O CDS num ponto de viragem

Porto de abrigo dos órfãos da União Nacional na versão mais monárquica e conservadora, o CDS nasceu com uma ideologia difusa (personalismo cristão, pregava Freitas do Amaral com a convicção de se estar a referir a nada e a coisa nenhuma) e assim foi vivendo, abundantemente populista após a aterragem de Paulo Portas (vindo curiosamente do PPD, onde se albergara a contragosto a restante orfandade, que terminou por dominar alguma social-democracia convicta que o fundou).

cds votos

Na vida eleitoral foi escolhendo os territórios que lhe iam garantindo a fuga ao táxi: tivemos um CDS securitário (e sempre teremos), rural e para velhinhos, a parte não derretida do glaciar salazarista que assegurava uma boa base eleitoral.

Ora a viragem do discurso da extrema-direita neste século complicou as coisas, além da lei natural da vida, como diria Cunhal, que vai encolhendo o número dos saudosistas. O discurso dito geracional do neoliberalismo ataca a segurança social numa tentativa de trocar a luta de classes pelo conflito entre os velhos que gastam o que os pobres jovens terão de ganhar. Irónico, se me recordar do que significava “conflito de gerações” na minha adolescência, utilizado então para negar os conflitos sociais, reduzidos a modas, charros, música e essas cenas da malta nova que não respeita o peso da sabedoria anciã.

Temos assim o CDS numa encruzilhada: concorrer com o PSD na luta pelo voto dos mais novos que acreditam em canções de embalar idiotas, sem perder os votos dos reformados, já para não falar na lavoura que a desertificação do campo e a mecanização da agricultura tanto mudaram nas últimas décadas.

Não espanta que nestas circunstâncias Paulo Portas desapareça: não é só a chuva governamental que lhe troveja em cima, é também o não saber para onde se virar. Estar de bem com deus e o diabo, num partido que conseguiu o rótulo de democrata-cristão à conta de uma trafulhice legal nos idos de 1975, deve ser complicado.

Pode ser que um dia cheguem à Assembleia da República de lambreta.

Comments


  1. abençoado artigo ! 🙂

  2. Bufarinheiro says:

    Sempre oportunista, quando acabar o casamento com o PSD vai vender o seu peixe (ou a rata) ao PS.
    E o Assis já começou a abrir esse caminho.


  3. Pode ser, sim…


  4. Que trafulhice foi essa?