o conteúdo do processo educativo

Para os candidatos ao Mestrado em Antropologia da Educação do ISCTE. 1ª Edição, 2003. E para Graça Dias

conteúdos de aprendizagem, o regimento humano

A quantidade de opiniões teóricas, o facto de combinar as teorias políticas, religiosas, as conveniências democráticas e as mudanças de governo, não permitem manter apenas uma teoria. Como defini recentemente, educar é introduzir a criança e os púberes dentro da heterogeneidade do saberes, deveres adequados à organização social, a simpatia dessa organização e a paz e alegria de viver em sociedade, apesar das diferenças em saberes, posses e ocupações. O conteúdo do processo educativo tem por objectivo ensinar a igualdade possível entre pessoas diferentes. É esta a preocupação dos membros do Aventar ao longo dos tempos.

Definir processo educativo, parece ser uma palavra, ou ideia, comum. Parece-me no entanto, ser um labirinto de teorias, opiniões e factos. Dediquei o meu tempo na pesquisa desse conteúdo (temática do meu texto publicado na Revista Educação, Sociedade Culturas, Nº1, em 1994). No entanto, ficou por referir uma ideia importante que, por hábito, não associamos ao processo educativo: a análise da catequese, quer em Portugal, quer noutros países que usam a teoria cristã para orientar a sua vida. A lógica da História, como normalmente designo nos meus trabalhos editados pela Editora Afrontamento, o que muito me honra. Catequese, baseada no livro de Karol Wojtila de 1992, ou de Bento XV de 1919 – extraído da Summa Theologica de Tomás de Aquino (1267 e 1273), baseada nos textos muçulmanos de Averröes e Al Farabi, teólogos muçulmanos, que tinham lido Aristóteles e defendia que o corpo e a alma são uma continuidade que pensa, sente e raciocina com toda a liberdade, na base da denominada Lei Natural, até ao limite da Lei Civil e/ou Penal. Consigo próprio, porque antes de uma criança entender o que é a relação íntima a dois, é-lhe ensinado, por Catequistas, Missionários, Padres, Freiras, Professores e em casa. Ensino doméstico que o teólogo liberal e moralista da Igreja Presbiteriana da Escócia, Adam Smith, orientado pelos textos de Jean Calvin de 1535, ao escrever A teoria dos sentimentos morais em 1759, define como o melhor sítio para aprender hábitos e sentimentos. Ideia desenvolvia em 1776, ao descrever no V livro do seu Inquérito da natureza e as causas da riqueza das nações, que o processo educativo é a oferta da melhor educação para habilitar a ler, escrever, calcular e aprender formas morais e simpáticas de comportamento, para melhor vender os produtos confeccionados e manufacturados em família. Ideias retiradas da Summa Theologica referida, do dominicano julgado pela Inquisição e pronto para ir para a fogueira, por heresia, foi salvo pelos próprios frades ou inquisidores de São Domingos. Texto, o da Catequese, decorado para se fazer tal qual manda, entenda-se ou não. De entendimento por parte da criança, pouca coisa. Se Aquino ensinava sobre Avareza, Usura, Preço de Bens, Juros, Cobiça, Luxúria, bases da Lei Natural regulamentada pela Lei positiva ou Civil, é bem possível que os próprios missionários não entendessem o contexto dentro do qual se desenvolve a teoria catequizada que ensina costumes para enriquecer. O próprio Wojtila, no seu Pontificado de 33 anos, definiu no seu texto Catecismo da Igreja Católica, de que a greve é permitida se não houver alternativa entre proprietários e operariado – artigo 2435; ou a contradição entre os artigos 2426 – desenvolvimento das actividades económicas – e o 2427, que permite possuir a terra – a propriedade privada, em conjunto com o artigo 2431 que define os direitos humanos dentro do sector económico – página 513 do texto citado. Ou a contradição entre os artigos 2425 e 2426 – capitalismo e socialismo – ambos proibidos para agir conforme o definido bem comum dos artigos 1905 a 1912, definido com conceitos como paz social, interacção entre pessoas, respeito pelas mesmas, bem-estar social; comunidade política regendo os destinos dos seres, palavras interpretadas à luz da crença de quem as fala e que parecem desencontradas com as definições da economia dos artigos 2401 a 2443, que se detêm na definição dos pobres, defendidos apenas pela bênção da Divindade e não pela procura de trabalho entre tanto proprietário de bens produtivos, defendido pelo texto citado e outros, que não tenho espaço para analisar. No entanto, a luxúria, é o conceito mais cuidadoso e bem defendido, entre os artigos 2331 e 2400. Defende uma impossibilidade humana – a castidade – entre pessoas sós, noivos, namorados do mesmo sexo, dentro do matrimónio que deve servir apenas para a procriação e essa frase terrível, que vem das Cartas ou Encíclicas de um dos maiores “pecadores” da História, Paulo de Tarso – ao definir o Matrimónio como a única alternativa de queimar a lascívia que habita em todo o corpo humano. Lascívia que é definida por Agostinho de Hipona em 398 e 403 da nossa era, dedilhada por Aquino, no Primeiro e Segundo Volume da Summa, reivindicada por Bento XV, e extremamente manipulada pelos catequistas. Já referi na minha coluna sobre a Infância, o escândalo de Bóston e os seus Padres, do que hoje vivemos em Portugal, do que já sabemos existe faz anos dentro da nossa cultura que Aristóteles em 335 e 336 antes da nossa era, defende, porque define, que todo o ser humano que não possua bens, é fruto de penetração pela lei e por outro ser humano, do mesmo sexo ou não. Assuntos, que, hoje sabemos, acontecem na Europa…desde os Romanos, adquiridos por eles dos Gregos antes da denominada época Cristã no Ocidente.

A meu ver, é este o conteúdo do processo educativo, esta série de autores que, nem sabíamos, falavam de educação, trabalho e reprodução humana, com ou sem luxúria. Um dos maiores problemas do homem ocidental, da pessoa ocidental para sermos precisos, é o seu desejo de juntar o seu corpo ao corpo de quem ama e causar-lhe um prazer de orgasmo, que acaba num grito de alegria individual e, outro de raiva pública, quer pelas proibições, pelas leis, pela catequese e, especialmente, pelos que as praticam, onde, como tenho presenciado em trabalho de campo, muita rapariga e rapaz pré – púbere, são usados para  prazer do adulto que o manuseia. Com palavras e com as mãos, como referi em O Saber Sexual da Infância, ano 200, Editora Afrontamento, Porto e no Crescimento das Crianças, Editora Profedições, Porto.

Este curto texto, parece-me, em países latinos, ser a parte importante, o recheio do processo educativo que nunca é ensinado nas aulas, e que bem falta faz para as crianças entenderem as definições morais sob as quais vivem, tal e qual devem entender as ideias da economia. Quem são os Padres, perante estas ideias? Como pode um médico, advogado, terapeuta, docente, antropólogo, sociólogo, ou outro, tratar das pessoas, se nem conhece metade dos conteúdos da janela do conhecimento?

Pareceu-me importante definir estes contextos para responder aos que colocam questões sobre o conteúdo de educar. Especialmente Graça Dias e os meus estudantes do meu Mestrado em Antropologia da Educação e Etnopsicologia de da Infância e os profissionais que pensam que é apenas a teoria positiva que faz da vida um prazer, esquecendo as heterogeneidades do pensamento humano.

Para os candidatos ao Mestrado em Antropologia da Educação do ISCTE. 1ª Edição, 2003. E para Graça Dias


Comments

  1. graça dias says:

    Prof muito obrigado por mais uma lição- o conteúdo do processo educativo.
    Concordo plenamente consigo, e já ando há muitos anos a dizer o que diz :- “Como pode um médico, advogado, terapeuta. docente, sociologo, ou outro, tratar das pessoas, se nao conhece metada dos conteúdos da janela do conhecimento”.


    • Querida Graça Dias,
      Mais uma vez obrigado pela sua paciência de ler e comentar os meus textos. Quando falo de conteúdo, falo não da ciência, mas do que denomina a mente cultural, por outras palavras, o que o ser humano tem criado para se orientar além do Direito Positivo. Não esqueça, que as primeiras leis foram da Mesopotâmia, hoje Irão, e o primeiro Código, o do Rei Hamurabi, 1700 antes da nossa era. Este e os denominados Manuscritos do Mar Morto o Torah, eram as leis que existiam como fundamentais para a maior parte do mundo. Também, havia as leis locais, de pequenos reinos, vilas e aldeias. Mais tarde, Século III da nossa era, o Código de Constantino que juntara, nas Digestas e Pandectas, todas as leis do mundo para o vasto Império Romano código que governara todo o mundo conhecido: é dizer, não governou na hoje América Latina que, nesses tempos, tinham a Lei Quechua, a dos Aztecas e a Lei Inca.
      Obrigado pela sua paciência e por me obrigar a trabalhar mais! Do seu
      Raúl Iturra
      lautaro@netcabo.pt