A palavra *confiança*

é muito recorrente na propaganda política. Já foi escolhida pelo PSD (em 1995, com Durão Barroso, por exemplo) e também pela CDU, nas autárquicas de 2013. Há certamente muitos mais exemplos, de campanhas de todos os partidos políticos, em que a palavra *confiança* foi a estrela. É uma palavra muito apetecida pelo marketing político. Mas a nós, aos eleitores, dá-nos para desconfiar dela.

Num momento em que o PS está especialmente exposto à (compreensível) desconfiança que lhe dedicam tantos eleitores (e não, não me refiro à estafada história mal-contada da bancarrota do País, que a actual coligação e demais odiadores profissionais do PS lhe atribuem, como uma saca de culpas que apenas aos socialistas coubesse carregar), sobretudo desde a detenção de José Sócrates, é caso para perguntar: não se arranjava mesmo mais nada? Uma palavra normal e honesta, como por exemplo *recomeçar*?

confiança_PS_02_2015

Há uma distância cada vez maior, e até mesmo dolorosa de ver, entre o discurso político (velho) e os anseios dos cidadãos. Está tudo errado, nessa comunicação. Penso mesmo que a escolha da palavra *confiança* espelha o projecto eminentemente desconfiável do PS. Do PS bloco-centralista, que prefere sempre aliar-se aos outros sociais-democratas do PSD – e até mesmo aos seus neoliberais -, em vez de viabilizar (através de uma prática política diversa da que tem seguido) consensos à esquerda, que é onde, ainda assim, estão os únicos outros socialistas portugueses. O PS tem essa natureza híbrida.

Urge uma ruptura com toda esta linguagem, de que é exemplo também a frase inacreditável que afirma que *Sócrates Sempre*. Não há reforma possível, dado o adiantado estado de decadência deste discurso. Um fenómeno que é de resto transversal ao espectro partidário português, com a honrosa excepção do Bloco de Esquerda, que, nessa matéria, faz muitas vezes a diferença. A CDU diz que tem *soluções para uma vida melhor* – uma frase que podia perfeitamente caber na descrição de uma empresa de serviços. O PAF anuncia triunfalista que *Portugal pode mais* – num claro desejo de prossecução da sua política sádica sobre os masoquistas abstencionistas de Portugal, e por tabela sobre todos os outros também.

confiança_CDU_2013

Se os partidos políticos começarem a dizer coisas normais e em que possamos verdadeiramente acreditar, talvez a democracia volte a ser um sistema que mereça a nossa confiança – sobretudo a dos que são tão desconfiados, tão desconfiados, que preferem não votar. Claro que a maioria age assim julgando fazer bem, e vendo nesse não-voto de protesto uma arma.

Sucede que uma arma é outra coisa, e que há nesse comportamento um alheamento abstruso relativamente ao funcionamento do sistema eleitoral – pois é evidentemente um tiro no próprio pé, com os benefícios que se conhecem para os que se abalançam ao poder, que dessa forma conquistam mediante uma cada vez menor quantidade de votos expressos.

Razões, aliás, para duvidar seriamente da possibilidade de haver proximamente em Portugal uma evolução desejada por muitos já: a que fará suceder ao actual sistema representativo (em grande crise de legitimidade) a democracia participativa.

confiança_PSD_1995

Comments

  1. J.Pinto says:

    Gostei especialmente da parte onde escreveu:

    “Não há reforma possível, dado o adiantado estado de decadência deste discurso. Um fenómeno que é de resto transversal ao espectro partidário português, com a honrosa excepção do Bloco de Esquerda, que, nessa matéria, faz muitas vezes a diferença.”

    O Bloco de Esquerda, na verdade, é um partido credível e de confiança. Basta olhar para o resultado da governação do bloco de esquerda na Grécia.

    • Sarah Adamopoulos says:

      Não era esse o assunto do texto, J. Pinto, como bem sabe. O assunto de fundo é a *forma da propaganda- apesar de alguma tergiversão minha, concedo.

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