2 de Março. É hoje.

Às vezes perguntam-me. Querem saber o que me move, como se lutar pelo meu país e deixar um futuro aos meus filhos não fosse motivo bastante para gastar dias e noites a insistir em acordar quem ainda dorme. Como se não percebessem como é que se arranjam forças, todos os dias, para acreditar que um dia pode ser. Às vezes respondo, e conto como foi por causa disso que me vi obrigada a fazer escolhas, de como percebi que a crise é uma senhora de costas muito largas que escorre pelo canto da boca dos vampiros, enquanto atiram migalhas à base da pirâmide. Eu vi. Senti. Ninguém me contou. E que é minha obrigação alimentar os meus filhos tanto quanto é minha obrigação deixar-lhes algum legado, ensinar-lhes que não vale tudo, mesmo quando à volta todos nos querem fazer crer que estamos loucos.
E é por isso que saio à rua no dia 2 de Março. Porque acredito que qualquer país pode acordar do sono mais profundo e deixar de encolher os ombros em resignação. Porque quero que os meus filhos e os amigos deles possam ter um bocadinho mais do que a vida, um bocadinho mais do que a sopa de feijão encarnado, a sardinha para três e o pão em dias de feira, como a avó deles, quando era menina. Que às vezes a vida não basta. É preciso correr, jogar, nadar, rir com vontade. Fazer coisas. Como a mãe deles fez, mas sem que o cantar da emigração lhes leve o pai para longe, como levou o meu, para que pudesse um pouco mais. Como está a levar tantos pais de amigos, tantos amigos. Outra vez.
E é também por ti, Pai. No dia em que fazes 70 anos não posso dar-te muito mais do que isto. Foste tu que me ensinaste a importância de olhar para os outros, de acreditar no colectivismo, de sonhar com um mundo melhor. E às vezes, quando olho no fundo dos teus olhos azuis vejo tanta tristeza, pai. Vejo como te desencantaste com tanto e tantos em que acreditaste, como gostavas de mover esse pedregulho e dormir descansado, sem te preocupares com as filhas, com os netos. É por isso que eu tenho de sair à rua no sábado. E desatar este nó na garganta.Imagem

Comments

  1. João Pedro says:

    Excelente post, Paula.

    • Sarah Adamopoulos says:

      Na Grécia há grupos de cidadãos que ajudam os outros a não ficarem doentes – seja por falta de medicamentos ou de cuidados, ou por excesso de indignação acumulada. Ir à manifestação de hoje é uma boa oportunidade de soltar parte do que vai ficando entalado todos os dias. E uma maneira, também, de estar com os outros. Com muitos outros que sentem o que sentimos. Um protesto justo que é necessário também por ser terapêutico 🙂

  2. FORÇA MULHER . UM BOM EXEMPLO DE LUTA A QUE TODOS DEVÍAMOS ADERIR PARA LUTAR CONTRA OS POLÍTICOS QUE
    NOS TÊM EXPLORADO SEM QUALQUER PUDOR .

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