Como contratar um iraniano em Portugal

Em tempos, que me conste a legislação tão inspirada em Paulo Portas não mudou, conheci o estranho mundo da contratação por uma entidade privada portuguesa de um cidadão estrangeiro absolutamente especializado naquilo de que precisávamos.

No caso uma companhia de teatro e um argentino, actor, encenador, e sobretudo praticante de teatro acrobático, na altura inexistente em Portugal.

O processo é simples: pede-se ao IEFP o que pretendemos, o pedido é espalhado pela pátria, não havendo ao fim de x tempo ninguém que corresponda podemos passar à papelada seguinte até à autorização de trabalho para cidadão estrangeiro, etc, essas coisas simples que distinguem um emigrante em situação legal de um clandestino.

Tivemos azar: o IEFP local ligou e perguntou-me na cara se aquilo não era um perfil muito especializado só para legalizar um estrangeiro. Descaí-me, acabei a perguntar-lhe como é que os clubes de futebol da zona contratavam os seus especialistas em bolas paradas ou remates de cabeça ao fundo da baliza, não apreciaram a comparação, correu mal. Passei depois uma manhã a ligar para o Ministério da Cultura acabando na secção de Dança, só sabiam de casos em importação de coreógrafos, mas nem com essa simpática cooperação encontrámos outra forma de satisfazer o SEF. Sim, o SEF, de quem neste caso o IEFP foi amigo. O SEF é que exige a declaração do IEFP em como ninguém respondeu à oferta de emprego que obviamente exagerámos.

Falta de jeito? claro que foi, e muita ingenuidade. A de quem anda pelo meu bairro a tentar contratar um iraniano para traduzir sei lá que negócios com o Irão, quiçá coisas do urânio enriquecido, conforta-me porque vai mais longe, sobretudo num país com muita net e ainda mais desempregados.

A minha solidariedade, neste momento em que até a esquerda se excita contra a importação de estrangeiros, com quem complicou o assunto de capslock ligado e anedóticos exageros, superando a minha  ingénua  falta de jeito. Tivesse na altura encontrado uma delegação do IEFP tão pragmática e não se teria posto a andar para outras paragens um argentino que vai ensinando a sua arte em países menos burocráticos.

Ah, e como é óbvio em pedidos fictícios deste género mete-se sempre o salário mínimo, não vá o diabo tecê-las e termos um clone nacional interessado. Bem vindos ao estranho mundo onde o capital pode circular à vontade mas, como diria um liberal, o estado asfixia a liberdade de circulação do trabalho.