Postcards from Romania (14)

 Elisabete Figueiredo

As mãos peganhentas e o cheiro a ferrugem

Reparo numa senhora a fumar. Proibido? Penso em pedir-lhe que me deixe fotografá-la. Mas está longe e não peço e fotografo-a na mesma.

O comboio para em todas as estações e em todas elas, até menos de meio caminho, até Augustin, saem ciganos e sacos e caixas. Em todas as estações há carroças puxadas por cavalos e eles sobem para elas numa alegria sem fim. No comboio, há longos minutos, um miúdo cigano canta, desalmadamente, com a voz cheia de trinados.

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Percebo que não podia ter feito esta viagem de outro modo. Para trás de mim, do lado de fora da janela, o comboio vai deitando fora os campos, as ovelhas, os pastores, as aldeias que parecem – que parecem estas aldeias? – bairros de lata, como os que havia em Lisboa, era eu pequena.  Não, não podia fazer isto noutro comboio, de outra maneira. Não. Era assim que o devia ter feito. É assim que o faço.

A senhora à minha frente pousa o crochet e diz-me por gestos se lhe olho pelas coisas. Aceno que sim. Naturalmente. Se mostras confiança nas pessoas, as pessoas devolvem-te sempre a confiança. Aprendi isto com o meu pai e nunca houve razão para duvidar. Ainda aprendo. Ainda não duvido.

Creio que a senhora foi à casa de banho. Já eu, evito beber água, justamente para não ter de lá ir. Não gosto de experiências radicais. Palpita-me que a casa de banho deste comboio deva ser um lugar pouco recomendável a pessoas com a mania das limpezas.

Em toda a viagem, 3 horas e meia (o comboio atrasa-se meia hora, nada mau) bebo meio litro de água. Tenho as mãos peganhentas e cheiro a ferrugem.

(No comboio entre Brasov e Sighisoara, 10 de Agosto de 2012)