Carta aberta a Ferreira Fernandes

Caro Ferreira Fernandes,

Li hoje a sua crónica no «Notícias Magazine de Sábado», ou lá como se chama o pasquim do «Jornal de Notícias» onde agora escreve.
Nessa crónica, diz o senhor que viu um «Prós e Contras» que resumia os últimos quatro anos, porque ali estavam aqueles que não conseguiram governar, representados pelo ministro Santos Silva, e aqueles que não deixaram governar, representados por Francisco Lopes do Partido Comunista. Referia-se, como explicou ao longo do seu texto, à avaliação de professores.
(ah, o bom Prós e Contras que, só por si, foi todo um programa de Legislatura. Passou por ali, qual braço armado do Governo, grande parte da campanha movida contra os professores desde 2005. Durante anos, a Ministra da Educação pôs e dispôs do programa à medida das suas conveniências, tendo proibido sempre a presença de Mário Nogueira no painel de convidados. Na única vez em que Mário Nogueira foi convidado, há bem pouco tempo, a Ministra não apareceu).
Voltando ao seu texto. É espantoso! O actual Governo teve maioria absoluta durante quatro anos, mas o Partido Comunista não o deixou governar. Nem José Sócrates diria melhor.
Diz o senhor que foi o Partido Comunista que impediu a avaliação dos professores. Pensa, depreende-se, que todos ou a maioria dos professores são comunistas e que nenhum deles terá votado PS. Pensará também que todos os professores são seres acéfalos que não sabem pensar pela sua cabeça e que se limitam a seguir as ordens do chefe, que neste caso deverá ser Mário Nogueira.
Parece que o deputado comunista não soube dizer o que faria com os professores que tivessem negativa na avaliação. Isso significa, para si, que os professores não querem ser avaliados. Mais uma vez, é espantoso!
Pessoalmente, não tenho qualquer problema em ser avaliado e até defendo um modelo que distinga efectivamente entre os bons e os maus professores e que influencie a progressão na carreira. Só tenho pena que o Ministério não tenha conseguido implementar um modelo decente e minimamente exequível. Mas já agora, respondo à sua pergunta. A um professor que tenha nível negativo na avaliação, depois de ponderadas as circunstâncias, deve ser dada uma segunda oportunidade, se necessário através de formação profissional. Se mesmo assim continuar a ser um mau professor, deve ser afastado do ensino. Obviamente.
Mas lamentavelmente, o meu caro Ferreira Fernandes ignora que tudo começou com um movimento espontâneo dos professores, em particular as gigantescas manifestações de 2008, e que os Sindicatos (14 Sindicatos, a maior parte deles não afectos à CGTP) se viram obrigados a segui-los, sob o risco de ficarem para trás.
E ignora que foi o próprio Ministério da Educação que reconheceu que o monstro burocrático que criou, o modelo de avaliação de professores, não era exequível, de tão burocrático. Daí ter simplificado. Uma, duas e três vezes. Tão simplificado que, actualmente, já não avalia nada – menos ainda do que o anterior sistema. Basta não ter faltas injustificadas para ter BOM.
Ignora também o meu caro Ferreira Fernandes que foi o próprio primeiro-ministro que reconheceu discrepâncias e erros no modelo inicial e no modelo simplificado que «está» em vigor.
Ignora ainda que o modelo de avaliação proposto não passa de uma cópia do modelo chileno herdado de Augusto Pinochet, como refiro num outro «post».
Foi por isso que o Governo não conseguiu avaliar os professores. Porque o seu modelo de avaliação era muito mau. Não foi pela acção do PCP. Não foi por falta de gentileza. Foi porque era um péssimo modelo que não fazia qualquer distinção entre bons e maus professores e que era impossível de ser posto em prática nas escolas.
Quanto ao mais, o senhor pensa que os professores deviam gostar de uma patroa que durante quatro anos os insultou e os tratou mal. O senhor gostará desse tipo de patrões. Nós não – lamento.
Quem escreve sobre Educação devia estar melhor informado, meu caro Ferreira Fernandes. Já em 1937, Túlio Lopes Tomaz, em «Algumas Considerações sobre Instrução e Educação em Liceus em Portugal», n.º 38, dizia: «Isto de falar sôbre educação, deve ser coisa fácil, pois não há actualment barbeiro bem informado ou boticário bisbilhoteiro que não guarde, num bôlso interior, quatro frases repolhudas, apanhadas no ar, ou em folha de couve local, e que podem condensar-se em uma única afirmação: tudo é muito mau, excepto a quitessência nelas contida.»
Quem escreve sobre Educação, repito, devia estar melhor informado. E, já agora, não ser desonesto intelectualmente.

Sempre ao dispor,

Ricardo Santos Pinto, professor.

Comments

  1. António Saraiva says:

    Este Ferreira Fernandes sempre fez o joguinho da Ministra. Para ele, os professores são uns hooligans comunistas.

  2. Rui Jorge Martins Nunes says:

    Caro sr. Quem faz comentários como o seu, ou não está informado sobre o processo ou acha que todos os professores são todos uns malandros.Hoje os professores para além do seu horário laboral, está carregado de trabalho burocrático onde lhe sobra muito pouco tempo para preparar as aulas e como o ministério não sabe muito bem como deve colocar as coisas no terreno, é raro o dia que não chegam ordens a desfazer o ordem dada muito poucos dias antes.Eu por mim falo.NÃO VOU VOLTAR A VOTAR NESTE 1º MINISTRO

  3. Ferreira Fernandes é um dos mais competentes jornalistas portugueses. Consegue escrever crónicas diárias com uma arte rara ao comum dos mortais. Não o estou a ver a fazer “o joguinho” desta ou doutra qualquer ministra.

  4. Ricardo Santos Pinto says:

    O Manuel António Pina também consegue escrever crónicas diárias sem ser subserviente ao poder.

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