias de hoje, as editoras e etiquetas musicais, os agentes de artistas e bandas, além dos promotores de espectáculos insistem em anunciar os espectáculos de grande parte dos intérpretes como fazendo parte da “digressão de promoção do novo álbum”. Uma estratégia de marketing como qualquer outra e baseado nas fórmulas de outros tempos.

Disse ainda que no passado, os músicos lançavam discos e iam para a estrada promove-los. Era, claro, uma forma de ganhar dinheiro, mas sobretudo de contacto com os fãs e fazer com que comprassem discos, antes ou depois dos espectáculos. Os tempos agora são outros e o dinheiro para os artistas está do outro lado do arco-íris chamado “concertos”. É na estrada, em espectáculos em estádios, pavilhões, salas de concertos ou pequenos clubes e bares, que os músicos ganham dinheiro. A fórmula está alterada. Do tempo em que faziam uma “digressão de promoção do novo álbum” passamos, passaram os artistas, ao tempo em que lançam um novo disco para promover a digressão.

Os discos, sejam CDs ou DVDs musicais ou ainda ficheiros em MP3 ou outros formatos de distribuição, representam a fatia fina do rendimentos dos artistas.

O dinheiro investido na compra de música por parte dos fãs começa por pagar à editora os custos de produção – desde pagamento do estúdio, técnicos, promoção, gravação, produção de imagens, entre outros -, depois paga à editora a percentagem da editora, depois há outras pequenas despesas a suportar e só no final da linha os artistas.

É claro que auferem ainda os direitos de autor ao longo dos tempos. Se não fosse isso, e os concertos, mais valeria tocar e cantar as canções no metropolitano ou nas ruas das cidades. Há uns anos, na comunidade dos músicos, falava-se de que os concertos estavam em queda. Há um ano e meio alguns agentes anunciavam que a crise dos artistas estava a chegar, não só porque a música era “sacada” da internet sem que os intérpretes recebessem algo por ela, mas também porque a crise ia inibir os fãs de pagar bilhete para assistir aos espectáculos. Não foi isso que aconteceu. Antes pelo contrário. Daí que sejam os concertos a fornecer real rendimento, do dinheiro a sério, aos músicos.

Os dados divulgados no início de Fevereiro pela norte-americana Billboard mostram isso mesmo. É na estrada, nas “tours”, que está o “show me the money” das bandas e cantores. Basta olhar para o top dos fazedores de dinheiro em 2008 no mundo da música. Os primeiros 20 fizeram diversos concertos ou digressões inteiras. Com Madonna no topo.

Duvidam? Perguntem a um músico. Em Portugal perguntem, por exemplo, a Xutos e Pontapés ou a Tony Carreira. O mais popular dos cantores nacionais não deve ter muitos fãs a “sacar” canções ou discos inteiros da Internet sem pagar. Vende milhares de exemplares de cada disco, o último é platina por cinco vezes, mas por cada ano faz dezenas de espectáculos e os primeiros de cada digressão são de produção própria, através da sua empresa.

Há menos de um mês, o Diário de Notícias contava que a venda de discos continua a cair. Em 2008 o mercado discográfico português, conta o jornal, só facturou 44.332.628,09 euros. É muito, é pouco? É menos 12,47 por cento que em 2007. No entanto, apesar desta queda, o segmento digital cresceu. Em 2007, os downloads de músicas e toques de telemóvel tinham rendido 2.631.520,89 euros. No ano passado, aumentou quase 17 por cento, para 3.077.128,18 euros. A Associação Fonográfica Portuguesa (AFP) fez as contas e apurou que foram aquiridos 46.043 álbuns, 423.077 singles, principalmente de artistas internacionais, e 829.347 toques de telemóvel.

“Desde o ano 2000 até hoje, as vendas desceram de 105,8 milhões de euros para os actuais 44,3 milhões, e o sector perdeu aproximadamente 138,8 por cento da sua facturação”, diz-nos ainda o jornal.

Claro que a AFP aponta a “pirataria digital” como é a responsável pela quebra das vendas de música. Dizem que está tudo ainda por fazer para a combater. É verdade. Sugiro que dêem um primeiro passo e comecem este processo através da redução do preço da música. Será um primeiro passo. A sensibilização do público, sobretudo dos mais jovens, é outra opção obrigatória, mas por si só, não
chega.

Continuar a bater na tecla de que a culpa é só da pirataria é tentar tapar o sol com a peneira. Até porque muitos desses ‘bandidos’ são aqueles que compram bilhetes para os espectáculos dos artistas e bandas. São estes os consumidores de música que convém captar para o lado dos não infractores. São estes os potenciais clientes da indústria musical que esta não soube captar porque os seus administradores estiveram mais interessados em contar dinheiro do que em compreender o mundo que circulava à volta deles.

Persistir no caminho trilhado até aqui será como procurar monstros debaixo da cama. Tenho quase a certeza que não estarão lá.

A melhor maneira de roubar um banco é geri-lo

Este é o melhor título do ano. É de Sandro Mendonça do Departamento de Economia, ISCTE.

Vamos segui-lo. Com esta crise já se aprendeu uma coisa: a maior falência do sistema financeiro português é a do Banco de Portugal (BdP). O governador encolhe os ombros e diz que é impossível descobrir todas as fraudes. O BdP está organizado num centro de de investigação académica e não para cumprir as tarefas que lhe estão atribuídas. Não só não controla as instituições financeiras (incluindo as predadoras entidades de empréstimos a pronto deixadas à solta durante anos a fio) como não tem estado ao lado dos consumidores. O BdP anda há anos a pregar a contenção salarial mas nunca estendeu o convite aos administradores bancários.

“Quando alguem tem o poder de fixar a própria remuneração variável surgem patologias sérias”, continua. Quando grandes instituições como a Merril Lynch. o Royal Bank of Scotland ou a seguradora AIG se revelam vulneráveis à pilhagem e à fraude,então quer dizer que o problema está no centro do sistema.

Portanto a actual crise não se pode atribuir a meros erros de investimento ou ao mau carácter de alguns. Os alicerces psicológicos foram removidos e num sistema de motivações complexas a falta do lastro estabilizador do Estado teve resultados devastadores.

“Por trás desta crise está um colapso geral de ética e responsabilidade.Esta desintegração não surgiu por meio de uma mão invisível.” Como hoje já se sabe há instituições que promoveram activamente a instabilidade. Os “off-shores” são disso exemplo. Paraísos fiscais associados à lavagem de dinheiro e à especulação gratuita”. E é,na velha Europa, que dois terços destas “lavandarias” se encontram, incluindo o da Madeira.
Falhas graves de supervisão têm custos sistémicos, sobretudo em pequenas economias abertas, como a nossa, conclui.

Público,27 de Março de 2009

A sombra de Caxias (III – Caxias e o Estado Novo)

Em Janeiro de 1972, a revista «Continuidade», o órgão oficial da PIDE, descrevia assim as condições da prisão: «Somente a presença de grades nas janelas lembra que se trata de uma prisão. Os detidos dispõem de quartos individuais, com casa de banho privativa e água corrente quente e fria, permitindo-lhes as melhores condições de alojamento…
A cozinha de Caxias, dotada de moderna aparelhagem, permite a confecção de alimentos nas melhores condições, completando as demais condições de alojamento, que podem ser consideradas das melhores em todo o mundo. Um posto médico, apetrechado com o material corrente em qualquer bom consultório, assegura uma completa assistência a quantos dela possam carecer.»
Como é óbvio, a realidade eram bem diferente. Os presos que o digam. Foram os seus relatos, verdadeiramente impressionantes, que revelaram a dimensão do horror, o alcance da tragédia.
«Falo-vos de Caxias. Falo-vos de uma máquina de bestialização articulada em nome de uma ideologia como pretexto adeuqado. Aqui, o carácter recíproco do respeito entre os homens foi ferozmente destruído. Aqui, recusando aos presos a higiene mais elementar, infligindo-lhes os mais brutais tratamentos, os pides negavam-se a ver neles homens. Aqui, os cárceres, os curros, os catres com sangue seco, as paredes, os corredores, os silêncios, os gritos, o desespero – depõem sobre a irresistível evolução do espírito nazi-fascista para o desprezo total do homem no homem. Aqui, com o sacrifício das próprias vidas, os mais puros e abnegados dos resistentes ao insulto fascista encarnam a liberdade (com L maiúsculo, camarada tipógrafo, com L maiúsculo!) na sombra, no opróbio, na morte – sempre honrando-se, sempre honrando-nos!» (Baptista Bastos, in «Diário Popular», 25 de Maio de 1974)
Caxias era, pois, uma pequena parte de um vasto complexo de tortura e morte, que englobava o Aljube, Peniche, Ilha Terceira e Ultramar, como Timor, o Tarrafal, em Cabo Verde, ou Machava, em Moçambique.
E se o Estado Novo insistia em encontrar apenas virtudes no estabelecimento prisi0onal, os deputados da Oposição não iam, definitivamente, na mesma «onda». Em 15 de Janeiro de 1972, o então deputado Francisco Sá Carneiro propôs na Assembleia Nacional a designação de uma comissão eventual que procedesse a um inquérito ao regime prisional de Caxias. Numa fase que começava a ser conturbada, numa fase em que a Ditadura já não conseguia, como conseguira nas décadas anteriores, sufocar todo o tipo de contestação ao regime, os deputados da Oposição já se sentiam à vontade para falar e para enfrentar os fiéis da União Nacional.
A acta número 149 do Diário das Sessões da Assembleia Nacional do dia 17 de Janeiro de 1972, páginas 3003 a 3022, reflecte bem a forma como o regime e a Oposição se preocupavam com Caxias. Por motivos diferentes, como é óbvio. A Oposição preocupava-se com as condições dos presos, que já ninguém conseguia esconder, enquanto que o regime se preocupava com as repercussões que essas condições podiam ter na contestação nacional e internacional.
O excerto que em seguida apresentamos, do referido Diário das Sessões, e que traduz o discurso de Farnacisco Sá Carneiro e o diálogo com outros deputados, alguns deles afectos ao regime, é apenas uma pequena parte das actas referentes àquela tarde em que, durante duas horas e meia (das 15.40 às 18.10 horas), o tema principal foi a prisão de Caxias.
«Tenho recebido, nos últimos tempos, numerosas queixas quanto à actuação da Direcção Geral de Segurança, tomado conhecimento de várias exposições sobre essa matéria e lido acusações que lhe são feitas publicamente.
Os pontos mais graves referem-se a casos de prisões e buscas sem mandados e aos métodos de interrogatórios praticados, durante os quais se não admite a presença de advogado dos suspeitos presos. (…)
Investigação não é, não pode nunca ser, obtenção de confissões. (…) A defesa da sociedade não pode fazer-se com desrespeito pelas pessoas.
O Sr. Casal-Ribeiro: – Faz-se à bomba …
O Orador: – V. Ex.ª disse alguma coisa, Sr. Deputado?
O Sr. Casal-Ribeiro: -Disse, disse, em voz bem alta: faz-se à bomba!
O Sr. Henrique Tenreiro: – V. Ex.º dá-me licença?
O Orador: – Só um momento. Éque há duas interrupções …
O Sr. Casal-Ribeiro:- Eu, é só um comentário: só à bomba!
O Orador: – Não, é uma interrupção …
O Sr. Casal-Ribeiro: – Pois é. E um comentário: faz–se- à bomba. (…)
O Orador: – Sr. Deputado, eu não lhe estou a pedir resposta nenhuma, nem estou preocupado … Agora do que não abdico é o de estar no uso da palavra, de responder a quem eu entender e como entender. (…)
Poderá pensar-se, ante a ida a prisão da Direcção-Geral da Segurança em Caxias, dependente do Ministério do Interior, que foi a mesma a atitude deste.
Não foi.
Como a imprensa noticiou, essa visita teve lugar no dia 4 e durante ela tivemos ocasião de falar com vários presos.
Essa era a razão determinante da nossa ida; por isso imediatamente aderi à oportuna iniciativa do Sr. Deputado Correia da Cunha, fruto da sua intervenção junto do Sr. Ministro do Interior, à qual se associou também o Sr. Deputado Pinto Balsemão.
Foi-nos depois esclarecido pelo Sr. Ministro que poderíamos visitar a cadeia quando quiséssemos, mas não falar com as pessoas aí detidas, a não ser eventualmente, a título excepcional e meramente pessoal; não como Deputados.
Nessas condições entendo que se não justifica qualquer outra diligência directa. A própria visita à cadeia, que no dia 4 não prevíramos e que não houve tempo para efectuar, tendo ficado prevista para mais tarde, não tem justificação se não pudermos, como Deputados, ouvir os presos que entendermos.
É nessa qualidade que tenho recebido as numerosas queixas e reclamações a que aludi, que se referem não só ao regime prisional de Caxias, mas também, e sobretudo, á actuação da Direcção-Geral de Segurança quanto a detenções, buscas e interrogatórios.
É como Deputado que tenho a obrigação de não me calar e de exigir que, se os factos são verdadeiros, se lhes ponha termo e se punam os responsáveis; se são falsos, se responsabilize quem os publica. (…)
E assim termino por propor, Sr. Presidente, que a Assembleia Nacional designe uma comissão eventual para estudar todas as queixas, reclamações e acusações formuladas e proceder a inquérito à actuação da Direcção-Geral de Segurança e ao regime prisional da Cadeia de Caxias, devendo apresentar, no prazo de um mês, um relatório circunstanciado da sua actividade, das conclusões a que chegou e das medidas que propõe.
Disse.
Vozes: – Muito bem!
O Sr. Henrique Tenreiro: – Não apoiado!
O Sr. Casal-Ribeiro: -Isso mesmo, não apoiado.
Vozes: – Apoiado! Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado. (…)
Requerimento
Ao abrigo do disposto no artigo 11.º, alínea d), do Regimento, requeiro que me seja dado conhecimento se foi realizado algum inquérito, ordenado designadamente pela Presidência da República ou pela Presidência do Conselho, ao modo como foi interrogado na Direcção-Geral de Segurança José Pedro Correia Soares, que actualmente se encontra detido na prisão de Caxias; no caso de ser afirmativa a informação pedida, requeiro também que me seja facultada cópia integral de todas as peças desse inquérito e prestadas informações sobre as suas consequências.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 15 de Janeiro de 1972. – O Deputado, Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.»
No mesmo ano, ainda se voltaria a ouvir falar de Caxias. No dia 20 de Abril, foi lida na Sessão Parlamentar que Ana Maria Correia Antunes enviara uma carta a propósito
das condições em que vivam os presos de Caxias. No dia 7 de Dezembro, Francisco Sá Carneiro «voltava à carga» e, desta vez, exigia informações sobre uma estudante universitária do Instituto Superior de Agronomia, chamada Dália Rosa Falcato.
Queria saber, nomeadamente, se a aluna se encontrava detida em Caxias à ordem da Direcção-Geral de Segurança; se estava doente e com febre e, por isso mesmo, tinha sido vista por um médico da Faculdade de Medicina de Lisboa e por um psiquiatra da mesma cidade; se lhe fora diagnosticada uma depressão nervosa e aconselhado o fim do regime de isolamento a que fora votada desde a sua detenção; se esse isolamento já terminara e em que dia; se fora requerida a sua transferência para um hospital pisquiátrico e através de que despacho; e a quantos interrogatórios fora sujeita Dália Rosa Falcato e com que duração.
No ano seguinte, o mesmo Sá Carneiro apresentaria um projecto-lei de amnistia para crimes políticos e infracções disciplinares, mas, por ser considerado «gravemente incorrecto», nem sequer lhe foi dada a palavra.
Segundo esse projecto-lei, seriam amnistiados os crimes políticos e as infracções disciplinares que tivessem também origem em motivos políticos. O objectivo final era a consagração, na Constituição e nas leis, das liberdades públicas que não existiam em Portugal. Assim, a amnistia política surgiria como corolário da alteração de uma situação que levava a PIDE/DGS, a considerar delituosos, constantemente, comportamentos e atitudes que não passavam de actividade política e cívica.
O projecto apresentado por Sá Carneiro seria liminarmente recusado e nem sequer chegou, como se disse antes, a ser discutido em plenário. O Presidente da Comissão Parlamentar de Política e Administração da Assembleia Nacional, Gonçalves Proença, considerou que não era oportuna tal discussão naquele momento.
Foi apenas o último de vários projectos do deputado que já tinham sido recusados anteriormente, como o da liberdade de associação, da liberdade de reunião, dos funcionários civis, da alteração ao código civil, do divórcio e separação de pessoas e bens e da organização judiciária. A todos eles, não foi dada a mínima oportunidade para serem ao menos discutidos, e a justificação era sempre a mesma: gravemente inconvenientes.
Por todas estas razões – no fundo, porque não conseguia cumprir a missão para que fora eleito pelo círculo do Porto – Francisco Sá Carneiro viria a renunciar ao seu mandato no dia 25 de Janeiro de 1973.

Woody Harrelson e os zombies

Woody Harrelson é um prato. Não sei se ainda se utiliza, mas há uns anos, quando se queria definir alguém como sendo divertido e engraçado, autor de umas piadas catitas, costumava dizer-se que fulano “é um prato”. Foi do que me lembrei quando li uma notícia, na CNN, sobre a explicação de Woody Harrelson para ter batido num fotógrafo no aeroporto de Nova Iorque.

O actor, já nomeado para um Oscar, por “Larry Flint”, e vencedor de um Emmy, por “Cheers, Aquele Bar”, é conhecido por ter um certo mau feitio.

Não chega ao mau feitio do pai, um assassino profissional contratado por grupos criminosos, mas por vezes fica irritado. Foi o que aconteceu no aeroporto de La Guardia. Perseguido por um paparazzi da agência TMZ, a ‘mostarda’ não demorou a chegar ao nariz do actor que agrediu o fotógrafo. Nas declarações à polícia, contou que participou num filme, “Zombieland”, no qual era perseguido por um zombie. Ao ser perseguido pelo fotógrafo no aeroporto, confundiu-o com um zombie e desatou à bofetada.

Daqui se podem tirar algumas ilações. Primeiro, que Woody tem tendência a confundir ficção com a realidade; Segundo, que já ninguém respeita os zombies.

Se isto chega a Portugal ainda há sarilhos. Bem, como em boa parte das vezes os paparazzi são chamados por quem, depois, se mostra indignado, talvez não.