Tenho entretido com o Nuno Ramos de Almeida uma elegante polémica (apesar da suposta tareia que lhe dei) acerca do financiamento das autarquias. Ele pede-me que continue. Quem sou eu para dizer que não?
A minha fonte é o melhor livro de urbanística escrito em Portugal (o único que de facto, nos pode oferecer uma perspectiva verdadeiramente política da questão): Ordenar a Cidade de Jorge Carvalho editado pela Quarteto. Trata-se de uma tese de doutoramento, portanto cheia de jargão técnico porventura inacessível ao comum dos mortais , mas as continhas estão lá tintin por tintin, e não são difíceis de perceber. É tudo mais e menos, um multiplicar e um dividir de vez em quando. Mas com um pequeno esforço, leia-se as parte II e III e está lá tudo. Eu, que sou arquitecto, percebi. Apenas me limitei a acrescentar algumas, poucas, reflexões que decorrem da minha experiência profissional, aqui ou ali porventura discordantes das do Jorge Carvalho.
Mas o que me importa, ou que mais me preocupa, é remeter esta discussão para um nível propositivo. Que fazer?
Ora, se a malta não fizer um pequeno esforço de compreensão para ultrapassar a barreira da linguagem tecnocrática, estamos, estaremos e seremos sempre lixados na nossa dimensão de cidadãos, para além de qualquer discurso de esquerda ou direita pré-formatado por lugares comuns pouco ou nada coincidentes com a realidade. Neste caso a barreira parece difícil mas apesar de tudo, garanto-vos, custa menos que a matemática do nono ano. É que este debate sem números vale muito pouco. Debate que diga-se é verdadeiramente ideológico e incide sobre questões que na sua essência, digo eu, distinguem esquerda e direita , questão tão cara aos meus amigos do cinco dias e colegas (também amigos) do aventar.
Dito isto à laia de desabafo esmiuçemos.
A argumentação do NRA assenta na ideia de que as Câmaras lucram com o crescimento urbano desenfreado e que por isso necessitam deste crescimento para compor os seus orçamentos e fazer investimento público.
O que eu digo é precisamente o contrário: as Câmaras perdem dinheiro nesse processo, que tem um custo muito maior decorrente do alargamento e dispersão da infraestrutura pública que importa construir, conservar e renovar , do que as eventuais receitas fiscais ou contrapartidas que criam.
Aliás, se fosse como o NRA afirma, haveria uma certa racionalidade na coisa: constrói-se mais (ainda que mal) mas ganhava-se dinheiro que se conduziria para o interesse público. Este seria, apesar de tudo, um bom argumento para se manter o status quo, na medida em que crescimento urbano não só se pagava a si próprio como ainda gerava lucro para a coisa pública.
No entanto não é assim, senão vejamos:
1- Infra estrutura pública (conceito que alargo por forma a abranger não só às obras de urbanização – ruas, água, luz, saneamento etc, mas também os equipamentos –escolas, hospitais, parques, etc…) e crescimento urbano estão correlacionados. Isto é, ou a infraestrutura chega primeiro e gera pressão urbana no território, o que faz com que as coisas aconteçam (a forma correcta), ou chega primeiro a urbanização que traz consigo a exigência de infraestrutura pública (a forma errada).
2- De qualquer das formas temos então um custo que resulta directamente no processo de urbanização ou que é induzido por este.
3- Quanto custa e quem o paga? São as perguntas que importam.
4- Custa em média 100 euros por metro quadrado de construção, segundo as contas do Jorge Carvalho, sendo que metade é para infraestrutura geral (a que diz respeito à escala da cidade/vila) e a outra é para infraestrutura local (a que diz respeito à própria urbanização).
5- Os promotores imobiliários (urbanizadores e construtores) pagam cerca de 25euros (média no final dos anos noventa princípio do milénio- as coisas talvez terão mudado um pouco para melhor nos últimos anos), o que significa que alguém anda a pagar os restantes 75.
6- Por outro lado se olharmos para a despesa dos municípios em infraestrutura pública esta era em meados dos anos noventa
, cerca de dois terços dos seus orçamentos (contabilizando todos os custos).
7- As receitas resultantes de impostos e taxas sobre o imobiliário (IMT e IMI) cobrem apenas 25% dessa despesa.
8- Se cruzarmos esta despesa com as fontes de financiamento verificamos que a infraestrutura pública é paga da seguinte forma: 50% os contribuintes e 25% os utilizadores, 15% os proprietários, 10% os promotores. Nunca tantos pagaram tanto para tão poucos, dizia o outro e digo eu.
O processo de urbanização desenfreado tem sido um péssimo negócio para as Camâras, Estado e Contribuintes em geral e não é lá grande coisa para os utilizadores. Mas os senhores proprietários e os senhores promotores, os que precisamente arrecadam a maior fatia da mais-valia não se têm dado muito mal. Quem é que são os otários?
Serão os autarcas, que quer o saibam ou não – e muitas vezes isto é feito conscientemente – fazem investimento público e orientam-no para prosseguir interesse privado sem que as autarquias ganhem com isso muito pelo contrário?
Qual a solução que o NRA apresenta? Mais dinheiro da Administração Central para as Autarquias. Não me parece lógico. Significa afectar ainda mais impostos genéricos para fins que beneficiam privados à grande e à francesa e que se deveriam pagar a si próprios (ou pelos menos na sua grande parte).
O tema não se esgota aqui como é óbvio. Este estado de coisas tem a ver com o Planeamento Urbanístico e consequentemente com a política de solo e regulação do mercado fundiário, coisas indissociáveis, o que é muitas vezes esquecido. Questões que remeto para posts posteriores.
NOTA: quando me refiro a infrastrutura geral, não estou a incluir a construção dos equipamentos, mas apenas ao encargos decorrentes da compra dos terrenos e das obras de urbanização.
JA VI QUE ESTE CONTINUA ..DIGÁMOS..DESEMPREGADO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Concordo. isto de infraestrutura publica devia apenas ser para quem consegue pagar os 100 € por m2 a mais. (Os pobres nem tomam banho!) Bem-vindo ao neo-liberalismo…
E todos sabem que cada casa/prédio construído precisa de infraestruturas completamente novas. Ou isso ou todas as construções são em zonas não urbanizadas…