A Carla tem inquietações. É culta e delicada não podia deixar de as ter. Mas está a partir de um principio errado, que os vintes são a melhor fase da vida. Não são, ou podem não ser.
Nós, os que levamos com vinte e cinco anos de fascismo, percebemos isso muito bem. Até aos dezasseis/dezassete era igual, com as percebidas diferenças, mas que não contam para quem está dentro desse processo. A partir daí era um inferno!
Queres estudar? Não podes. A maioria porque os pais não tinham possibilidades financeiras e porque, fascimo nunca mais, tudo era feito para que os jovens das classes trabalhadoras não acedessem ao ensino. Desde logo porque não havia escolas e muito menos universidades. Saída? Abandonar a casa dos pais e arribar a Lisboa, Porto ou Coimbra. Como não havia dinheiro, trabalhar de dia e estudar à noite.
Mal se despertava no ambiente mais despoeirado da universidade, e sempre com o cutelo da guerra sobre o pescoço, aí estava a vida militar. Perder quatro anos num ambiente inenarrável, de despotismo, injustiça e pobreza. Quando davamos por ela, estavamos aos vinte e cinco anos, a tirar cadeiras umas atrás das outras, sentados à mesa do Palladium até às duas da manhã. Namoradas, nem pensar .Cinema, sábados e era quando era. Livros, depois de quatro/cinco horas de estudo não havia vontade, desporto, subir e descer o Chiado para ir para as aulas.
Trinta anos ou perto disso, com o curso acabado, choviam os convites para emprego. Com sorte, teríamos alguem a dizer-nos ,é pá, vai para o estrangeiro, conhece outro mundo, diverte-te. Mas o que tínhamos era pais, que toda a vida tinham vivido mal a quererem, para descansar um bocadinho, no fim da vida, ver-nos na Função pública ou num banco. Para toda a vida!
Entrados na trituradora do ganhar dinheiro, ter o primeiro carro, a casa, a televisão, o frigorífico, as férias…e metade dos amigos já casavam, fartos de quartos de estudante em que só se dormia, aparecia a menina que tinha como objectivo casar, sair de casa dos pais, enfim, a vida se calhar ainda era mais dificil para elas.
Filhos, a escola, cheirar os lápis todos os anos no ínicio do ano lectivo, e estamos nos quarenta. Os putos já estão crescidinhos, vamos agora namorar, passear, conhecer mundo que só conhecemos em infinitas reuniões de trabalho. É o passaporte para o divórcio, para as namoradas em fila, dormir com uma diferente dia sim dia não. Acordamos aos cincoenta, uns com as primeira doenças outros, porque têm a lucidez de perceber que nunca serão milionários e o melhor é começar a ter tempo. Tempo!
Agora, aos sessenta, começo a sentir uma vaga sensação que o caminho se vai estreitando, olho em volta e vejo amigos a morrer ou muito doentes, a comerem desalmadamente e a beberem outro tanto, mulheres, arreda que só chateiam e o viagra é caro, e eis-me aqui devotado ao Aventar!
Minha caríssima Carla, bons, bons são os que aí vêm!
Um bom retrato da minha geração… Palladium nos Restauradores? Havia por lá um restaurante de comida vegetariana onde costumava ir…
palladium, nos restauradores, ainda lá está agora bem diferente…
a minha época do palladium andou por aí entre 1978/89 … era ponto de encontro social com gente da CMSeixal. Tenho passado por lá mas nunca mais entrei
Eu andei por lá dez anos anos antes.Duas da manhã ía ao come e bebe (ainda lá está na Rua do Coliseu) cear e depois a pé para o Largo do Chile onde tinha o quarto. Nada feliz…
Amigo Luís, o teu texto é um retrato muito bonito. Queria só dizer-te que não acho nada que os vintes sejam a melhor fase da vida, apenas reconheço em mim e em outros uma nostalgia pelas etapas que se vão encerrando, mas isso não me impede de, como digo no final, receber de braços abertos o futuro. Um abraço
É verdade, essa nostalgia é real.Sente-se com o passar do tempo.Abraço