A decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia de considerar ilegal a vigilância indiscriminada do tráfego na Internet, com o objectivo de detectar os chamados downloads ilegais, não faz sentido apenas na defesa dos direitos de todos nós, também não faz sentido do ponto de vista económico.
É óbvio que não prescindo do direito à privacidade em favor dos direitos de cópia (que já se prologam por períodos de tempo patológicos), simplesmente, estes direitos não estão no mesmo nível. No comunicado de imprensa do tribunal (PDF), pode-se ler:
É verdade que a protecção do direito de propriedade intelectual está consagrada na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Esclarecido isto, não decorre de forma alguma da Carta, nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que esse direito seja intangível e que a sua protecção deva, portanto, ser assegurada de forma absoluta.
Na verdade, nunca deveríamos ter necessitado da decisão de um juiz para chegar a esta conclusão (o facto de termos tido de esperar é uma boa medida do poder dos lobbies).
Os modelos de negócio defendidos por alguns dinossauros, tais como as associações de produtores de conteúdos, estão ultrapassados em termos tecnológicos. Proibir a livre troca de conteúdos, hoje em dia, pode-se comparar com uma hipotética proibição do motor de combustão interna no inicio do século XX, como forma de proteger os criadores de cavalos, os carroceiros e demais industrias associadas aos transportes, na altura dominantes.
Neste momento nos EUA estão disponíveis serviços que nos dão acesso a dezenas de milhares de filmes, apenas por 7.99USD/mês (preço da netflix). Estes negócios não só são rentáveis, como dão mais dinheiro a ganhar aos verdadeiros produtores de conteúdos – quando estes se conseguem subtrair ao domínio dos gigantes da industria. Mesmo em Portugal estes serviços começam a surgir, timidamente, normalmente proporcionados pelos próprios ISPs (Video On Demand, music boxes, etc). Estes são exemplos de modelos de negócio alternativos para a distribuição de conteúdos, com sucesso já comprovado.
Finalmente, esta decisão adere ao que se passa na realidade. Em termos tecnológicos não há forma fácil de bloquear os conteúdos. Assim, mesmo nos países onde há leis que proíbem o download de filmes e afins (em Portugal não creio que seja proibido), este tipo de actividades não foi muito afectado.
Por exemplo, se o seu ISP bloqueia (ilegalmente) o tráfego BitTorrent, pode sempre alugar um computador remoto, por meia dúzia de euros por mês. A partir desse computador pode fazer os seus downloads, sem correr perigo de ser apanhado. Como medida extra de segurança pode alugar esse computador num país distante de modo a interpor varias jurisdições entre a sua pessoa e o seu download. Este é apenas um exemplo, há imensos métodos disponíveis para atingir este tipo de objectivo (usar redes tipo TOR, usar proxies, ofuscar os protocolos usados, mudar de protocolo, etc, etc, etc).
O burro usado neste post não é um eDonkey, mas faz parte dos Wikimedia Commons!
Quem se tem queixado é, precisamente, a indústria de distribuição. Esses que faziam a arte chegar ao consumidor e que ficavam com a fatia de leão do lucro. Têm poder, porque têm dinheiro, e usam-no para tentar manter o monopólio da distribuição. Mas só se conseguirem controlar o canal, como agora se tenta fazer nos states, é que terão sucesso. Curiosamente, há muitos artistas que chegaram à ribalta precisamente porque se lançaram em na net. E é de notar que a tentativa de controlo, apesar de receber sistematicamente o focus dos downloads, é também uma forma de controlar esses que ousam publicar sem a chancela de uma marca.
Mas não é a sua tão celebrada livre-iniciativa a funcionar?
Não seja embirrento e leia o que escrevi.
Qual livre iniciativa? Pelo contrário, é monopólio.