Sem maioria absoluta, José Sócrates terá que ser, de facto, um novo primeiro-ministro. Nas suas declarações de ontem, afiançou-nos do seu interesse no diálogo com os partidos da oposição e à SIC declarou que sendo o governo do PS, tem o dever de cumprir o programa partidário apresentado aos eleitores. Eis o equívoco que não pode deixar de ser sublinhado.
Sócrates parece algo surpreendido pela recusa de coligações ou compromissos por parte de qualquer uma das outras formações com assento em S. Bento. Não sabemos o que terá proposto aos seus quatro interlocutores, nem isso interessa de sobremaneira à opinião pública, mais preocupada com as dificuldades do quotidiano. Pelas declarações do primeiro-ministro, parece ter assim início aquilo que todos previam, no caso de um governo minoritário.
A atribuição do ónus da ingovernabilidade à oposição, segue os parâmetros há um quarto de século gizados pelo então primeiro-ministro Cavaco Silva e que em crescendo de crispação, conduziria a eleições antecipadas que proporcionaram o almejado absolutismo parlamentar.
Hoje, a situação é bem diferente e ninguém consegue esconder a calada semi-desilusão que a entrada de Portugal na então CEE hoje significa, com o seu cortejo de falências, liquidação de sectores produtivos tradicionais, perda de oportunidades para um prometido desenvolvimento e pior que tudo, a clara ameaça de desaparecimento do país como Estado formalmente independente.
A verdade é que o novo governo não ostenta a necessária legitimidade para tentar fazer aplicar integralmente o chamado "Programa Eleitoral de Governo do PS". Perdeu quase 10% dos eleitores, dezenas de deputados e a confiança no que respeita às decisões que afectarão a vida das próximas gerações. O que J.S. deve compreender, é que mais que a arrogância e a intratabilidade, o eleitorado puniu a opção por projectos cuja valia ou interesse nacional, não são discerníveis pela maioria dos portugueses, avessos a qualquer tipo de aventureirismo. Resta-lhe a construção de pontes com os seus adversários, obtendo os consensos que a moderação e o bom senso exigem.
O PSD não quis acatar o programa do PS, nisto sendo seguido pelo CDS, BE e PC, confirmando-se assim aquilo que todos esperavam da oposição: a não assinatura do aval que permita loucuras a grande velocidade, negociatas turvas e alienadoras do património público, aeroportos semi-desertos ou tríplices auto-estradas destinadas à "dinamização" de negócios de companheiros de viagem.
Um governo minoritário – como o povo quis de forma muita clara -, é um executivo destinado a obter plataformas de entendimento e os compromissos necessários ao bem estar geral. Não pode vingar uma vez mais o ilusionismo da vitimização. A competência de quem tem também o dever de fazer uma oposição responsável, verificar-se-á na capacidade de demonstrar até onde vão as boas intenções do diálogo, ou pelo contrário, os esquemas da reserva mental.
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