(Acho que é de transcrever)
Sua Santidade
Miguel Sousa Tavares (www.expresso.pt)
0:00 Quinta-feira, 22 de Abril de 2010
Há uma imagem, um momento, um instante decisivo na vida de Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, que me marcou e que nunca esqueci: é o instante em que ele, acabado de ser eleito Papa da cristandade, faz a tradicional aparição à janela do Vaticano e saúda os fiéis reunidos na praça à espera do fumo branco e perante as televisões do mundo inteiro. Como toda a gente, eu conhecia um pouco do percurso do cardeal Ratzinger: sabia que era tido como um eminente teólogo e tinha sido a face exposta da facção ultraconservadora e dogmática da Igreja Católica, à frente da Congregação para a Doutrina e a Fé, a sucedânea moderna da Santa Inquisição. Pelo meu olhar alheio, Ratzinger tinha feito o “trabalho sujo” de João Paulo II, chamando a si o ónus das posições igualmente conservadoras do Papa Woytila, condenando ao silêncio os padres da Teologia da Libertação e os que representavam a Igreja herdeira do Vaticano II e, inversamente, protegendo os dissidentes da ultradireita católica – até se chegar à inimaginável canonização do fundador do Opus Dei, o espanhol Escrivá de Balaguer. O mundo via Woytila como um santo e Ratzinger como o seu indispensável Rasputine. Concedo que a visão fosse redutora e simplista e que as coisas, necessariamente, fossem menos evidentes ou menos simples do que isso. Mas essa era a imagem que passava e nunca pensei que a escolha do sucessor do papa polaco (que, em minha alheia e indiferente opinião, fez a Igreja recuar cinquenta anos) pudesse vir a ser o homem que representava uma facção extremada da Igreja. Achei que, depois de Woytila – um produto dos tempos finais da Guerra Fria (e que alguns historiadores insinuam que foi levado ao poder por Reagan e pela CIA) – a Igreja Católica, dividida entre várias facções opostas e representando realidades diferentes, quereria alguém que fosse um conciliador, um unificador de divergências. Ou, então, alguém radicalmente diferente, mais novo, vindo de África ou da América Latina – onde a Igreja enfrenta os seus maiores desafios – e que fosse capaz de enfrentar questões novas e ter um discurso novo e mobilizador. Mas, não: a sábia escolha dos cardeais recaiu num alemão, representante do conservadorismo, da tradição e da intransigência. Que, uma vez ungido e sentado na cadeira de S. Pedro, passou logo, como é suposto, a emanar a bondade divina e a sabedoria etérea: esse é um dos tais “mistérios da fé”, em que a doutrina católica é pródiga. [Read more…]
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