Ser hoje aluno numa escola pública não é o mesmo que ter sido aluno numa escola pública ontem.
A Escola do Cerco (Porto) foi a minha casa durante uns anos e de lá saí, como muitos outros, para a Universidade. A maioria dos meus colegas, ali pelo 3º ciclo abandonou a escola, mas houve para muitos uma verdadeira oportunidade. Localizada numa das freguesias mais complicadas do Porto, a Escola do Cerco não era um problema. Foi para muitos a solução e é sempre um prazer ir ao Hospital de S. João e ver um amigo médico, entrar numa escola e ver um colega professor, etc…
Hoje, mais de vinte anos depois está tudo um bocadinho mais complicado.
A Escola Pública está a braços com uma dificuldade, que não sendo nova está na matriz conceptual que o conservador Nuno Crato tráz para a Escola. Para ele e para os seus, a escola pública deve, em primeira análise, criar trabalhadores produtivos e eficazes. Daí a “conversa” em torno das vias profissionalizantes que querem introduzir logo aos 10 anos. Se me permitem a demagogia, quantos de nós, com 10 anos, seríamos competentes para definir o nosso destino?
Os exames na “antiga 4ª classe” do “no meu tempo também foi assim” e “agora é que a escola vai ser exigente” são o mecanismo para separar, uma espécie de mecanismo de valorização dos resíduos, neste caso, escolares.
Os bons, os que tiram boas notas, numa idade em que a marca familiar e social é muito determinante vão por um caminho que os pode, ou não, levar à Universidade.
Os outros, o “lixo”, seguem uma via de “valorização”, um caminho lateral da escola pública que não se sabe bem onde os vai levar.
Haverá uns que vão ganhar, outros perder. Foi assim ontem e será assim hoje e amanhã. O problema é quando o resultado está, à partida certo.
o senhor nuno crato devia voltar à escola e começar na 4ª classe – só se sabe do que se vive – mas nem sei se fez a 4ª classe pois que nem parece
O problema que o João aqui nos “trás” acaba por cair sempre na mesma conversa de chacha, o eterno deslumbramento perante o curso universitário, sirva ele para alguma coisa ou não, e a condenação dos não iluminados pela falta de sabedoria que só o ensino superior parece outorgar!
Qual será a diferença entre um sofrível “bolonhês” e um idêntico técnico de análise laboratorial?
E em que idade se deverá optar? Aos 12, aos quinze, aos dezoito?
Será que quem opta aos 10 anos por uma língua estrangeira o faz conscientemente e já tem idade para tal? E que dizer das opções tomadas nesta idadena área da formação pessoal e social?
Meu caro Teófilo, o texto pretende traduzir para quem está fora desta área um problema que a Escola Pública, na minha opinião vive. Eu penso que é um erro a divisão do currículo, numa aproximação ao sistema dual alemão. Já aqui escrevi que aceito caminhos diferentes se entre eles houver permutas permanentes e se nenhum deles terminar num beco sem saída. A questão não é ter ou não um curso, é ter ou não sucesso na escola e na vida – uma escola sem artes, sem desporto, a escola do ler, escrever e contar pode servir para a sua sociedade e para a de Nuno Crato, mas não serve para a minha. Não defendo o que está, nem o que esteve. Não quero isto parado no tempo – deve mudar? Sim, mas ao contrário do que defende Crato, claramente!
Caro João, a dificuldade é a de encontrar o caminho certo, mas a via dual não me repugna desde que feita com saídas estruturadas e possibilidade de alteração dos rumos.
Hoje somos um país com licenciados em cursos que servem para pouco, para além do (ainda muito) estimado “dr” que antecipa o nome.
O que está, está mal e necessita urgentemente de conserto, não sendo apologista das “cratisses” entendo que precisamos de técnicos especilistas se queremos chegar a algum lado e deixar de contar com as empresas para a formação de base, pois muita das vezes essa mesma formação é importada de outras origens onde o ensino para além de mais especdífico está mais estruturado o que leva a que muitos dos formandos se debatam com problemas de apreensão por desconhecimento de matérias básicas.
Ora bem, e isso é bem diferente da cratinice.
Teófilo M., e porque esperar pelos 10 para “optar”? Porque não logo aos 6? É rodeá-los de pipetas e tubos de ensaio para se tornarem bons técnicos de laboratório, de pequenino se torce o pepino. E porque não acabar com a escola pública e enviar os menos capazes para as oficinas aprender um ofício com mestres analfabetos… nunca vivi num país assim, mas já ouvi contar.
Talvez os mestres analfabetos ainda consigam ensinar algumas coisas aos doutores das pipetas e catrapácios, mas se calhar há quem ainda pense que o analfabetismo é sinónimo de estupidez ou é dogma incapacitante para o desempenho de um ofício…
Parabéns João Paulo pela análise sintética da escola atual.
Só quero deixar uma pequena dica:
Se a escola possibilitasse as aprendizagens pelas paixões dos nossos alunos, teríamos, com certeza uma redução drástica do insucesso escolar.
Teófilo, subscrevo parte: a necessidade de técnicos não deve atirar uns para um lado e outros para outro. Sou da opinião que a dimensão profissionalizante pode ser comum a todos os alunos, tal como deverá ser comum uma dimensão artística ou desportiva. O meu ponto é para uns A e para outros B. Se, para qualquer um, em qualquer momento for A ou B, tudo bem. E como se comentou depois, os seus argumentos são o oposto do que defende Nuno Crato.
Em tempos alguém dizia que preferia um licenciado desempregado do que um analfabeto desempregado. Eu também.
Alexandre, aqui a questão não é o aluno escolher o que gosta ou o que não gosta. O ponto é que o “meu filho” vai ter as portas abertas para ser Doutor e o “puto” ali do bairro vai ter as portas fechadas porque o caminho que lhe vão indicar (obrigar) é outro… Percebe o ponto? Não se trata de gostar ou não gostar… É a igualdade de oportunidades de uma sociedade democrática que fica em causa.
João Paulo, o colega parte do princípio que o “puto” ali do bairro será um aluno problemático, com muitas dificuldades de aprendizagem e que terá de seguir um caminho alternativo (onde a escola oferece dois, o superior ou o profissionalizante). Mas a questão é muito mais alargada. O que acontece é que as expectativas que são criadas aos alunos vindos de meios sociais mais desfavorecidos são nulas. Parte-se de um ensino igualitária para alunos com histórias de vida diferentes e não respeitamos o que suscita interesse neles (ou pelo menos numa boa parte), se o aluno não pode construir o seu próprio currículo de estudo, não é estimulado pelos seus gostos porque o ensino tem um currículo rijo e estandardizado para todos. Essa é a verdadeira questão. João Paulo, com certeza já leciona a alguns anos, mas nunca pensou que este ensino parou no tempo e tem vindo a ser remendado ao longo destas últimas décadas. Este ensino continua direcionado para uma sociedade que já não existe. O que antes era um quadro e um giz, hoje temos um quadro interativo e uma caneta, ficou mais bonito mas a essência continua igual. Precisamos de algo mais!
Olá Alexandre, obrigado por mais um comentário. Eu entendo o seu ponto e até sou tentado a assinar por baixo. Claro que o “puto” do bairro não é burro só por ser do bairro. Claro. O que acontece é que até ao 4º ano estamos numa fase da vida em que TUDO é ainda marcadamente familiar e social. Temos meninos que em casa não têm um único livro, que viagens e “passeios” só dentro do bairro, que música, teatro e museus são miragens… E o que não me parece justo e acertado é que num momento tão precoce se possa decidir a vida de alguém. A questão, neste ponto, é o momento. No entanto, se a via profissionalizante for para todos, não implicar um currículo menor e permitir permutas entre vias, ok. Serve.
Teófilo M., é claro que o analfabetismo não é sinónimo de estupidez, nem o alfabetismo já agora de inteligência. A questão é que o “meu” mestre não escolheu ser analfabeto, foi antes condenado pela sua origem e condição social. É a isso que queremos voltar? Fechar o elevador social que mal ou bem tem sido a Escola? Ao limitar precocemente as opções disponíveis é isso que estamos a fazer.
Como sempre no nosso país as soluções para os problemas entre outras coisas ( ou seja tudo ) são sempre ao contrário. Em vêz de se criar primeiro estruturas ( indústria, pescas, agricultura, etc. ) para quando os alunos do tal ensino profissional acabarem os cursos, não !!!.
Primeiro fazem os cursos para depois os alunos formados irem para o desemprego.
“o resultado está, à partida certo”? Talvez não:
Exemplo: Fez o Ciclo Preparatório, numa Escola Técnica Elementar e depois o Curso Geral do Comércio. Tirou o Curso de Contabilidade num Instituto Comercial tendo em paralelo, frequentado as disciplinas exigidas para admissão a um Instituto Superior; leccionou como assistente; veio a doutorar-se.
Sabemos todos quem é, não sabemos?