Os motivos dos fatos

amadeo3

Amadeo de Souza-Cardoso, Caricatura de Emmérico Nunes (1909)(http://bit.ly/1sHl6FW)

Chacun, là-haut, sait mieux que le matador ce qu’il conviendrait de faire en bas. En outre, comme chez tous les publics, la critique prouve l’intelligence et l’enthousiasme se verse au compte de la crédulité, de la naïveté, de la bêtise.

— Jean Cocteau, “La corrida du 1er mai

Lembra-me um sonho lindo, quase acabado
Lembra-me um céu aberto, outro fechado
Estala-me a veia em sangue, estrangulada
Estoira no peito um grito, à desfilada

Fausto Bordalo Dias

***

Os leitores do Aventar conhecerão certamente a seguinte afirmação de Santana Lopes:

Agora ‘facto’ é igual a fato (de roupa).

Não será, contudo, todavia ou até mesmo porventura, o caso do jornalista que entrevistou o autor desta afirmação, ainda por cima, produzida em artigo escrito para o jornal em que a entrevista foi publicada. Efectivamente, uma vez que na entrevista nenhures se vislumbra qualquer referência à afirmação de Santana Lopes, o autor terá perdido, por acto ou omissão do jornalista, uma excelente oportunidade para vir a terreiro defender-se ou retractar-se ou até mesmo, como fizeram recentemente Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa (ou personalidades como Marisa Matias ou Manny Pacquiao), retratar-se — de facto, o único que aqui se retrata é Costa: Rebelo de Sousa apenas participa no acto de pose, mas adiante.

Efectivamente, a entrevista perde-se em labirintos técnicos (“Acha que essa questão das consoantes mudas não é relevante?”) com quem apenas se limitou

  1. como Secretário de Estado da Cultura do XI Governo Constitucional de Portugal, a assinar, em nome da República Portuguesa, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990;

    SAntana AO90

    © Hugo Correia/Correio da Manhã (http://bit.ly/1W233pA)

  2. como Primeiro-Ministro da República Portuguesa, a anunciar, na Assembleia da República: «em relação ao acordo ortográfico […], o empenho do Presidente [do Brasil] Lula da Silva é o de que se dinamizem todos os instrumentos nesse domínio»;PSL1
  3. como deputado, a declarar, também na Assembleia da República, que o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa era «um documento que vinha na sequência de diligências várias da diplomacia portuguesa em governos anteriores, mas que resultava, e muito, da iniciativa diplomática do Presidente [do Brasil] Lula da Silva».PSL2

Saúda-se a franqueza do entrevistado (“disse que não quer entrar em questões técnicas”), habituado a outras arenas, nomeadamente, a diplomática. Contudo, trata-se da admissão de lacuna publicamente perceptível há muitos anos, ilustrada quer com o já conhecido “agora ‘facto’ é igual a fato (de roupa)”, quer, mais recentemente, com a necessidade de recorrer à figura da autoridade (“O especialista em Língua Portuguesa que mais me explicou essa conveniência foi o Prof. Doutor João Malaca Casteleiro“), sem referência crítica a qualquer estudo: isto é, o “disse que não quer entrar em questões técnicas” peca por extremamente tardio.

Aliás, uma vez que “agora ‘facto’ é igual a fato (de roupa)” veio à baila, terminemos com a já habitual excursão pelo sítio do costume:

dre1562016

dre1662016a

dre1762016

Desejo-vos um óptimo fim-de-semana.

Comments


  1. É na pharmácia da cultura que podemos obter o fortificante que nos protege de cahir no abysmo da mediocridade.

    A ORIGEM DO
    ”ABORTO ORTOGRÁFICO”
    (também chamado “Acordo Ortográfico)
    ( “LUSOFONIA” – “PALOP”- “CPLP” )

    Lusofonia é um vocábulo derivado do termo “Lusitânia”, nome dado pelos romanos a uma província da Península Ibérica que englobava um território que faz actualmente parte de Portugal.
    Luiz Vaz de Camões denominou o seu poema épico que evoca os feitos dos portugueses, as suas conquistas de além-mar e a abertura das vias marítimas para o Oriente contornando o continente africano “Os Lusíadas”, portanto os descendentes dos antigos “Lusos”.
    As terras conquistadas na África, Ásia e Américas sob dominação portuguesa eram denominadas Colónias Portuguesas, e o seu conjunto foi o assim chamado “ Império Colonial Português “.
    A ditadura fascista de Salazar passou a chamar às colónias portuguesas “Províncias Ultramarinas” , utilizando uma ideia apócrifa de unidade cultural e política, o que se pode traduzir numa “mania das grandezas” provinciana, mas que servia perfeitamente de apoio à sua ideologia politica conservadora e fascista. E é então que o vocábulo “Luso” entra novamente em cena, uma vez para chamar “Lusitos” aos jovens da “Mocidade Portuguesa”, organização fascista paramilitar formada segundo os moldes da juventude hitleriana, e de participação obrigatória para todos os jovens estudantes, em Portugal e nas Colónias, e outra para designar por “Lusofonia” uma mítica unidade cultural entre as Colónias e Portugal.
    Após o 25 de Abril e a descolonização, aquela “mania das grandezas” não tinha sido totalmente dissipada da cabeça de muitos portugueses que ainda sonhavam com o tal império ou com as tais províncias ultramarinas. E assim renasceu o termo “Lusofonia” para designar essa fantasiosa unidade cultural e linguística de Portugal com as ex-colónias,e que é na sua essência um mito fascista.
    Uma ideia tão abstracta, apócrifa e ridícula como esta não servia muito bem certos interesses ocultos. Os revolucionários dos movimentos de libertação das ex-colónias, que tinham mandado à merda toda a ideologia progressista que defendiam, tornaram-se na elite burguesa desses países, em moldes feudais, e em conluio com a oligarquia portuguesa apossaram-se do poder político, militar e económico, explorando as riquezas dos países em proveito próprio, tornando-se nas elites mais ricas do continente e condenando assim à pobreza, à fome, à exploração e escravatura os seus conterrâneos. Passam a viver num luxo e ostentação como nunca na puta da sua vida sonharam, e criam uma organização chamada “PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa” julgando na sua mediocridade ética e cultural atingir um certo prestígio e utilizá-la perfeitamente para proveito próprio. Assim é que a organização oferece “tachos” bem remunerados não só para os seus membros como também para os familiares, amigos, amantes e amásias, viagens de “trabalho”, jantaradas, carros de luxo e mordomias de toda a espécie.
    Mas a clientela ia crescendo e a organização não tinha mais capacidade de os contentar. Como nesse sentido a criatividade dessa gentalha desses países e de Portugal não tem limites, nasceu assim a “CPLP – Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa” . Os seus membros são todos aqueles países onde as elites governamentais optaram pelo idioma português como língua oficial, desprezando os idiomas nativos, mesmo que a maioria dos seus habitantes não o fale nem o entenda, como são os casos extremos da Guiné-Bissau e Goa; e ridiculamente também Timor, uma ex-colónia à qual Portugal durante séculos nunca deu qualquer atenção e que só servia como local de desterro para personalidades civís politicamente incómodas e militares que não se submetiam a directrizes arbitrárias. Só depois da Austrália ter descoberto petróleo no mar que rodeia aquela ilha é que Portugal, fazendo o papel vergonhoso de “libertador” a troco de generosas esmolas das companhias exploradoras do petróleo para o bolso de certa gente, enviou, “para disfarçar”, alguns professores para ensinar português àquelas gentes; e cujo nativo traidor que foi o primeiro dirigente governamental após o país ter sido artificialmente criado, teve de aprender português durante o cativeiro político na Indonésia, o que ainda hoje se revela na sonoridade metálica do seu falar mecânico, à semelhança do som do leitor de cassetes por onde aprendeu o idioma. Mais ridícula ainda, e também perversa, é a recente aprovação da adesão da Guiné-Equatorial a esta organização, país que nunca foi colónia portuguesa e onde o português não é nem nunca foi língua oficial e nem o povo o fala ou jamais falou.
    O Brasil, a maior ex-colónia portuguesa, e o país membro com maior extensão territorial e maior número de habitantes também só possui, à semelhança das ex-colónias africanas, uma elite culta que fala e escreve, quase correctamente, português. A grande maioria da população fala variantes adulteradas deste idioma, com as influências regionais dos diversos idiomas nativos e de os daquelas etnias de colonos oriundas de todas as partes do mundo, e utilizando vocábulos estrangeiros, principalmente ingleses, idiotamente “abrasileirados”. E onde um sistema escolar público precário ainda hoje existente nunca permitiu um ensino correcto da língua portuguesa.
    A CPLP viabiliza assim a criação de novos “tachos” para a sua clientela. E na página da “Internet” relativa à sua estrutura e organização não são revelados, além do nome do Secretário Executivo, nem os nomes dos seus colaboradores nem o número de funcionários ao seu serviço, e os objectivos, como também publicado naquela página, são difusamente generalizados e abertamente não comprometedores.
    Dado o total desconhecimento que a grande maioria da população dos países desta “Comunidade” possui sobre a existência destas organizações, PALOP e CPLP, e não ter igualmente a menor ideia do que seja essa “Lusofonia”, e até hoje não se ter verificado qualquer tentativa, mesmo que seja “só para inglês ver” duma divulgação das mesmas, é evidente que elas só servem os interesses das elites nacionais, e por extensão os das diversas personalidades que constituem o escol representativo das organizações satélites apoiantes, como a “Fundação Oriente” e o “MIL – Movimento Internacional Lusófono”, entre outras cuja existência é mantida em segredo, e a qual só se revela quando por qualquer motivo se descobre alguma daquelas trafulhices financeiras que são amanhadas entre elas, a banca privada, e os políticos e os governos corruptos dos diversos países membros.
    São organizações criminosas legalizadas, sustentadas pelo erário público, que urge desmantelar e expropriar, revertendo o património, mesmo que esteja por “artes mágicas” nos bolsos desses cleptocratas, para os cofres daquelas instituições de utilidade pública de comprovada idoneidade.
    Devemos relalçar e reafirmar aqui, que português é a língua que se fala e escreve em Portugal.
    É no âmbito deste contexto e no alastrar do terreno da mediocridade, fertilizado com as secreções endémicas defecadas pelas mentes de intelectualóides pífios e politiqueiros reles e sem qualidades argumentando interesses mercantis ridículos e anódinos, que se pode entender o engendrar deste famigerado e assim chamado “acordo ortográfico”, sua aprovação e imposição arbitrária e à revelia por decreto governamental.
    A duvidosa questão jurídica da sua oficialização e as alterações ortográficas absurdas já foram suficientemente analisadas, criticadas e divulgadas por muitas personalidades, destacando-se entre elas pela luta acérrima contra este “acordo” o intelectual, escritor, poeta e tradutor Vasco Graça Moura, falecido em Abril do passado ano, hoje censurado por omissão pela maioria dos orgãos de comunicação social do país. Os seus escritos sobre este tema, assim como os dos demais autores, podem contudo ser lidos em muitos portais da “internet”.
    É culturalmente obscena a forma como hoje se escreve, e fala, em Portugal. Basta ver os muitos exemplos denunciados em vários sítios da “internet”, para se constatar que se trata dum crime cultural premeditado. Os seus autores deveriam ser previamente julgados e punidos pelos tribunais civís, pois pelo tribunal da cultura e da história já foram há muito condenados a pena de morte.
    Torna-se assim cada vez mais urgente a constituição duma acção concertada, programada e militante de todos os opositores, principalmente dos escritores, poetas, tradutores, jornalistas e professores para a anulação imediata e sem quaisquer reservas deste “acordo ortográfico”, de modo a que seja possível, dentro do menor espaço de tempo, minimizar e neutralizar os enormes danos culturais causados por este atentado criminoso contra a dignidade da língua portuguesa.

    Otto Solano
    13.02.2015
    otto.solano@gmx.de


  2. Cada um que escreva como aprendeu na primária dos anos 40,que a escrita fica mais ou menos compreensivel !!!

Trackbacks


  1. […] facto, este anúncio de Santana Lopes foi muito mau […]


  2. […] Reflictamos acerca da ambiguidade de “não pedi licença a ninguém para tomar a decisão que está tomada”. Passado esse momento, reflictamos acerca da clareza de “agora facto é igual a fato (de roupa)”. […]


  3. […] Santana Lopes, há fatos e […]


  4. […] “atentar”, apesar de tudo, rege outra preposição), escreve um texto em que substitui “facto” por “fato”, deixando essa marca visual em centenas de leitores que reproduzirão o erro até que Santana Lopes […]


  5. […] imediatamente das palavras de Pedro Santana Lopes, secretário de Estado da Cultura no XI Governo Constitucional de Portugal, no famoso artigo do “agora facto é igual a fato (de roupa)“, em que é dada muita […]