Cinema:

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FUTAventar – Paulo Bento parte do problema

Se a equipa do Sporting após quatro anos com o mesmo treinador e os mesmos jogadores, mesmo não tendo vencido quase nada ( uma Taça, um segundo e terceiro lugares, razoáveis prestações nas Europeias ) apresentasse agora uma equipa forte colectivamente, com um naipe de jogadores que desse garantias individualmente, tudo se compreenderia.

Mas não é assim ! O que se vê é que os jogadores jogam como nunca tivessem treinado entre si ( dá a impressão que se juntam ao jantar, antes dos jogos), o jogo é feio, feito de bolas para trás e para os lados, a circulação da bola não se faz com rapidez, não há desenvolvimentos verticais, a bola dura uma infinidade antes de chegar lá à frente.

Então o que faz a estrutura dirigente no clube? Em quatro anos não conseguiram encontrar soluções financeitas e técnicas para poderem comprar os jogadores certos? Ou estão a aceitar que o Sporting deixe de ser, definitivamente, um dos três grandes?

Após os “negócios” com terrenos, construção, velho estádio, novo estádio, academia, habitação, Alvaláxia, o resultado é um clube sem dinheiro, sem equipa, sem património e com um enorme passivo? Alguem responde ? E quem manda no clube são os bancos ? Ninguem sabe nada?

É, assim, tão dificil comprar um jogador de grande nível para jogar no centro da defesa, o que elevaria de imediato o nível de todos os outros defesas, incluindo o guarda-redes? E um jogador tipo “ninja” que deixaram ir embora, para poderem pagar milhares de contos a quem não marca um golo?

O Manuel Fernandes, grande sportinguista, já os ofereceu ! Estão no União de Leiria , e estarão em muitos outros lugares mas como não há quem veja, fiquem-se por quem sabe e está tão perto!

A IGREJA, POR VEZES, PERDE A NOÇÃO DO RIDICULO

Recebi de um amigo, residente no Canadá, um texto de um tal cardeal George Pell, que interveio no “Festival de Ideias Perigosas”, na Opera de Sydney.

Entre as muitas atoardas que proferiu, como só a igreja sabe dizer quando não é capaz de elaborar argumentos sérios e claros, retive uma, por estúpida e ofensiva. Dou de barato todas as outras, dado que enveredam por conceitos nebulosos que ninguém entende.

 Diz o Senhor cardeal: “Continuarei acreditando no único e verdadeiro Deus do amor, porque sustento que nenhum ateu pode explicar o sorriso de uma criança”. Claro que este explicar, e julgo que não me engano, significa entender, sentir, enternecer-se, amar o sorriso de uma criança.

 A fé é um direito de quem quer que seja, tal qual a “não fé”. Mas a mim, pessoalmente, não me interessa discutir nessa plataforma. Discutir social e filosoficamente sobre o fenómeno fé, é uma coisa. Discutir sobre o que quer que seja, aceitando a fé como argumento interveniente, não interessa de forma alguma nem a mim nem a ninguém senhor da sua razão.

 Das suas palavras infere-se que só quem tem fé, só quem é crente, só quem se encontra no seio da igreja pode explicar e entender o sorriso de uma criança. Perdoem-me a raiva perante tão monstruoso disparate, mas será por essas e por outras que a igreja tem tantos pedóflos?

 Sou ateu, rigorosamente ateu, e confesso que o dia mais feliz da minha vida foi aquele em que tive plena consciência disso. Tenho três filhos que adoro e quatro netos cujos sorrisos me encantam e me enchem de amor e alegria. Tenho muitos amigos e familiares ateus que, como eu, se sentiriam profundamente ofendidos pelas palavras de um cardeal, que mostra perceber muito de fé e muito pouco de amor. Só não nos ofendemos porque nos estamos marimbando para o cardeal e não ligamos patavina a tais dislates.

 Em primeiro lugar, a palavra ateu nem devia existir, ou melhor, não há necessidade de que exista. Não existe, que eu saiba, uma palavra que defina aquele que não acredita na alma, não há uma palavra para definir aquele que não acredita no destino, não há uma palavra que defina aquele que não acredita no universo, não há uma palavra que defina aquele que não acredita no acaso, não há uma palavra que defina quem não acredita em bruxas, não há uma palavra que defina quem não acredita na evolução das espécies, não há uma palavra que defina quem não acredita na origem científica da vida, não há uma palavra que defina quem não acredita no pai natal. Porque diabo há-de existir uma palavra tão sonante para classificar quem não acredita em Deus? Não foram com certeza os ateus que a inventaram, nem disso tinham necessidade, mas sim a Igreja, a fim de definir bem, e estigmatizar ainda melhor, através dos séculos, aquele que ela considera o seu inimigo principal. Ao ponto de um alto responsável, ainda há bem pouco tempo, ter lançado pela boca fora, a bárbara e inquisitorial afirmação de que o ateísmo é o maior drama da humanidade!!!

 Em segundo lugar, nenhum ateu, e é assim que eu penso, tem de se descrever como tal, ou orgulhar-se ou não se orgulhar de ser ateu. Não reside dentro ou fora do ateísmo o ser-se bom ou o ser-se mau, o sentir ou não sentir o amor, seja por uma criança seja por toda a humanidade. O bem e o mal não são propriedade exclusiva dos crentes ou dos não crentes. Há muita gente crente que merece todo o meu respeito, a par de outra que é desprezível, assim como há muitas pessoas descrentes que são dos melhores seres humanos que conheço. As palavras de cardeais como este, não são mais do que uma visão distorcida e malévola da personalidade humana, e uma forma baixa de politizar e diabolizar o ateísmo e quem com ele se identifica. Aquilo de que o ateu se deve orgulhar, isso sim, é do seu contributo e da sua interveniência saudável, racional e liberta na construção livre do pensamento humano e na estruturação de uma sociedade tão próxima quanto possível da sanidade física e mental.

 Assim, já o disse aqui, mas nada se perde se o repetir, considero que o ateísmo deve ser defendido como mundividência ética e filosófica, socialmente válida e aceite. Deve defender os legítimos interesses dos ateus, agnósticos e outras pessoas sem religião, no exercício da cidadania democrática. Deve promover e defender a laicidade do Estado e a igualdade dos cidadãos, independentemente da sua crença e religião, ou ausência de religião e crença no sobrenatural. Deve lutar pela despreconceitualização do ateísmo na legislação, nas instituições e nos órgãos de comunicação social. Procurar responder com todo o direito e respeito às manifestações religiosas e pseudo-científicas com uma abordagem científica, racionalista, honesta e humanista dos fenómenos em causa. Exigir que as leis sobre liberdade religiosa contemplem, não só as diferentes religiões, mas todos aqueles que não professam qualquer religião.

Mas é inglório e decepcionante: Com gente desta é malhar no ceguinho. São séculos de esclerose.

As últimas sondagens para as Autárquicas

Começam a aparecer as últimas sondagens para as eleições autárquicas. Se em Lisboa Costa vai à frente mas ainda não ganhou, no Porto a vitória de Rio está assegurada – resta saber se vai ser com maioria absoluta.
Quanto aos concelhos mais pequenos, parece que Mesquita Machado vai voltar a vencer com maioria absoluta em Braga – há coisas que não compreendo. Matosinhos esqueceu Narciso e dará a vitória a Guilherme Pinto. Os oeirenses fazem um manguito à Justiça e dão a maioria absoluta a Isaltino. Em Faro, Macário Correia vai à frente, mas com uma curta diferença sobre Apolinário.
Que venham depressa as Autárquicas, que estamos «desertos» para saber qual vai ser a composição do novo Governo.

De capa e batina

Uma vez ali em Alcochete estava com uma namorada num restaurante quando entrou um grupo de rapazes e raparigas de capa e batina, com violas e outros instrumentos musicais. Como não há por ali nenhuma universidade (não havia, agora crescem como cogumelos) pensei que a rapaziada andava a fazer pela vida, isto é, a arranjar condições para o namoro se aprofundar e, como tal, podia nascer entre nós uma espécie de cumplicidade.

Logo que a dificil me deu uma oportunidade e me deixou só, eu acertei com o grupo de capa e batina, eh!, pá, vocês fazem aqui uma serenata à dificil e eu pago-vos o jantar, que tal? Que sim o dinheiro é pouco vem mesmo a calhar.

Lá voltou a adúltera, dizia-me que era divorciada e só quando levei com um gajo com 90 Kgs é que percebi que não, e os capas e batinas vá de fazer uma serenata. Joelhos em terra e vá de cantar e tocar os poemas ” que eu não ouvia, era o vento na ramaria, que murmurava só para nós” cantava o gajo com os olhos a tremilicar.

A dificil ficou-se por ali mas logo que me vi aliviado comecei a pensar cá para mim , mas que fazem estes gajos de capa e batina? No meu tempo quando entrei para o primeiro ano do Liceu, havia uns gajos, filhos de gente rica, que andavam no sétimo ano e que podiam ser meus pais. Era a vida deles não faziam mais nada, sempre nos copos e na má vida, usavam a capa e batina porque não havia tempo de ir a casa, era trajo que servia para as alegres e para as tristes, sempre impecável, quanto mais rugas melhor, buracos tapavam-se com emblemas e farrapos de cores diversas.

Mas agora que os “jeanes” são ao preço da “uva mijona”, há roupa porreira por tuta e meia, agradavel e cómoda, porquê o trajo académico?

Hoje, na baixa de Lisboa, lá andava o pessoal de capa e batina a fazer um grande alarido, com uns penicos na cabeça e a fazer umas flexões, tudo muito envergonhado e muito academicamente,correcto.

O problema, é que apanhavam sol uma loiras turistas lindas de morrer ,mas eu não consegui pôr ninguem a cantar!

Cartazes das Autárquicas (Santana Lopes, Lisboa)

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Santana Lopes, PSD.
(enviado por Maria Monteiro)

A diferença entre Herman José e Ricardo Araújo Pereira

(A propósito da submissão e nervosismo do humorista na entrevista a Mário Soares)

Os tempos são outros. O Herman teve de os “lamber” porque levou muito no coiro. Suspenso em 1988 no Humor de Perdição, perseguido pela Igreja em 1994 por causa da Ùltima Ceia (com o aplauso do inefável Marcelo que acorreu a defender a posição dos “Diáconos Remédios” de serviço), arrastado para a lama pedófila pelas mãos de um MP salazarista baseado em balelas não investigadas nem provadas, o Herman percebeu que “ou aliviava” ou sucumbia.
O Ricardo é um caso diferente. É indiscutivelmente genial como o mestre, está bem escudado pelos seus três Mosqueteiros, não tem que dar explicações ao mundo cinza por “não ter esposa e meninos”, tem clube de futebol (e logo o Benfica – lobby mais poderoso que a Maçonaria) e é simpatizante do PCP (tal como 50% da inimputável magistratura mais ligada a Stalin que a Salazar). Pode portanto dar-se ao luxo de ser independente e de não “lamber” ninguém.
Por isso não tem desculpas. Exigimos-lhe uma coluna de titânio. O aço – como constatamos no caso do Herman e das Torres Gémeas – têm limites para a sua resistência.

Filipa M

Elisa Ferreira no «Gato Fedorento»

Gosto de Elisa Ferreira, tenho de admiti-lo. E penso que daria uma excelente Presidente da Câmara do Porto se tivesse sido candidata no momento certo, ou seja, em 2001. Teria ganho e Rui Rio nunca teria existido. Agora, é tarde.
Não obstante, penso que a candidata do PS esteve muito bem na entrevista com Ricardo Araújo Pereira. Muito desenvolta, muito à vontade, confirmou aquilo que se tem vindo a verificar: a prestação das mulheres no «Gato Fedorento» é claramente superior à dos homens.
Foi também muito convincente. Quem ouviu Elisa Ferreira a falar até terá ficado convencido que ela acredita na vitória. Deu para rir quando disse que tinha muitos seguidores no Twitter e no Facebook – como se isso significasse votos.
Esteve muito bem quando separou as águas do FC do Porto e da rivalidade entre Porto e Lisboa. Já quanto à gamela do Parlamento Europeu, não conseguiu explicar. Talvez porque seja mesmo inexplicável…

Gripe, é sempre bom ler quem sabe

Um bastonário não é qualquer pessoa, representa toda uma profissão essencial em relação a este assunto (embora com membros seus a dizerem muitos dislates) e vem legitimar uma corrente de opinião muito forte que está a menorizar a pandemia de gripe. Já não se trata de pessoas com comportamentos primários, como se viu ao princípio, agora são frequentemente pessoas educadas. Até Vital Moreira, no seu blogue, veio hoje apoiar o bastonário, com a sua autoridade jurídica (ou política?).

O Dr. Pedro Nunes é oftalmologista, deve ser pouco versado em virologia ou infecciologia. Por isto, presumo que tenha pedido conselho a colegas especialistas, nos órgãos da Ordem. Se não o fez, foi imprudente. Se o fez, foi mal aconselhado.

João Vasconcelos Costa

… finalmente, um nobel para a literatura !

… permitam-me um momento de felicidade (essa coisa que não sei muito bem o que é mas que também pouco me interessa) e um momento de radicalismo intelectual (essa coisa que faz asco a muita gente) : de longe a longe, de muito muito longe, o Nobel da Literatura é atribuído a um(a) escritor(a), o que é muito muito estranho. Herta Muller é um portento da literatura novecentista. a literatura não é uma questão de «gosto». ponto final. por vezes a academia sueca engana-se. ainda bem.

o homem Herta Muller, O Homem é um grande faisão sobre a terra, trad. Maria Mendonça, Cotovia, 1993. (edição de 1500 exemplares; ainda se encontra à venda, fora de catálogo, nos célebres mercados do livro, vejam lá  !)

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Herta Muller, A Terra das Ameixas Verdes, trad. de Maria Lopes, Difel, 1999.

um excerto:

a dália branca
«Nos dias escaldantes de Agosto, a mãe do carpinteiro tinha metido, com um balde, uma grande melancia dentro do poço, A água fez ondas à volta do balde. A água borbulhou em volta da casca verde. A água refrescou a melancia.
A mãe do carpinteiro foi com uma grande faca para a horta. O carreiro era um rego. A alface tinha espigado. As folhas estavam coladas com o leite branco que lhes corre nos pés. A mãe do carpinteiro levava a faca ao longo do rego. Onde a sebe começa e a horta acaba, florescia uma dália branca. A dália chegava-lhe ao ombro. A mãe do carpinteiro cheirou a dália. Cheirou prolongadamente as pétalas brancas. Aspirou a dália. Esfregou a testa e olhou para o pátio.
A mãe do carpinteiro tinha cortado a dália branca com a faca grande.
‘A melancia foi uma desculpa’, disse o carpinteiro depois do funeral. ‘A dália é que foi a perdição dela.’ E a vizinha do carpinteiro disse: ‘A dália era um rosto.’
‘Por este verão ter sido tão seco’, dizia a mulher do carpinteiro, ‘é que a dália estava cheia de pétalas brancas enroladas. Fez-se tão grande como nenhuma dália alguma vez podia ser. E como houve vento neste Verão, não se desfez’. Embora já não tivesse vida, não conseguiu murchar.’
‘Isto não se aguenta’ disse o carpinteiro, ‘ninguém consegue aguentar isto.’
Ninguém sabe o que a mãe do carpinteiro fez com a dália branca. Não levou a dália para casa. Não a pôs no quarto. A dália também não ficou caída na horta.
‘Ela veio da horta. Trazia a faca grande na mão’, disse o carpinteiro. ‘Nos olhos dela havia qualquer coisa da dália. A córnea estava seca.’
‘Pode ser que tenha esperado pela melancia’, disse o carpinteiro, ‘e entretanto tenha desfolhado a dália. Desfolhou-a com a mão. Não havia pétalas espalhadas pelo chão. Como se a horta fosse uma sala.’
‘Acho que’, disse o carpinteiro, ‘ela abriu um buraco na terra com a faca grande. Enterrou a dália.’
A mãe do carpinteiro tirou o balde do poço ao fim da tarde. Levou a melancia para a mesa da cozinha. Espetou a faca na casca verde. Com a faca na mão fez um círculo com o braço e cortou a melancia ao meio. A melancia rachou. Foi um estertor de agonia. No poço, sobre a mesa da cozinha e até cair aberta em duas metades, a melancia ainda estava viva.
A mãe do carpinteiro esbugalhou os olhos. Como tinha os olhos tão secos como a dália, não se abriram muito. O sumo escorria pela lâmina da faca. Os seus olhos pequenos olhavam com hostilidade a polpa vermelha. As pevides pretas pareciam os dentes dum pente encavalitados uns sobre os outros.
A mãe do capinteiro não cortou a melancia em talhadas. Pôs as duas metades da melancia à sua frente. Com a ponta da faca escavou a polpa vermelha. ‘Tinha os olhos mais gulosos que já se viram’, disse o carpinteiro.
O líquido vermelho escorrera pelo tampo da mesa da cozinha. Escorria-lhe dos cantos da boca. Pingava-lhe dos cotovelos. O sumo vermelho da melancia ficou colado ao chão.
‘Os dentes da minha mãe nunca foram tão brancos nem tão frios’, disse o carpinteiro. ‘Enquanto comia dizia: não olhes dessa maneira. não me olhes para a boca.’ E cospia as pevides pretas para a mesa.
‘Eu virei os olhos. Não saí da cozinha. Tive medo da melancia’, disse o carpinteiro. ‘Olhei para a rua pela janela. Vi passar um homem desconhecido. Ia apressado e falava sozinho. Ouvia pelas costas como a minha mãe escavava com a faca. Como mastigava. E como engolia. Mãe, disse eu sem a olhar, pára de comer.’
A mãe do carpinteiro levantara a mãe. «Gritou e eu olhei para ela por ter gritado tão alto’ disse o carpinteiro. ‘Ela ameaçou-me com a faca. Isto não é um verão e tu não és gente, gritou ela. Sinto uma pressão na testa. Tenho as tripas a arder. Isto é um verão que lança as chamas do fogo de muitos anos passados. Só a melancia é que me refresca.»
herta muller «o homem é um grande faisão sobre a terra»

HERTA MÜLLER VENCE PRÉMIO NOBEL DA LITERATURA DE 2009

À novelista, ensaísta e poeta alemã de origem romena. Herta Müller foi atribuído o Prémio Nobel da Literatura de 2009. A Academia sueca salientou o facto de Herta Müller conseguir, “com a densidade da sua poesia e a limpidez da sua prosa, retratar o universo dos deserdados”. Müller é autora de livros como “O Homem é um Grande Faisão Sobre a Terra”, editado em Portugal pela Cotovia, e “A Terra das Ameixas Verdes”, publicado a nível nacional pela Difel. Ambos os livros se encontram esgotados.

Nascida a 17 de Agosto de 1953, na aldeia de Nitzkydorf, perto de Timisoara, na Roménia, estudou alemão e literatura romena na sua terra natal e trabalhou depois como tradutora numa fábrica de Timisoara, antes de ser demitida das suas funções em 1979 por se ter recusado a colaborar com a Securitate, a polícia política de Nicolae Ceaucescu. Müller acabou por abandonar o seu país em 1987 para ir para a Alemanha com o marido, o também escritor Richard Wagner. Para trás deixou uma longa luta perdida pela publicação dos seus trabalhos frontalmente críticos ao regime totalitário de Ceausescu, que acabaria por ser derrubado dois anos depois. Vive em Berlim desde 1987.

A sua obra dá voz às inquietações das duras condições de vida de minorias durante a ditadura de Ceausescu. No caso de «O Homem é um Grande Faisão Sobre a Terra», a acção centra-se no destino de uma família alemã que espera com ansiedade a autorização para abandonar a Roménia, situação que Herta e seu marido dramaticamente viveram. A corrupção, a perseguição e a intolerância política, são as temáticas mais exploradas por Herta.

Herta Müller, dez anos depois de Günter Grass, é a décima autora alemã a receber o Nobel. Thomas Mann (1875-1955), galardoado em 1929, o autor de «A Montanha Mágica», foi um dos escritores germânicos premiados cuja obra mais perdurou para além da fama efémera do famoso galardão. O prémio atribuído pela Academia Sueca tem actualmente um valor de 980 mil euros e será entregue em Estocolmo no dia 10 de Dezembro.

Metem-se os gajos a recibo verde e não se fala mais nisso

Porém, os últimos anos têm mostrado que a natureza pública da TAP tem sido aproveitada para a tornar refém da luta sindical para efeitos de instrumentalização politica, como se mostrou na recente greve dos pilotos em plena campanha eleitoral, mesmo à custa da ruína financeira da empresa.

Vital Moreira, sobre a privatização da TAP

AUTARQUIA


Thomas More (1478-1535), por Hans Holbein, o Jovem (1527)

Permitam-me, senhores leitores do Aventar, que sinta uma imensa alegria ao pensar na ideia e na actividade de sermos livres, de não sermos governados por ninguém, excepto por nos próprios, até onde a nossa inteligência e vontade o permitirem.
Escrever esta frase, coloca a minha pessoa e ideais em sérios apertos. O primeiro é entender de que governo falo: de um Estado, de uma Nação, de um grupo, ou de mim próprio? Se a palavra, como me lembro é derivada do grego (1), autarquia é esse sonho que nasceu em 1785, antes da Revolução francesa. Os já quase cidadãos igualitários estavam fartos de serem comandados por poderes absolutos (2). Todos mandavam sobre eles, restando-lhes submeterem-se, serem punidos ou serem afastados do poder.
Ai de quem não satisfizesse esse desejo. Foi em 1516, que um igual ao monarca, um par, Tomás Moro, farto que a família Tudor explorasse o povo, escreveu um pequeno livro de 141 páginas, para descrever as formas de mandar na Ilha Utopia, sítio isolado e bem abastecido onde todos eram iguais e deliberavam em grupo antes de tomarem uma decisão. Utopia tem como significado mais comum a ideia de civilização ideal, imaginária, fantástica. Pode referir-se a uma cidade ou a um mundo, sendo possível tanto no futuro, quanto no presente. A palavra foi composta a partir dos radicais gregos οὐ, “não” e τόπος, “lugar”, portanto, o “não-lugar” ou “lugar que não existe”.
Utopia é um termo inventado por Thomas More que serviu de título a uma das suas obras escritas em latim, por volta de 1516. Segundo a versão de vários historiadores, More fascinou-se pelas narrações extraordinárias de Américo Vespucio sobre a, então, recente avistada ilha de Fernando de Noronha, em 1503. Assim, More, decidiu escrever sobre um lugar novo e puro onde existiria uma sociedade perfeita.
O utopismo consiste na ideia de idealizar não apenas um lugar, mas uma vida, um futuro, ou qualquer outro tipo de coisa, numa visão fantasiosa e normalmente contrária ao mundo real. O utópico é um modo não só absurdamente optimista, mas também irreal de ver as coisas do jeito que gostaríamos que elas fossem.
O monarca reinante, Henrique Tudor, tinha um capricho: casar com a mulher dos seus amores, Ana Bolena. Para tal, devia-se divorciar da sua primeira mulher, Catalina de Aragão, mais velha que ele. Ao ler Utopia, Tomas Moro ou, o seu real nome em Inglês, Sir Thomas More, parecia o homem ideal por ser justo e sábio – como, no seu livro parecia ser na Corte Tudor: trato igual dado aos subalternos -, e porque conhecia a lei. Sem hesitar, este Henrique Tudor ou VIII, nomeou-o Chanceler, estratégia para lidar com uma potência estrangeira, o Vaticano, de onde emergiam as ordens para a conduta social. Especialmente, em matéria de salvação das almas. Um matrimónio católico, como o dele, se fosse desfeito acabava por pôr em risco as almas, condenando-as ao inferno.
Mas, como dizem por ai, a paixão é uma força da natureza. Era essa força que não permitia a El-rei pensar, mas sim ao seu Ministro, que sabia que a imparcialidade residia na organização do comportamento, como era definido pela divindade que tudo via, ouvia, mandava, punia ou louvava . O medo a essa divindade, obrigava os seres humanos a tomar imenso cuidado. O cuidado era tanto, que dava um aspecto distante e sem compromisso.

Thomas More (1478-1535) por Hans Holbein, o Jovem (1527).
É o que se espera de quem administra justiça e procura a Autarquia na sua ilha de vida. More, não foi bem sucedido e El-rei mandou-o matar.
Como nada conseguia com os seus Chanceleres, afastou-os a todos do poder, passou a ser chefe da Igreja, auto decretou o seu divórcio e outros em sucessão, até que já velho e sete vezes casado e divorciado, a sua autarquia o fulminou (3).
O que o povo procurava era uma governação em conjunto, uma utopia. Serão os nossos iminentes novos autarcas como Henrique VIII ou como Sir Thomas More? O que quer o povo para esta parte da sua soberania? O povo deve decidir.

(1) Autarquia (do Grego αuταρχία, composto de αuτός (si mesmo) e αρχω (comandar), ou seja, “comandar a si mesmo” ou “auto comandar-se”) é um conceito pertinente a vários níveis, mas sempre lidando com a ideia geral de algo que exerce poder sobre si mesmo. Fonte: FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Editora Nova Fronteira, 1996, pág. 201;Constituição da República Portuguesa, Título VIII – Poder Local.

(2) Poder absoluto, conforme os historiadores, é orientar o comportamento de um povo sem limites de lei ou de outras pessoas que dêem conselhos sobre o que fazer. É um poder que fica entregue nas ideias e nas mãos do que melhor entenda. A consequência é o pânico que causa entre os subalternos que devem estar sempre a divertir a quem manda sem freio nem receio de vingança.

(3) Em Filosofia, o conceito de autarquia significa poder sobre si mesmo. Define-se também como o governo de um Estado regido pelos seus concidadãos.
Dos vocabulários estóico e cínico pode-se dizer que é a condição de auto-suficiência do sábio, a quem basta ser virtuoso para ser feliz.
Em relação ao conhecimento, ao contrário de Platão, Antístenes rejeitava os valores dos universais.
O filósofo afirmava que só existem essências individuais das coisas, e cada uma delas se conhece por meio de uma intuição indivisível.
Ainda segundo Antístenes: (sic) …é possível comparar as coisas, mas não estabelecer julgamentos ou definir atributos a seu respeito, pois isso corresponde a misturar essências distintas. O resultado é uma renúncia ao saber: só é necessário conhecer aquilo de que se precisa para viver…Fonte: as minhas ideias, as minhas leituras de Utopia e SILVA, de Plácido e. Vocabulário Jurídico, 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, pág. 100.

Cartazes das Autárquicas (Castelo Branco)

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Manuel Eusébio, PSD
(enviado por Margarida Salavessa)

A máquina do tempo: ir «pró maneta»

Hoje vamos fazer uma rápida viagem de dois séculos para trás. Estamos em Lisboa no ano de 1808.
Há uma expressão que, nascida em Lisboa, encontro espalhada por todo o País –« ir para o maneta» ou, como as pessoas dizem: «ir pró maneta». Penso que a maioria dos amigos conhece a história desta expressão, pois já muitos a explicaram. Contudo, como ligo sempre muita importância às minorias, vou contá-la rapidamente. Quando da primeira Invasão francesa, entre Agosto e Setembro de 1808, houve portugueses que julgando as tropas napoleónicas portadoras dos valores da Revolução Francesa, as viam, não como invasoras, mas como libertadoras do estado de atraso em que Portugal se encontrava. Depressa se desiludiram, pois os franceses deixaram por onde iam passando um rasto de destruição, incêndios, violações, assassínio indiscriminado de civis, pilhagens…

Louis Henri Loison, general de Junot, e, mais tarde, de Soult, distinguiu-se pela ferocidade com que ordenava prisões, fuzilamentos e atrocidades. Anos antes, na campanha da Suíça perdera um braço. Montando Junot o seu estado-maior em Lisboa, onde as tropas francesas estavam confinadas após as pesadas derrotas ante as forças anglo-lusas, nomeadamente a do Vimeiro, perto de Torres Vedras, Loison, enraivecido porque as coisas estavam a correr mal, perseguia, prendia, torturava e fuzilava todos os que eram suspeitos de conspirar contra a presença francesa.

Os lisboetas, que depressa o temeram e odiaram chamavam-lhe, com ironia maldosa, o «maneta». Quando Loison prendia e executava alguém, dizia-se, «olha fulano foi pró maneta». E tornou-se frequente o aviso – «Tem cautela, se não vais pró maneta!». «ir para o maneta», perdurou após os franceses retirarem de Lisboa, em 15 de Setembro, retirada negociada em Sintra. Perdurou como sinónimo chocarreiro de morte ou de fatalidade iminente. Ir pró maneta, é coisa da qual ninguém tem pressa.

Eis alguns poemas de poetas populares e anónimos que circulavam de mão em mão sobre o general Loison e sobre o seu comandante, Junot (Jinot, como se dizia):

Entre os títeres generais
entrou um génio altivo
que ou era o Diabo vivo
ou tinha os mesmos sinais…

Aos alheios cabedais
lançava-se como seta,
namorava branca ou preta,
toda a idade lhe convinha.
Consigo três Emes tinha:
Manhoso, Mau e Maneta.

Que generais é que devem
morrer ao som da trombeta?
Os três meninos da ordem:
Jinot, Laborde e Maneta.

O Jinot mai-lo Maneta
julgam Portugal já seu:
É do demo que os carregue
e também a quem lho deu.

Escutas ou escuteiros/escoteiros

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Não sei se rio… não sei choro.

Não, não penso como o José Castelo Branco ou a Lili Caneças.

Por estes dias, creio que ontem, um mail com alguma piada.

Vem tudo isto a propósito da questão das escutas no Palácio de Belém.

Alguém descobriu esta foto de 2007 em que o Presidente da República recebeu uma delegação de escoteiros/escuteiros/escutas que iam participar no Jamboree Mundial que, naquele ano, decorreu na Inglaterra e que celebrava os 100 anos do movimento criado por Baden-Powell.

Para quem não sabe para designar estes jovens existem três terminologias na Língua Portuguesa:

– Escutas – Associado do Corpo Nacional de Escutas;

– Escuteiro – nome genérico;

– Escoteiro – Associado da Associação dos Escoteiros de Portugal;

Ao que chegamos na imaginação da língua portuguesa.

“Escoteiro um dia, escoteiro toda a vida”

António Costa e a Eurominas

António Costa decidiu pagar indemnizações milionárias a dois restaurantes do Parque Mayer antes ainda da decisão judicial, sendo que, num dos casos, o restaurante já estava fechado aquando da cessação do contrato de arrendamento e o proprietário já morreu.
É uma tendência patológica do Partido Socialista, pagar indemnizações a empresas antes dos Tribunais decidirem que essas indemnizações devem ser pagas (ou não).
Quem não se lembra do caso Eurominas, que é para mim um dos maiores escândalos da política portuguesa no pós-25 de Abril? Para os mais esquecidos, o Governo de Cavaco Silva, em 1995, decidira que os terrenos do estuário do Sado, onde estava instalada a fábrica de ligas de manganês, deviam reverter para o Estado por falta de actividade da empresa desde 1986, sem qualquer direito a indemnização.
A Eurominas, proprietária do terreno e já sem actividade, recorreu para os Tribunais. Vários pareceres apontavam para uma clara derrota da empresa, que não tinha qualquer base jurídica para ganhar o processo.
Em 1997, António Vitorino, então um membro influente do Governo, propôs que o Estado chegasse a acordo com a empresa. Um Governo do qual fazia parte também José Lamego, seu Secretário de Estado, e Alberto Costa, Ministro da Administração Interna.
Foi já no segundo Governo de António Guterres, em 2001, que o Estado chegou a acordo com a Eurominas, atribuindo-lhe uma indemnização de 12 milhões de euros. Não deixando sequer que os juizes decidissem e quando todos os indícios apontavam para a vitória do Estado.
Resta dizer que representava a Eurominas, em tribunal, o escritório de advogados de… António Vitorino, Alberto Costa e José Lamego.

Carvalho da Silva primeiro-ministro?

Para mim, Carvalho da Silva acabou no dia em que, em segredo e nas costas dos professores, acertou com o ministro Vieira da Silva a estratégia que levou à assinatura do célebre Memorando de entendimento entre os sindicatos e o Ministério da Educação. Como se sabe, a luta estava no auge e aquele «balde de água fria» esfriou a contestação durante uns meses… até regressar em força pouco tempo depois. E, para mim, acabou nesse dia porque o papel de um sindicalista não é trair os trabalhadores em negociatas com fins políticos. Antes que venham com «lembretes», foi exactamente o que disse também em relação a Mário Nogueira.
O recente apoio de Carvalho da Silva a António Costa tem muito que se lhe diga. Muito mais do que os comuns mortais, como nós, podem imaginar.
«Do Portugal Profundo», António Balbino Caldeira explana uma teoria que faz todo o sentido e que reproduzo com a devida vénia: «Em Novembro de 2010, daqui por 13 meses – número do azar que sempre bate à porta -, antes do comboio do Governo descarrilar no túnel negro da economia e da gravíssima crise social, e já depois de o candidato Alegre ter sido trucidado pela máquina socratina, Sócrates saltará para Governo para se candidatar a Presidente da República. António Costa suceder-lhe-á como primeiro-ministro, que terá como vice… Carvalho da Silva. Mas o Costa do Castelo – que não gosta de blogues – !?… – precisa de ganhar agora Lisboa, para a poder abandonar à má sorte um ano depois… Senão, Soares lançará o seu Lula para primeiro-ministro.»
Só num aspecto discordo do professor Balbino Caldeira. Para mim, Sócrates só será candidato à Presidência da República em 2016. Até lá, terá de limpar a imagem…

FUTAventar – Parte do problema

Paulo Bento está há quatro anos no Sporting como treinador principal.

O jornalista, o livro e a exoneração

Casimiro Simões era chefe da Delegação Centro da Lusa e escreveu um livro, em vias de ser publicado: Com as botas do meu pai – pegadas do poder autárquico na vila de Vale Tudo”, uma sátira ao exercício do Poder Local em Portugal.

Já não é. Depois de ter sido obrigado a mudar de tipografia para concluir a impressão do livro,  foi ontem exonerado, com efeitos retroactivos.

Na contracapa, é feita alusão a “aventuras do autarca Fanfarrão”, aspirante a deputado da Nação, “e do vereador Franganito”, cujo sonho consiste em “suceder ao pai” na presidência da fictícia Câmara de Vale Tudo.
Segundo o autor, a caricatura a determinado modo de exercer o Poder Local incide sobre um estilo de gestão autárquica “infelizmente generalizado de Norte a Sul de Portugal”.
“Há um comportamento antidemocrático em muitos governos locais, assente na incultura grotesca dos eleitos, no abuso, na irresponsabilidade e, até, na ilegalidade, o que traduz uma realidade política, social e cultural preocupante”, alega.

Sou amigo do Casimiro vai para 30 anos, e deixo-lhe aqui o meu abraço, e a apresentação do livro, roubada ao O Sexo e a Cidade. Verdade se diga que estranhei quando foi nomeado para o cargo de onde agora é corrido. É que conheço a sua competência, mas também sei da sua honestidade e intervenção cívica. E isso, onde se pede a audição submissa da voz do dono, costuma ter um preço a pagar.

“Meti na cabeça que deveria escrever um livro, uma sátira social,  cantiga assumida de escárnio e mal dizer sobre o exercício do poder  autárquico em Portugal, a publicar quando a República se aproxima da  respeitável idade de um século.
Numas férias, na Páscoa de 2007, comecei o trabalho, recorrendo, desde  logo, aos conhecimentos que adquiri nestas décadas enquanto cidadão e  jornalista.
A correria da profissão e tantas outras tarefas quotidianas, que  inevitavelmente reduzem a disponibilidade para reflectir, prejudicaram  o meu ímpeto inicial para tal ousadia criativa, que partilhei com a  família e os amigos mais chegados.
Com tanto entusiasmo, num ou dois dias, escrevi uns bons milhares de  caracteres.
Retomada pouco depois a rotina do trabalho, a primeira  parte do livro (que, curiosamente, acabou por passar quase para o fim,  à medida que o projecto veio a ganhar espessura) ficou guardada muito  tempo num computador.
Em Agosto último, no dia 23, o texto pouco tinha crescido em dois anos  e meio, apenas uns poucos parágrafos mais. Estava na praia da Foz do  Arelho e fui assaltado por uma enorme vontade de acabar, como alguém  que me batia no ombro em sinal de incentivo.
Eu, que cresci a admirar a Serra da Lousã, sentindo-me uma parcela  inamovível, embora ínfima, das suas fragas e pessoas que lá nasceram,  da sua cultura e da sua gastronomia, tenho que agradecer à terra onde  Francisco de Almeida Grandella deixou memória incontornável.
Em boa parte, antes de mais, devo a energia que permitiu concluir este  livro àquele mar do Oeste e à paisagem única da lagoa do Arelho, que  me retemperaram o corpo e a alma.
Mas foi a família, sem dúvida, quem  mais alento me deu.
Desde que a ideia me ocorreu, há mais de dois anos, já tinha escolhido  o título com que a obra agora chega aos leitores: “Com as botas do meu  pai – Pegadas do poder autárquico na vila de Vale Tudo”. E foi em  torno deste tema que construí uma história, um livro com várias  histórias dentro.
Um projecto a que se juntou na recta final, com grande arte e  inexcedível dedicação, o gráfico Carlos Alvarinhas, autor da capa e  das ilustrações.A sátira a um certo modo de exercer o poder local (não às boas obras  feitas ou projectadas, muito menos a qualquer protagonista em  concreto) foi o meu ponto de partida e de chegada.
Mas o enredo também se construiu a si mesmo, sem eu dar por isso, e  foram emergindo antigas palavras e expressões da minha infância,  locais, diálogos e emoções inesperados, em risco de extinção,  personagens que me olhavam de frente, desafiando-me.
Uma experiência nunca antes atingida por quem, há quase trinta anos,  escreve sobretudo notícias, reportagens e, uma vez por outra, crónicas  e textos de opinião, além de cartas de amor e de amigo, com mais ou  menos atrevimento poético, e uma meia dúzia de letras para canções do  grupo Novárvore, que fundei nos anos 70, com o músico Ramiro Simões e  outros amigos da Lousã.
A prosa levou-me, pois, por atalhos que não estavam previstos, águas  nunca antes navegadas, nem sequer no imaginário rio Tudinho, que banha  o município de Vale Tudo desde o nascer dos tempos.
A caricatura que quis traçar de um certo estilo de poder autárquico,  infelizmente generalizado de Norte a Sul do país, e nem sempre apenas  nos meios rurais, reflecte a minha apreensão cívica face às perversões  do sistema democrático, tão flagrantes trinta e anos após o 25 de Abril.
Temos um comportamento antidemocrático em muitos governos locais,  assente na incultura grotesca dos eleitos, no abuso, na  irresponsabilidade e, até, na ilegalidade, o que traduz uma realidade  política, social e cultural preocupante, desde logo no patamar que  deveria ser de maior proximidade aos cidadãos.
Entendi, eu que sou jornalista e já fui, ainda jovem, autarca na  freguesia da Lousã, por três anos, que a crítica necessária, sempre  urgente em democracia, pode ser também veiculada através de uma  literatura caricatural, “dizendo verdades a rir aos que nos mentem a  sério”, como preferia o poeta popular António Aleixo.
No livro, não deixo, no entanto, de fazer algumas incursões breves,  mas emotivas, por experiências e factos que de alguma forma, directa  ou indirectamente, marcaram o meu trajecto de vida, como um episódio  na República dos Kágados, em Coimbra, onde vivi como estudante na  década de 80 do século XX.
Ao atingir eu a idade de meio século, assinalo esta mudança simbólica  de estatuto escrevendo o meu primeiro livro. Em ano de eleições  autárquicas, além das europeias e legislativas, faz todo o sentido  reflectirmos sobre o estado da democracia em Portugal, a começar pela  forma como ela acontece nas câmaras e juntas.
Aos partidos, seus dirigentes e autarcas, cabe um papel importante no  seu aprofundamento, mas o alheamento dos cidadãos da vida colectiva, o  medo e a falta de coragem, que dominam hoje vastos sectores da  sociedade, agravam o actual estado de coisas.
Aos jornalistas, assim eles e suas empresas o queiram, como é seu  dever, cabe também um significativo naco de responsabilidade na  construção de uma democracia moderna, participativa e com mais  qualidade.
Neste livro, usando a liberdade que Abril nos trouxe, não posso deixar  de evocar os milhares de portugueses que, desde 1976, foram vítimas de  alguns dos titulares do poder local, vendo espezinhados os seus  direitos fundamentais.
Um poder democrático na forma e na origem, mas muitas vezes de  materialização sinuosa, discriminando muitos e privilegiando alguns,  escondendo nos gabinetes deci
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MLK

No próximo dia 14 de Outubro passam 45 anos após a entrega do Prémio Nobel da Paz a Martin Luther King. Um dos meus heróis políticos.

Coimbra 2010!