Para o inefável Mário Bettencourt Resendes, o vencedor da noite foi… José Sócrates. Assim mesmo. Para alguns, José Sócrates ganha sempre, mesmo quando não está presente. Quanto ao resto, foram bem visíveis as diferenças entre uma Direita muito Direita e uma Esquerda a sério. Mais uma vez, Paulo Portas veio com a treta do Rendimento Mínimo financiar a preguiça. Curiosamente, nunca se vê o líder do CDS a vociferar contra os milhões que o Estado andou a injectar nos Bancos. Ainda assim, teve o desplante de dizer que foi o seu Partido que mais fez pela pobreza em Portugal.
Francisco Louçã, mais agressivo do que contra José Sócrates (por que será?), acabou por ganhar o debate contra um contendor que cada vez mais representa menos no espectro político português. Logo no dia em que o Barómetro da TSF/Marktest dá ao Bloco de Esquerda 16% das intenções de voto. Pode parecer exagerado, mas atenção! Esta sondagem não é da Eurosondagem, é da Marktest – a mesma que acertou nas Europeias.
O debate Paulo Portas – Francisco Louçã, no dia em que o Bloco aparece com 16% no Barómetro da TSF
Sócrates e a família política
Ficamos sem saber se Sócrates se esqueceu da sua militância na JSD, ou se se sente da família (política) de Manuela Ferreira Leite.
Eu acho que ele nunca saiu da JSD, limitou-se a perceber que o PS lhe facilitava a carreira de desenhador de mamarrachos. Mas isto sou eu a achar, claro.
No 11 de Setembro, falemos do sistema educativo do Chile (ainda) de Pinochet e das assustadoras semelhanças com o sistema educativo português (ainda de Sócrates)
Ao contrário do que muitos pretendem fazer passar, o Chile não é um modelo no que diz respeito ao sistema educativo. Daí que não se perceba muito bem por que razão, ao implementar um novo modelo de avaliação de professores, o Ministério da Educação português foi copiar o modelo chileno.
Nada me move contra o Chile. Pelo contrário. No que me toca, admiro os escritores chilenos e toda aquela atmosfera – cores, sons e cheiros – que nos é transmitida pelos livros de Isabel Allende ou de Luis Sepulveda. Aliás, a página 73 da «Casa dos Espíritos» de Allende (edição Difel) nunca me saiu da cabeça. Um «guisado afrodisíaco» que um dia – prometo a mim mesmo há anos – ainda hei-de experimentar, nem que para isso tenha de deixar de ser vegetariano por um dia.
Uma questão diferente é considerar que o Chile é um país-modelo nestas questões. Pessoalmente, continuo a pensar que, em termos de educação, os países da Europa desenvolvida são o exemplo a seguir. O próprio Governo o admitiu, ao falar no fim das retenções até ao 9.º ano, como acontece na Finlândia.
No que respeita à avaliação de professores, por exemplo, o modelo de avaliação chileno é de inspiração clara da ditadura de Pinochet. As medidas de fundo começaram a ser esboçadas ainda durante o seu Governo, como refere Raul Iturra na carta aberta à Ministra da Educação.
Aliás, seria ingénuo pensar que os tentáculos e as influências de Pinochet terminaram no momento exacto em que ele entregou o poder. É elucidativo que, até 1998, Pinochet tenha continuado a ser o mais alto responsável pelas Forças Armadas do país, altura em que passou a ocupar o lugar de Senador no Congresso chileno.
E basta ver que o poder passou de Pinochet para Patrício Aylwin, que apoiou o golpe contra Salvador Allende em 1973. Durante muito tempo, no Chile, o Regime Militar é que continuou a dominar. A administração local estava ainda nas mãos de pessoas designadas por Pinochet e o próprio continuava a ser o chefe das Forças Armadas.
Aliás, Francisco Rojas, director da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e um dos mais importantes analistas políticos do país, dizia em 1998 que, «para chegar à democracia plena, o Chile ainda precisa de uma reforma constitucional, além de superar a vocação autoritária, enraizada não só nas Forças Armadas, mas em toda a sociedade chilena» e que «as paixões estão envolvidas em certos simbolismos vinculados à situação actual, que mostra que a figura do general Pinochet continua influenciando os chilenos.»
Como referiu em 2007 Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, «o Chile ainda adopta o modelo educacional criado no final da década de 80 pelo ditador falecido Augusto Pinochet, com pequenas alterações.»
Em Julho de 2008, Juan Guzmán, o juiz que processou Augusto Pinochet, afirmou que «mesmo depois de 18 anos do fim da sangrenta ditadura, tem-se avançado muito pouco na direcção de uma verdadeira democracia, porque ainda hoje se mantém vigente a Constituição de Pinochet e uma Corte Suprema que colaborou com a ditadura militar.
O juiz declarou que o Chile ainda se rege pela “constituição elaborada pela ditadura de Pinochet, que cria instituições pinochetistas e permite que uma minoria autoritária continue ditando leis na República democrática”. Segundo Guzmán, desde 1990, quando Pinochet deixou o poder depois de 17 anos no comando do Estado chileno, muito pouco se transformou na estrutura jurídica e legislativa do país.»
Notícia de Junho deste ano publicada no MNN: «Há mais de dois meses estudantes e professores chilenos têm-se mobilizado numa luta incessante contra a aprovação da reforma educacional proposta pela presidente Bachelet. A Lei Geral da Educação (LGE), que vem sendo discutida desde 2006, foi aprovada pelos parlamentares na última semana. Essa nova legislação surge para substituir a Lei Orgânica Constitucional da Educação (LOCE), que vigora no país desde a ditadura de Pinochet.
Como já explicitado em artigos anteriores, os protestos dos estudantes e professores têm ocorrido constantemente desde o final de Abril. Eles acusam a nova legislação de ser apenas uma adaptação da velha lei de Pinochet. Com a reforma educacional, Bachelet estaria, então, apenas dando continuidade ao projecto do ditador.
Entre os dias 16 e 19, ocorreu a segunda greve dos professores chilenos. O objectivo da paralisação era evitar a aprovação da reforma educacional no parlamento. Segundo os organizadores, 80% dos professores teriam aderido à greve. Jaime Gajardo, presidente do Colégio dos Professores, afirmou que: “Estamos falando de milhares e milhares de pessoas. Reunimos facilmente 15 mil na Plaza de Armas, além de estudantes e de outros grupos, mas apenas 10 mil professores se mobilizaram”.
Diante da grande mobilização, a Ministra da Educação, Mónica Jimenez, afirmou que foi baixa a adesão dos professores à greve. Todavia, desmentindo a ministra, as estatísticas do secretário regional ministerial da educação (SEREMI), Victor Schuffeneger, confirmaram que 80% das escolas metropolitanas não tiveram aulas.
Combatendo as críticas da ministra, Gajardo afirmou que: “O pior caminho que a ministra pode seguir é o de continuar insistindo que estas mobilizações almejam outros fins, e o de não reconhecer que o que temos aqui é uma reivindicação generalizada da sociedade para que se realizem mudanças substanciais no sistema de ensino. Existe um consenso, porque nós temos feito consultas com líderes regionais e as mobilizações têm o objectivo de retirar a LGE do parlamento, de modo a superar as limitações do actual projecto em discussão”. Contudo, mesmo diante das grandes mobilizações, o parlamento aprovou a reforma que agora segue para o senado.
Ou estoutra notícia: «Como noticiamos em edições anteriores, há mais de dois meses o Chile vem sendo palco de manifestações e protestos de estudantes e professores contrários à reforma educacional. Segundo os manifestantes, a legislação educacional de Bachelet não atende as reivindicações para que se construa uma educação pública e de qualidade. A nova legislação seria apenas a continuidade da lei educacional de Pinochet, que vigora no Chile desde 1990.
Mesmo após o parlamento chileno ter aprovado a nova legislação educacional, estudantes e professores chilenos seguem em luta nas principais cidades chilenas. Colégios e universidades continuam ocupados, assembleias com centenas de estudantes têm sido realizadas e muitas avenidas tomadas pela marcha contra a Lei Geral da Educação de Bachellet.»
Ou ainda esta: «Os estudantes lutam para que a Lei Geral da Educação não seja aprovada pelos parlamentares e para que ela seja revista em diversos pontos fundamentais. Segundo o presidente do Colégio dos Professores, Jaime Gajardo: «Esperamos que no dia 21 de Maio, os deputados digam que vão rever este projecto e que vão ter mais tempo para debater e discutir um novo projecto educacional para o Chile. Pois, este projecto actual em vários pontos é igual ao projecto da Lei Orgânica Constitucional de Ensino (LOCE).” Esta lei foi outorgada pelo ditador Augusto Pinochet, um dia antes de deixar o poder, em 1990, consagrando a educação privatizada.»
Semelhanças com Portugal?
Uma das maiores polémicas no actual sistema educativo do Chile, esclareço eu, prende-se com o facto de os alunos e as suas famílias receberem um «voucher», que lhes permite optar entre escolas públicas e escolas priva
da
s. A pura e clara privatização do ensino que, mais uma vez, vem dos tempos de Pinochet. E não é também isso que está por trás das reformas educativas de Portugal? A entrega das escolas às autarquias prevê-se para breve, e este é só um primeiro passo para o que virá a seguir.
As repressões de que os manifestantes têm sido alvo mostram à saciedade que existem ainda fortes resquícios do Chile de Pinochet. Até nas comemorações do 1.º de Maio 122 trabalhadores foram presos e a polícia lançou gás lacrimogéneo. «O secretário do Interior, Felipe Harboe, disse que as 122 detenções foram muito inferiores às realizadas no ano passado», refere uma outra notícia, como se isso fosse motivo de grande orgulho.
Tudo isto para concordar com Francisco Rojas quando diz que, ainda hoje, a sociedade chilena é profundamente autoritária. E era-o mais ainda em 1998, e mais ainda em 1990.
E quanto ao actual modelo de avaliação de professores no Chile? Como instrumentos de avaliação, utiliza-se como fonte de informação, no Chile, o portefólio do professor com descrição de actividades e planificações, pautas de auto-avaliação, entrevista ao avaliado e relatórios dos órgãos de direcção e coordenação da escola.
Actualmente, a compra e venda de portefólios tornou-se um negócio muito rentável no país. É a pura mercantilização do processo de avaliação de professores.
O "Centrão" foi à vida (se o BE quiser…)
As eleições servem para indicarem o que os eleitores querem e pensam que seja melhor para o país. Se os eleitores não querem uma maioria absoluta é porque perceberam que um tal cenário dá no que se vê. Prepotência, autismo, quero, posso e mando e com os resultados que estão à vista.
Contrariamente ao que nos querem fazer crer, normal é não haver maioria absoluta. A Democracia tem essa capacidade de permitir arranjos, cenários deferentes de governação, de incentivar a “cultura do consenso”.
Tudo aponta que seja essa a intenção de voto nas próximas eleições legislativas, e neste contexto, o mais natural é que o BE possa ter uma percentagem de votos que permita uma maioria com o PS. Mais, como a maioria parlamentar se obtem à volta dos 42% dos votos é até aritmeticamente possível que possa alcançar a maioria parlamentar tambem com o PSD.
O BE , como partido responsável, pode furtar-se a negociações para se alcançar um governo estável à volta de consensos sobre os grandes problemas da nação? Pode, porque partidariamente lhe é mais confortável, eximir-se às responsabilidades que o povo com o voto livre e democrático, lhe cometeu?
Não pode, porque isso seria a sua morte a prazo. Afinal para que serve o voto no BE?
Este raciocinio aplica-se da mesma forma quer ao PS quer ao PSD. E se estiverem reunidas as condições necessárias para se conseguir uma maioria parlamentar, os partidos têm que encontrar uma forma de estabelecer cenários para a governação do país. Ou uma fórmula de governo estável ou consensos parlamentares com vista à solução dos grandes problemas nacionais que duram há décadas , atrasando o país inexoravelmente, empobrecendo gerações de cidadãos.
Uma coisa é certa. O “centrão” foi à vida!
Turquia #2:
Já agora e desta vez a propósito deste desafio, aqui fica a posta principal:
“A propósito da visita do Presidente da República à Turquia vou ressuscitar uma posta que coloquei em tempos na blogosfera sobre a pátria de Ataturk – foi a 14 de Maio de 2007 e como resposta a um Amigo. Por acaso desconheço a posição do nosso PR sobre a matéria. Aliás, desde a sua célebre declaração aos portugueses sobre o Estatuto dos Açores pouco sei das suas opiniões sobre o que quer que seja.
Meu caro Amigo,
As últimas eleições francesas foram disputadas por dois candidatos, Segolenè Royal e Nicolas Sarkosy. A primeira representava a esquerda francesa e o segundo, a direita. Isto em termos muito simplistas pois, como bem sabes, Segolenè não representava assim tanto a esquerda socialista tradicionalista (que a detesta, profundamente, por a considerar demasiadamente liberal) nem Sarkosy representa certas franjas mais moderadas da direita francesa. Era o que tinham e a mais não estavam obrigados.
O Povo francês, de forma esmagadora, decidiu votar e com o seu voto fez uma escolha clara: Sarkosy. Como já escrevi antes, espero que não se arrependa. Entendo o voto francês: a insegurança que se vive nas grandes cidades francesas (que eu próprio sou testemunha no caso de Paris ou Marselha); o “papão” Europa provocado por aqueles que não querem respeitar o “Não” francês à Constituição Europeia e o desemprego crescente dos licenciados (lá como cá), sem esquecer alguma intolerância religiosa da comunidade Árabe residente em França. A tudo isto se soma a intranquilidade provocada por uma certa esquerda radical que não sabe respeitar a vontade da maioria – como, aliás, se viu posteriormente. Foi um voto profundamente “nacional”. O que se entende.Contudo, desconfio muito das intenções de Sarkosy.
Desde logo, porque entendo que violência gera mais violência e não resolve problemas de segurança. Temo que se resvale da “força da autoridade” para a prática do “autoritarismo”. A seguir, não esqueço que Nicolas Sarkosy não nasceu ontem, esteve no governo francês nestes últimos anos – mais dedicado a cimentar uma posição forte como candidato da inevitabilidade do que a governar. Mas, mais grave, considero perigoso (no mínimo) a sua posição face a uma integração da Turquia na UE. Como bem sabes, Sarko, é completamente contra. O que, a meu ver, é uma estupidez e um erro trágico para a segurança da Europa e do Mundo.
Não sendo um “turcófilo”, como se afirma Pacheco Pereira num lúcido artigo de opinião do Público (Sábado, 12 de Maio/2007), considero a Turquia como um país europeu. Mais, é fundamental para a Turquia e para todos nós, um forte apoio da Europa aos enormes movimentos “pró-europa” existentes nas classes intelectuais e nas elites turcas. Os povos Árabes sofrem às mãos de tiranos sem escrúpulos, refugiam-se no verdadeiro ópio do povo que é o fundamentalismo religioso (todo ele, seja qual for a crença) e vivem desgraçadamente – experimentem visitar um qualquer país árabe, mesmo aqueles aqui ao pé da porta como o Magrebe e facilmente compreendem esta minha afirmação, basta olhar-lhes nos olhos. Os povos Árabes só se vão libertar deste ofensivo colete-de-forças quando, tal como nós, tiverem acesso a liberdade de expressão. Quando conseguírem ter aquilo que nós temos e que nem sempre sabemos valorizar. Ora, a Turquia, não é apenas uma das portas da Europa, é também uma importante porta na Ásia e nos países Muçulmanos. Com o desenvolvimento económico que uma entrada na UE acarreta (como connosco antes e agora nos países do leste), a Turquia seria um motor de desenvolvimento e uma alavanca democrática para todo o Mundo Muçulmano. Sabes porquê, meu caro PJ, porque todos nós, queremos o melhor para os nossos filhos e os Árabes (como antes os Russos, pegando numa célebre canção de Sting) também amam os seus filhos.
É esta a tragédia de uma certa direita quando na mão dos “Sarkos” deste Mundo.Pode ser que eu esteja enganado. Deus queira.
Julgo que, agora, percebes melhor as minhas profundas reticências e até alguma rejeição a Sarkosy. A mesma que tenho para com certas franjas da nossa direita, agora entretidas com a “perseguição” aos estrangeiros que querem vir trabalhar para Portugal (cuja resposta dos Gatos Fedorentos foi absolutamente genial), que não entendem a importância desta força de trabalho e acréscimo cultural. Não entendem hoje, como ontem e nunca entenderão. É preciso conhecer Mundo, compreender a natureza humana e não confundir casos de polícia com problemas de segurança (que sempre existiram). Como não entenderam nem reconhecem a importância “dos de fora” na nossa epopeia dos descobrimentos – o período mais áureo da nossa história. Coincidência? Não me parece”.
(mais tarde escrevi ESTE em resposta a comentários de leitores).
O regresso de Jorge de Sena
Não, não, não subscrevo, não assino
que a pouco e pouco tudo volte ao de antes,
como se golpes, contra-golpes, intentonas
(ou inventonas – armadilhas postas
da esquerda prá direita ou desta para aquela)
não fossem mais que preparar caminho
a parlamentos e governos queiram secretamente pôr ramos de cravos
e não de rosas fatimosas mas de cravos
na tumba do profeta em Santa Comba,
enquanto pra salvar-se a inconomia
os empresários (ai que lindo termo,
com tudo o que de teatro nele soa)
irão voltar testas de ferro do
capitalismo que se usou de Portugal
para mão-de-obra barata dentro ou fora.
Tiveram todos culpa no chegar-se a isto:
infantilmente doentes de esquerdismo
e como sempre lendo nas cartilhas
que escritas fedem doutras realidades,
incompetentes competiram em
forçar revoluções, tomar poderes e tudo
numa ânsia de cadeiras, microfones,
a terra do vizinho, a casa dos ausentes,
e em moer do povo a paciência e os olhos
num exibir-se de redondas mesas
em televisas barbas de falácia imensa.
E todos eram povo e em nome del’ falavam,
ou escreviam intragáveis prosas
em que o calão barato e as ideias caras
se misturavam sem clareza alguma
(no fim das contas estilo Estado Novo
apenas traduzido num calão de insulto
ao gosto e á inteligência dos ouvintes-povo).
Prendeu-se gente a todos os pretextos,
conforme o vento, a raiva ou a denúncia,
ou simplesmente (ó manes de outro tempo)
o abocanhar patriótico dos tachos.
Paralisou-se a vida do pais no engano
de que os trabalhadores não devem trabalhar
senão em agitar-se em demandar salários
a que tinham direito mas sem que
houvesse produção com que pagá-los.
Até que um dia, à beira de uma guerra
civil (palavra cómica pois quedo lume os militares seriam quem tirava
para os civis a castanhinha assada),
tudo sumiu num aborto caricato
em que quase sem sangue ou risco de infecção
parteiras clandestinas apararam
no balde da cozinha um feto inexistente:
traindo-se uns aos outros ninguém tinha
(ó machos da porrada e do cacete)
realmente posto o membro na barriga
da pátria em perna aberta e lá deixado
semente que pegasse (o tempo todo
haviam-se exibido eufóricos de nus,
às Africas e às Europas de Oeste e Leste).
A isto se chegou. Foi criminoso?
Nem sequer isso, ou mais do que isso um guião
do filme que as direitas desejavam,
em que como num jogo de xadrez a esquerda
iria dando passo a passo as peças todas.
É tarde e não adianta que se diga ainda
(como antes já se disse) que o povo resistiu
a ser iluminado, esclarecido, e feito
a enfiar contente a roupa já talhada.
Se muita gente reagiu violenta
(com as direitas assoprando as brasas)
é porque as lutas intestinas (termo
extremamente adequado ao caso)
dos esquerdismos competindo o permitiram.
Também não vale a pena que se lave
a roupa suja em público: já houve
suficiente lavar que todavia
(curioso ponto) nunca mostrou inteira
quanta camisa à Salazar ou cueca de Caetano
usada foi por tanto entusiasta,
devotamente adepto de continuar ao sol
(há conversões honestas, sim, ai quantos santos
não foram antes grandes pecadores).
E que fazer agora? Choro e lágrimas?
Meter avestruzmente a cabeça na areia?
Pactuar na supremíssima conversa
de conciliar a casa lusitana,
com todos aos beijinhos e aos abraços?
Ir ao jantar de gala em que o Caetano,
o Spínola, o Vasco, o Otelo e os outros,
hão-de tocar seus copos de champanhe?
Ir já fazendo a mala para exílios?
Ou preparar uma bagagem mínima
para voltar a ser-se clandestino usando
a técnica do mártir (tão trágica porque
permite a demissão de agir-se à luz do mundo,
e de intervir directamente em tudo)?
Mas como é clandestina tanta gente
que toda a gente sabe quem já seja?
Só há uma saída: a confissão
(honesta ou calculada) de que erraram todos,
e o esforço de mostrar ao povo (que
mais assustaram que educaram sempre)
quão tudo perde se vos perde a vós.
Revolução havia que fazer.
Conquistas há que não pode deixar-se
que se dissolvam no ar tecnocratado oportunismo à espreita de eleições.
Pode bem ser que a esquerda ainda as ganhe,
ou pode ser que as perca. Em qualquer caso,
que ao povo seja dito de uma vez
como nas suas mãos o seu destino está
e não no das sereias bem cantantes
(desde a mais alta antiguidade é conhecido
que essas senhoras são reaccionárias,
com profissão de atrair ao naufrágio o navegante intrépido).
Que a esquerda
nem grite, que está rouca, nem invente
as serenatas para que não tem jeito.
Mas firme avance, e reate os laços rotos
entre ela mesma e o povo (que não é
aqueles milhares de fiéis que se transportam
de camioneta de um lugar pró outro).
Democracia é isso: uma arte do diálogo
mesmo entre surdos. Socialismo à força
em que a democracia se realiza.
Há muito socialismo: a gente sabe,
e quem mais goste de uns que dos outros.
É tarde já para tratar do caso: agora
importa uma só coisa – defender
uma revolução que ainda não houve,
como as conquistas que chegou a haver
(mas ajustando-as francamente à lei
de uma equidade justa, rechaçando
o quanto de loucuras se incitaram
em nome de um poder que ninguém tinha).
E vamos ao que importa: refazer
um Portugal possível em que o povo
realmente mande sem que o só manejem,
e sem que a escravidão volte à socapa
entre a delícia de pagar uma hipoteca
da casa nunca nossa e o prazer
de ter um frigorifico e automóveis dois.
Ah, povo, povo, quanto te enganaram
sonhando os sonhos que desaprenderas!
E quanto te assustaram uns e outros,
com esses sonhos e com o medo deles!
E vós, políticos de ouro de lei ou borra,
guardai no bolso imagens de outras Franças,
ou de Germânias, Rússias, Cubas, outras Chinas,
ou de Estados Unidos que não crêem
que latinada hispânica mereça
mais que caudilhos com contas na Suíça.
Tomai nas vossas mãos o Portugal que tendes
tão dividido entre si mesmo. Adiante.
Com tacto e com fineza. E com esperança.
E com um perdão que há que pedir ao povo.
E vós, ó militares, para o quartel
(sem que, no entanto, vos deixeis purgar
ao ponto de não serdes o que deveis ser:
garantes de uma ordem democrática
em que a direita não consiga nunca
ditar uma ordem sem democracia).
E tu, canção-mensagem, vai e diz
o que disseste a quem quiser ouvir-te.
E se os puristas da poesia te acusarem
de seres discursiva e não galante
em graças de invenção e de linguagem,
manda-os àquela parte.
Não é tempo para tratar de poéticas agora.
Jorge de Sena, Fevereiro 1976.
E a Turquia na UE? Avente a sua opinião
Aí está um assunto que divide muita gente e que anda desaparecido há muito tempo. Entra? Não entra? Qual é a sua opinião?
A Alemanha e a França vão estar de acordo em deixar entrar um país com 80 milhões de habitantes que passaria a ser o segundo mais populoso? E Muçulmano? E até onde vai a Europa em termos territoriais? Vamos importar toda a conflitualidade de territórios tão longinquos?
No entanto, pode vir a ser uma ponte importantíssima de diálogo entre a UE e os países muçulmanos mais moderados, o que seria uma contribuição muito grande para a pacificação e para a integração dos 50 milhões de muçulmanos que já vivem na UE.
Avente sobre este assunto tão importante. Envie os seus comentários ou os seus textos que serão publicados.
Nas fotos:
Em cima, Mercado das Especiarias em Istabul.
Em baixo, exterior e interior da Mesquita Azul.
NOVAS SONDAGENS. RESULTADOS "À LA CARTE"?
Não sei como acreditar nesta sondagem.
Acredito nela da mesma forma que deveria ter acreditado naquelas que davam 2% ou menos ao CDS antes das eleições europeias.
De qualquer forma, se estas sondagens forem a real intenção dos Portugueses, vamos ter um problema bicudo. Ninguém se vai entender.
Um empate entre PSD e PS, sem se saber quem vai ficar em primeiro. Vai ser um bico de obra.
Há meia dúzia de dias atrás, o cenário era um pouco diferente, também com uma sondagem fidedigna.
Outras se seguirão, com outros resultados “à la carte”.
Ainda a Social – Democracia
Continuação daqui
Continuando a conversa com o meu estimado aventador Adão Cruz o sistema político capaz de sobreviver em Liberdade tem que ser :
Um Estado de Direito (primado da lei )
Democrático – (um homem, um voto )
Economia – (social de mercado)
Dando de barato que estamos todos de acordo com as duas primeiras resta o sistema económico. O sistema tem que assentar no livre jogo da oferta e da procura, com a mão da regulação do Estado, impedindo ” a mão ínvisivel” de o transformar numa selva. E tem que ser porquê ? Porque a realidade mostra que, até ver, é o único sistema que consegue ,sustentadamente, criar riqueza suficiente, para:
Fazer crescer o país no seu todo (há cincoenta anos que as economias de mercado sustentam a melhoria de vida das populações, embora de forma muito desigual ); sustentam o sistema público de saúde e o sistema público de segurança Social ; e um Estado que administra a Justiça , a administração da coisa pública, a Segurança e a Defesa.
Nenhum outro sistema económico foi capaz de criar riqueza a longo prazo por forma a sustentar a paz, o bem estar e a propriedade. Todos os outros, desde o “capitalismo escravidão até ao capitalismo de Estado ” ruiram com fragor por não conseguirem dar resposta às necessidades básicas da população.
Mesmo os sistemas não inteiramente capitalistas, como é a China, introduzem cada vez mais os mecanismos de mercado de criação de riqueza mantendo, na posse do Estado, os grandes meios de produção. Diz-se socialista por esta última razão, mas com enormes sacrificios de grande parte da população que não tem oportunidades na área da Educação, da Saúde e de auferir um vencimento condigno ( para não referir a “escravatura infantil”).
A injustiça social, a injusta distribuição de riqueza e a incapacidade de criar iguais oportunidades para todos, resulta do egoísmo dos homens, da ganância individual e não do sistema, que só por si não impede uma mais justa repartição.
Mas isto leva-nos ao conceito do “homem novo” que há dois mil anos Jesus anunciou!
PS: quando Hengel, Rosa de Luxemburgo e Markx (para falar dos que li com atençao) falam dos “exércitos de esfomeados” referem-se aos que assim tinham atravessado toda a idade média até ao século XlX, o da industrialização. Depois ,pela pena de Markx passaram “a reserva de mão de obra miserável” mas o capitalismo e a industrialização têm pouco ou nenhuma culpa nessa condição.
A máscara do Louçã
Cuidado com o Francisco Louçã. Finalmente deixou cair a máscara de bom samaritano e revelou-se finalmente como o verdadeiro anti-cristo dos PPR’s e dos benefícios fiscais. Quem o diz é o Aparelho de Estado. E eu que estava tão enganado, a pensar que o BE era um simpático e jovem partido anarquista que apenas queria distribuir drogas leves por todas as minorias e ocupar casas abandonadas. Mas não! É um partido obscuro, revolucionário, extremista e com um agenda escondida de radicais nacionalizações e ataque violento à classe média e às suas poupanças. Sinto-me muito mais seguro, agora que fui elucidado.
O Aparelho de Estado continua e avisa-nos para ter cuidado com o BE que “tem um projecto económico e social que visa destruir a nossa economia de mercado, o que teria a consequência de fazer com que Portugal deixasse de ser democrático.“
“As propostas económicas do BE são uma ofensiva sem tréguas à liberdade económica de todos os indivíduos, assente no princípio da propriedade privada. Que caracteriza não só os bens dos “ricos”, sejam eles quem forem em linguagem bloquista, mas também os bens de todos nós. As nossas casas, o nosso carro, a nossa mobília.”
Aliás, agradecendo mais uma vez, já me precavi e cravei toda a mobília ao chão, não fosse aparecer por aqui algum militante do BE.
Contos Proibidos: Memórias de um PS Desconhecido. Soares e Cunhal no I Governo Provisório
(continuação daqui. explicação da iniciativa aqui. para ver todos os «posts», carregar na imagem da capa do livro na barra lateral)
Valerá talvez a pena analisar aqui, tanto quanto é possível a mais de vinte anos de distância, se a ideia da inclusão do Dr. Álvaro Cunhal no I Governo Provisório parte realmente do general, como ele próprio admitiria em entrevista de fim de carreira (e já admirador do Dr. Mário Soares), em 1984, ao historiador e jornalista José Freire Antunes,ou se ela parte do primeiro encontro com Mário Soares. Ora, dados os sentimentos anticomunistas do general Spínola, dada a sua amplamente demonstrada ignorância
política e o facto de se saber que Mário Soares teria dito ao general que se Cunhal não entrasse ele também não entrava para o Governo, parece evidente que a decisão foi influenciada decisivamente pelos socialistas. Aliás, Soares diria a Dominique Pouchin de forma peremptória que Spínola não era então favorável «à presença dos comunistas no governo». Também me parece duvidoso, e nenhum registo existe que o confirme, que tenha sido o próprio secretário-geral do PCP a reivindicar tal lugar! O que implica que estando à partida excluída a hipótese de terem sido os comunistas a insistir na sua participação – e não devemos esquecer que o PCP em Abril de 1974 ficaria satisfeito com a sua mera legalização – estamos perante a probabilidade de ter sido o próprio Mário Soares, na sua primeira entrevista com Spínola, graças ao apoio de Raul Rego, quem lançou Cunhal para o I Governo, a fim de ele próprio se tomar indispensável na pasta dos Negócios Estrangeiros!
O ex-embaixador de Portugal em Washington, João Hall Themido, confirma que Mário Soares «não inspirava confiança» ao general Spínola, que terá simplesmente comentado que Soares não era «um génio» mas daria «um ministro aceitável». «Sá Carneiro estava no Governo, como ministro sem Pasta, para acompanhar de perto os problemas da política externa» necessitando o general apenas de alguém para abrir «as portas» do reconhecimento à Revolução, convencido das «ligações europeias do líder do PS». Do ponto de vista do Partido Socialista – tanto quanto me seria dado a conhecer posteriormente – não havia nenhuma vantagem em que a pasta dos Negócios Estrangeiros fosse ocupada por Mário Soares, havendo outros dirigentes, como por exemplo Ramos da Costa, que não tendo que se ocupar com a organização do Partido, era quem melhores relações internacionais detinha no PS de então, além de dominar razoavelmente o idioma inglês! Não seria essa, evidentemente, a opinião do próprio Mário Soares, que considerava que «ninguém mais do que [ele] tinha então a possibilidade de conquistar rapidamente a simpatia da Europa e do Mundo para uma
revolução tão repentina, que inquietava o estrangeiro». Contudo só Mário Soares teria essa opinião, com a falta de modéstia que todos lhe conhecem. O mundo inteiro recebera o anúncio do 25 deAbril com grande regozijo e quem dava garantias e tranquilizava os
governos aliados de Portugal na NATO era exactamente o general Spínola e não o socialista Mário Soares, co-signatário de um «inquietante» acordo de governo com o Partido Comunista. Teremos contudo que admitir que o 25 de Abril encontrara o País e os seus dirigentes (quer os cessantes, quer grande parte dos emergentes) num estado de grande provincianismo e isolamento internacional, o que explicaria a grande necessidade que Spínola sentia de ter alguém que lhe abrisse portas e alguém que controlasse as actividades do «porteiro»! O Partido Socialista achava o seu secretário-geral fundamental paraorganizar um partido que a 25 de Abril não existia «de facto»e que, como se veria alguns meses depois, ia sendo «entregue» ao PCP no seu I Congresso. Os socialistas, em 1974, não só não queriam que Soares fosse o ministro dos Negócios Estrangeiros do general Spínola como exigiam «que ficasse em Lisboa a fim de organizar o mais rapidamente possível as infraestruturas do Partido». Este, no entanto, não seguiria os conselhos dos amigos, admitindo mesmo que nenhuma atenção dava ao seu partido pois «as raras semanas que passava em Lisboa eram absorvidas por Conselhos de Ministros interrnináveis». Mas, mais uma vez demonstrando aquela vaidade que Tony
Benn diz ter encontrado no líder do PS, este explica o seu «sacrifício» pela Nação em detrimento do seu partido, perguntando-se «quem era suficientemente conhecido deWilly Brandt para lhe pedir uma audiência no próprio dia? Quem é quepodia organizar,
à pressa, um encontro com o Presidente Senghor, de passagem por Paris? Quem é quetinha a possibilidade de reunir em Helsínquia com um simples telefonema, os líderes da social-democracia escandinava? Quem é que Harold Wilson esperava para reconhecer, sem mais demora, o novoregime português?». Mas, acrescentaria, é evidente que o meu partido tirou proveito dessas viagens».
A necessidade de angariação de fundos para o PS, embora fundamental naquela fase,também não justificava quefosse o secretário-geral a ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros.
Francisco Ramos da Costa e Manuel Tito de Morais tinham sido no passado, e continuavam então a ser, não só angariadores de fundos como elementos bem creditados junto da Internacional Socialista, a quem tinham apresentado Mário Soares,anos antes. Por outro lado, para além da ridícula vaidade demonstrada, a sua autopromoção não passaria de uma operação de branqueamento que só o provincianismo reinante deixaria passar em claro.
De facto, Willy Brandt, que à semelhançade qualquer outro chefe de governo socialista receberia com o maior prazer qualquer enviado especial do novo regime português, estava demissionário após a prisão, a 24 de Abril de 1974,do seuconselheiro
Gunther Guillaume, acusado de ser espião do KGB. Seria já Helmut Schmidt, que Soares não conhecia, a reconhecer o novo regime português. Senghor, embora ainda não ligado à Internacional Socialista, ao que parece receberia com igual prazer qualquer enviado do general Spínola. E só por grande pretensão se poderia imaginar que o telefonema do MNE português levaria os líderes da social-democracia escandinava a reunir em Helsínquia para um encontro com ele. Acontece que quando Mário Soares pediu para ser recebido pelo então primeiro-ministro sueco, Olof Palme, lhe foi dito que seria melhor deslocar-se a Helsínquia, onde os quatro primeiros-ministros dos países nórdicos estavam reunidos numa das habituais reuniões do Conselho Nórdico.
Eram eles o sueco Olof Palme, o dinamarquês Anker Joergensen, o norueguês Trygve Brattelli e o anfitrião, Kalevi Sorsa. Todos sociais-democratas ansiosos por ter notícias do que se passava em Lisboa. Toma-se mais credível que ao insistir junto de Spínola na inevitabilidade da presença do Dr. Cunhal no Governo se estivesse ele próprio a tomar inevitável como sendo, na altura, o socialista e, provavelmente, o português mais bem credenciado para ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros, de que necessitava para se autopropulsionar internacionalmente.
Político comprovadamente astuto, sabia que em Portugal os próximos anos passariam pela vertente internacional e que o seu futuro político teria que passar pelas Necessidades. Também sabia que no Partido Socialista não existia na altura «um centavo» e que o controlo dos financiamentos representaria igualmente o controlo do partido.
Hoje há sondagens
Centro de Sondagens e Estudos de Opinião da Universidade Católica:
PS: 37% … PSD: 35% … BE: 11% … CDU: 8% … CDS-PP: 6%
Marktest:
PS: 35% … PSD: 32% … BE: 16% … CDU: 7% … CDS-PP: 5%
Poemas com história: Canto da cela 10
Em Janeiro de 1965, envolvido na grande vaga de prisões que afectou estudantes e intelectuais das duas organizações clandestinas existentes – o Partido Comunista e a Frente de Acção Popular – fui preso e, antes de ir para a sede da polícia política onde, durante muitos dias, fui interrogado da forma que se sabe ou imagina, estive uns dias encarcerado na cela nº 10 do Aljube, num daqueles desumanos cárceres a que se chamava os «curros», celas estreitas e insalubres onde a luz filtrada através das grades e atravessando o corredor, era a única coisa agradável que acontecia. Quando, três meses depois, fui libertado, a recordação daqueles dias num «curro» do Aljube (que nem foram os piores…), ditou-me este texto que depois publiquei em A Voz e o Sangue. De notar, e não me canso de insistir neste tópico, que a Liberdade que invoco não é esta que vivemos – muito feita de «liberdades» – mas sim aquela que, há mais de 40 anos, eu e muitos sonhávamos alcançar.
Canto da cela 10
Este esquife de pedra e de aço em que viajo,
onde navego as horas e as constelações do ódio,
é uma cela imóvel plantada no coração do medo.
Um manto de argamassa e ferro cobre a minha voz.
Não mais a mordaça invisível da falsa liberdade
que ante o Sol floresce impudicamente: agora
a voz abafada por sucessivas grades e paredes,
submersa sob este céu de estuque, sem estrelas;
agora, esta feia gaiola pintada de desespero,
em cujo dorso vai cravada a aranha possessiva
da lâmpada gradeada sempre acesa sobre a porta,
feroz sentinela da noite eterna. E, todavia,
para lá das grades, do corredor, do carcereiro,
a minha face adivinha o hálito fresco da madrugada
e eu navego a madrugada sobre o meu bailique,
sobre este corcel rescendente a suor e a sangue.
Durante as refeições abrem a porta e eu vejo
uma estreita fatia da janela do corredor:
são cinco grades de sé e três de céu
e estes são os melhores momentos do dia.
De pé, como a sopa do estado e olho a catedral –
– tive sorte – fiquei em frente a uma bela rosácea
(o quotidiano de um preso constrói-se
de factos humildes e pequenos).
Na parede cinzenta tatuaram um camelo sem pernas,
Um perfil de mulher com longos cabelos,
Uma estrela, nomes e riscos, muitos riscos,
sulcos no tempo, dias rasgados a golpes de solidão
pelos muitos camaradas que já aqui estiveram
e deixaram a sua passagem impressa nas paredes,
no chão, nas mantas e no ar, neste odor,
escandindo angústia e dolorosa expectativa.
Já não olho a parede – conheço-a de cor –
gasto as horas passeando nestas estreitas tábuas,
quatro metros para lá, quatro metros para cá.
Lá fora
passam eléctricos e os pombos rufam as asas.
………………………………………………………
À noite a prisão é um corpo pétreo, mas que pulsa,
As suas velhas empenas vibram sob os nossos dedos,
levam e trazem palavras fraternas.
Com o amor com que Ísis juntou o corpo de Osíris
disperso ao vento, junto letra a letra
uma mensagem que palpita aos meus ouvidos
– coragem companheiro – coragem companheiro.
Ah Companheiros,
nem a pedra e o aço conseguem esmagar as nossas vozes,
elas virão um dia como um rio impetuoso e forte
rasgar a noite em que as querem aprisionar,
destruir as grades da tirania, a opressão
e a crueldade – tudo isto derrubarão
na corrida para o seu oceano – a Liberdade.
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