Carta aberta à Junta da Galiza.

(c) Dario Silva , 2010 em Aventar

Há exactamente 125 inaugurou-se a ligação ferroviária entre Portugal (Minho) e a Galiza. Inaugurada a 25 de Março de 1886, a ponte internacional de Valença ditou mais de um século de viagens. Acaba a 10 de Julho deste ano essa união com a «supressão do trajecto Valença/Vigo/Valença». Segundo a CP «não [estão] reunidas as condições para a continuidade da exploração».

O que eu pergunto é: o que pensa disto a Junta da Galiza? O que pensam aqueles que têm inscrito nos seus planos estratégicos a famosa máxima de que o Norte de Portugal só pode aproximar-se à Galiza? Como é que neste clima de euforia institucional e regionalista se pode enquadrar esta decisão? Mais: como é que se pode querer justificar um comboio de alta velocidade quando, pelos vistos, a falta de passageiros actualmente força o encerramento dos serviços entre duas das maiores cidades do Noroeste da Península? (E, repare-se estamos a falar de uma distância de menos de 150 km que numa linha devidamente modernizada e electrificada poderia ser feita em menos de 2 horas).

Bem sei que da Galiza, como do resto de Espanha, o problema de transporte ferroviário é visto de uma forma mais habitual e descomplexada do que de Portugal. O investimento espanhol sucessivo e intensivo na rede ferroviária transformou Espanha num dos países europeus com o maior e melhor serviço nesta área. Por cá chegam apenas os ventos dessa modernidade que vamos aproveitando, aqui e ali, por via indirecta. Por exemplo, até 10 de Julho, nós portugueses, ainda podíamos ir a Monção por via férrea, mesmo apesar do ramal Valença-Monção ter sido encerrado em 1989. Bastava apanhar um comboio até Redondela ou Vigo ou depois aguardar uma das várias ligações a Ourense. Saímos em Salvaterra del Miño, atravessávamos a ponte internacional e estávamos em Monção. O mesmo rio, um povoamento semelhante e culturas completamente diferentes: de um lado uma via férrea electrificada, do outro carris arrancados e nos seu lugar ideias estapafúrdias para ecopistas onde um vasto conjunto da população, envelhecida, precisa, isso sim, de transporte célere.

É este o estado a que chegou a rede ferroviária portuguesa: uma completa vergonha e um sinal de como a corrupção, a falta de ética têm orientado o planeamento local e regional e influenciado negativamente a vida de milhões de pessoas. A Junta da Galiza tem todo o direito a desejar a ligação por Alta Velocidade. Basta olhar para um mapa desta região para perceber que os seus habitantes convivem com a linha férrea tempo suficiente para desejaram um serviço melhor. Ao passo que a Galiza tem todas as suas cidades ligadas por comboio, a CP deixa de fora, no Norte de Portugal, incontáveis núcleos populacionais onde milhares de habitantes são obrigados a depender do carro e do autocarro (e consequentemente dos combustíveis fósseis): Vila Real, Bragança, Mirandela, Chaves, Miranda do Douro, etc. Mas a Galiza começou pelo princípio: restaurou e ampliou a rede oitocentista, modernizou-a e rentabilizou-a. A CP – Comboios de Portugal foi-se afundando em mordomias executivas, cedendo à pressão do petróleo e do asfalto e tomando o silêncio de autarcas com os mesmos vícios como sinal para o encerramento compulsivo. Mais recentemente, burocratas de Lisboa que nunca usam este meio de transporte vieram sugerir o desmantelamento de mais 800 km de ferrovia.

Nós não precisámos do TGV enquanto não soubermos honrar e rentabilizar o património ferroviário que possuímos. Se o Estado fecha ferrovias, não pode justificar o TGV por muito estratégico que ele possa ser para a Europa. Antes da Europa, há pessoas que precisam de mobilidade local e regional.

Em 2009 a Junta da Galiza queixava-se do atraso do TGV. Fazia parte do tal eixo estratégico interregional que virá trazer o progresso ao Noroeste peninsular. E agora que o projecto foi adiado? Queixar-se-á a Galiza desta supressão que vem cortar os laços tão amigos com o Minho e o Norte de Portugal?

Nota: esta carta, devidamente traduzida para galego, foi enviada à Junta da Galiza. Aguardamos uma resposta.

Comments

  1. Luis Goncalves says:

    Fica aqui o meu aplauso a esta carta e ao seu autor! No entanto o conteudo desta carta pode e deve – repito: deve – ser igualmente dirigida ao actual executivo portugues (é uma sugestão enérgica que lhe faço ) no sentido de que ele ponha cobro a mais um plano criminoso como aquele que foi recentemente divulgado e onde se procuram fechar mais 800 Km de vias ferreas.

    Não há linhas mais ou menos importantes que outras !!!! Todas as linhas e ramais sao importantes (e faço especial menção á rede regional), desde que correctamente exploradas ! Uma linha regional que hoje pode apresentar um tráfego médio de 200 passageiros/dia, pode muito bem vir a ter um trafego medio de 1000, 2000 ou mais passageiros/dia: basta o operador ferroviario decidir-se por apresentar um serviço “decente”, organizado, boas composições, horarios adequados e estações cuidadas, funcionais e atraentes. Se tudo isto acontecer, entao meus senhores a maioria das linhas e ramais regionais passam a ser GRANDES linhas e a contribuir fortemente para o desenvolvimento economico e social duma região…e do país. MAS o primeiro passo, a primeira atitude NÃO pode consistir em fechar linhas ! Isso é um ERRO TRAGICO. É necessario ter a coragem e a honestidade para voltar a abri-las e iniciar (isso sim) um novo ciclo em que se implementará um novo modelo digno de exploracao ferroviaria. É absolutamente imprescindivel que o executivo deia essa oportunidade. E os utentes poderão começar a aparecer…mais e mais….e atrás deles virão justificadamente outros serviços importantes como o transpotrte de mercadorias e o turismo ferroviario. Este governo TEM de ter essa coragem, verticalidade e visão !

    Cumps,

    Luis Gonçalves

  2. Pedro M says:

    Excelente comentário!

  3. Dario Silva says:
  4. José Pinto says:

    Neste processo, não se pode também deixar de pedir contas às entidades Galegas e à RENFE, que pugnam pela ligação novo-riquista em TGV mas desprezam a linha actual, que poderia ser muito melhor explorada. O troço Galego do Internacional Porto Vigo é um parente pobre dos serviços da RENFE, qualificado como regional (os regionais deles chamam “media distancia”) e também não podemos (nem devemos!) pedir à CP que assuma explorações deficitárias em Espanha! O serviço Interregional e regional no resto do eixo Valença Viana-Nine não é deficitário, felizmente. Temos que exigir que estas duas empresas se entendam em relação a este serviço como se entenderam com o SUD-Expresso e o Lusitania-Expresso.
    Este serviço podia ser a “coroa de glória” da euro-região do Eixo Atlântico, bastava algum interesse pelo assunto.

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading