Austeridade…

As debilidades estruturais da economia portuguesa foram agravadas de forma incontornável (independentemente dos argumentos demagógicos de uma oposição que insiste em reduzir o problema a um único culpado, a saber, o Governo), primeiro pela crise financeira internacional que deflagrou no Verão de 2009 e depois por uma das suas mais abrangentes sequelas políticas, ou seja, pela actual crise do Euro. Por isso, o reforço do PEC e o anúncio das medidas de austeridade que ontem foram divulgadas e explicadas ao país, não surpreendeu ninguém, sendo aliás, de registar que a maior parte dos cidadãos estava já preparada para receber piores notícias designadamente porque, tal como já acontecera relativamente ao contributo que a comunicação social portuguesa deu para a dimensão assumida pela especulação dos mercados que, abusivamente e perigosamente, acentuou a comparação nacional com a grega, desta vez, também, não faltaram vozes a criar o pânico, salientando hipóteses que, felizmente!, não chegaram a concretizar-se – pelo menos nos moldes em que chegaram a ser apresentadas: cortes brutais nos subsídios de desemprego, retenção dos subsídios de férias e de Natal, etc., etc., etc.. E se é certo que todo o agravamento fiscal e todas as medidas de austeridade são negativas para o poder de compra dos cidadãos e se algumas das medidas anunciadas poderiam ter sido preparadas de forma mais cuidada (é o caso da revisão das listas do IVA no escalão dos 5%), não deixa de ser verdade que as medidas pelas quais o Governo optou, com o apoio do PSD, denotam uma preocupação de equidade social que se requer a um estado democrático que se não rege pelo neo-liberalismo económico cego. Sendo um facto que a recuperação económica do país e o crescimento da riqueza dependem da revitalização do sistema produtivo nacional (como dizem quer Jerónimo de Sousa-PCP, quer António Costa-PS), a urgência da resposta aos mercados para efeitos de liquidez para a gestão corrente da vida nacional dependia agora da adopção de medidas imediatas cujos cálculos podemos considerar ponderados, face à calamitosa percepção e representação da economia nesse contexto comunitário e global de que é, neste momento, impossível, alhearmo-nos. Para além dos sinais que a redução salarial de políticos e gestores evidencia, o facto é que o aumento do IVA ficou por 1% (e não para 2% como se pensou), o aumento de IRS não afecta os salários mínimos e sobe 1% para salários que rondem os 2.375 e 1.5% para os que transcendem este valor e o do IRC cobra com maior proporcionalidade os rendimentos mais volumosos. Esperemos que o resultado previsto não encontre mais escolhos pelo caminho e que, daqui a 18 meses (final de 2011), possamos voltar a respirar um pouco mais serenamente. Até lá, a contestação social é previsível, justa e, reconheça-se!, necessária para que as populações europeias emitam sinal de que a Economia, o Estado e a Europa Social são o projecto político a que continuam veiculados!… contudo, seria útil que as forças contestatárias (sindicatos, partidos e organizações cívicas) mantivessem o discernimento e não fizessem do Governo o seu único bode expiatório, perdendo a oportunidade de se manifestarem como uma força política que a União Europeia deve ter em consideração a título de parceria privilegiada, designadamente no que se refere ao previsível reforço do seu carácter federal.

Comments

  1. Luís Moreira says:

    Ana Paula, só a meio é que percebi que texto tão bem elaborado é mesmo o que procuravamos! Não coloquei o meu a seguir para atenuar…:-)

  2. Ana Paula Fitas says:

    Um grande abraço, Luís 🙂
    … felizmente, agora já está “como deve ser”!!!
    Obrigado 🙂

  3. Carlos Fonseca says:

    Ana, de todo o texto, realço a ideia de que, sem crescimento económico ou, se quiser, aumento do rendimento nacional através da capacidade produtiva, os problemas estruturais não ficarão resolvidos. É demasiado óbvio, mas parece que entendido por poucos.

  4. Ana Paula Fitas says:

    Obrigado, Carlos 🙂
    Tem toda a razão em realçar essa ideia! De facto, enquanto a prioridade não fôr o investimento concertado no aumento da nossa capacidade produtiva, continuaremos a resolver, caso a caso, as sucessivas crises que continuarão a acontecer até que haja uma estrutura capaz de as absorver, respondendo-lhes com as mais-valias dessa produção interna… mas, como bem diz, a ideia é de difícil entendimento para quem integra o sistema político com uma visão que se reduz ao jogo dos pares, sem cuidar da estruturação endógena – e esse é, talvez o mais grave dos problemas com que nos deparamos no país e com que se confronta (ainda que o não assuma)
    a própria União Europeia… até quando podem as economias resistir é a questão que se nos coloca e a que futuro dará, inexoravelmente, a resposta crua da História.
    Um abraço 🙂