Vivemos num mundo a abarrotar de gente manienta. Decidi encerrar o assunto de um post que resvalou para a esperada polémica digna de mesa de tasca, com estas considerações finais. E mais lá não voltarei. Não vale a pena.
“Relevando dichotes acerca da sanidade mental daqueles com quem tem esgrimido argumentos, deixo-lhes umas breves e derradeiras notas, encerrando este triste aniversário atómico, que pelo que parece, é susceptível de relativização. O senhor faz exactamente aquilo que o Kremlin fez em 1985, quando escondeu do mundo e do seu próprio povo, o colossal desastre de Chernobyl. O senhor faz precisamente aquilo que o Kremlin fez, quando exterminou milhões de ucranianos pela fome e pelos pelotões de fuzilamento, pretendendo que tudo se passou devido aos “condicionalismos de guerra”. O senhor passa assim uma carta em branco, à dinamitação das provas que um pouco por todo o Ocidente – Reich incluído -, eliminavam os resíduos de actos criminosos perpetrados contra uma massa imensa de gente que dentro do bolso, tinha a identificação que correspondia ao que designamos por Europa: alemães, polacos, russos, franceses, espanhóis, italianos, húngaros, holandeses, ingleses, checos, etc, etc.
Tudo relativo, não será assim?
O senhor Licas, do alto do seu pedestal ad-hoc, considera a infâmia, como “guerra é guerra”. Durante anos e na própria Alemanha, houve quem metesse uma bala na cabeça por tudo aquilo que via. Não eram “comunas”, judeus ou “criaturas anti-sociais”, mas sim, antigos oficiais do Kaiser, medalhados várias vezes com a Cruz de Ferro, membros de grupos que há gerações consistiam na elite da Prússia e do império, e que conheciam os campos de batalha desde os tempos de Frederico o Grande. Eram eles, a velha Alemanha dos grandes nomes militares, da cultura, dos prémios internacionais.
Se o senhor quiser transplantar esse relativismo para o solo da nossa pátria – hoje em dia, palavra quase proibida -, digo-lhe desde já que não aceito a relativização do crime que é deixado impune, devido aos “acasos” da história, sempre mal contada. Rejeito a “inevitabilidade” do Regicídio, que nos privou de um homem sábio, bom e patriota, ao mesmo tempo que liquidou as possibilidades de um século de tranquilidade e de normal progresso constitucional. Rejeito a inevitabilidade de um 5 de Outubro que fez cair por terra 80 anos de um parlamentarismo conturbado, mas que nos garantiu as grandes reformas da modernidade. Rejeito a inevitabilidade de 16 anos de caos, miséria, ditadura da rua, prepotência e crime desordeiro. Rejeito a inevitabilidade de meio século de autoritarismo que fez desabrochar entre nós, aqueles instintos básicos de sobrevivência e que hoje, quase duas gerações decorridas, oferecem a Portugal uma classe dirigente miserável, tacanha e própria de salteadores de estrada da baixa Idade Média. É este relativismo que oblitera o básico sentido da decência – mesmo para com os mais feros inimigos – e que torna impossível o diálogo com quem não quer ver e se ensimesma na desculpa da maldade bestial.
Todo o arrazoado em torno da capitulação do Japão, cai por terra. O país aceitou a Declaração de Potsdam – já a leu? – mas sob uma condição. É este mas, aquilo que diferencia o fim da guerra do Pacífico, daquela outra que ocorreu no ocidente. A “rendição incondicional”, afinal não o foi, pois Hiro-Hito, o pai do actual soberano japonês, limitou-se a declarar:
“Continuar a guerra só poderia ter como efeito o aniquilamento do povo japonês e o arrastar dos sofrimentos de toda a humanidade”. Desta forma, o imperador dizia ao Conselho de Guerra, que chegara a altura do Japão …”suportar o insuportável”.
Assim, foi enviada às missões japonesas e na Suíça e na Suécia – não a Portugal, devido ao conflito relativamente a Timor -, a seguinte mensagem:
“O governo japonês está pronto a aceitar os termos da Declaração Conjunta emitida em Potsdam, no dia 26 de Julho de 1945, pelos chefes dos governos dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e China, e mais tarde, subscrita pelo governo soviético, na convicção de que os termos da Declaração em causa não incluem qualquer exigência que prejudique as prerrogativas de Sua Majestade como autoridade soberana”.
De facto, o Japão não se rendeu incondicionalmente. Pelo contrário, os vencedores acataram a evidência de uma situação da qual os vencidos não abriram a mão. É o Japão de hoje. Ponto final.
Os Aliados tiveram de ceder, devido à ameaça de uma inenarrável sangueira que se avizinhava, com ou sem bombas atómicas. É que, tal como em 1918, os vencidos ainda detinham uma enorme massa de territórios sob o seu controlo, que iam desde a Coreia a toda a Indochina, grande parte da Malásia, Tailândia, etc. Tal como em 1918 o Kaiser decidira abandonar a luta e poupar o seu Reich aos horrores da ocupação, destruição física e patrimonial, Hiro Hito detinha aquele poder histórico – que por vezes se materializa em momentos essenciais – que liquidou as quimeras de uns tantos generais e militares que as apoiavam, na ilusão de um derradeiro “ataque banzai”. Umas frases fizeram toda a diferença. A sua voz, pela primeira transmitida pela rádio, fez ver à população a necessidade de acatar a razão e no campo inimigo, os americanos compreenderam onde estava – e está! – o verdadeiro poder. Muitos anos mais tarde, numa noite de golpe de Estado em Madrid – o 11 de Fevereiro – umas tantas palavras transmitidas por João Carlos na TVE, desfaziam as veleidades daqueles que detinham o prepotente poder das armas. Quem não quiser compreender o valor dos símbolos, então que se informe. E isto se assim o quiserem, pois no fundo, a rejeição cega nada muda as coisas, nem os factos na sua essência.
Creio não valer a pena tentarmos usar qualquer tipo de argumentos que reforcem a mera racionalidade. É que no ser humano, existe um inato sentido daquilo que é a crueldade no seu estado mais primário, que apensa ao fervor sectário, se transforma na militância de causas indefensáveis. Assim, deixo apenas as palavras escritas Keneth Harrison, um prisioneiro de guerra australiano que estando no Japão na hora final do conflito, passeou, já livre, nas ruínas de Hiroxima:
“A realidade, era a rapariga com o rosto cheio de cicatrizes que passou por nós, baixando os olhos. E o sem fim de pessoas que se cruzavam connosco, desanimadas e inertes; as pessoas feridas; as pessoas queimadas, as pessoas apáticas. As pessoas que nunca nos mostraram o menor sinal de hostilidade ou ressentimento. Perante aquela tragédia enorme que nos deprimia e assombrava para além do que as palavras sabem dizer, decidimos partir de Hiroxima nesse mesmo dia. Pouco havia que nos retivesse ali; nada para ver; nenhum lugar onde ficar; nada para comer; nada para beber (…) Felizmente para a nossa tranquilidade de espírito, nada sabíamos acerca dos requintes da idade nuclear, do tipo de doenças devidas às radiações e assim por diante, e embora de vez quando reparássemos numa estátua ou numa peça de metal estranhamente fundidas, que nos suscitavam um segundo olhar, não trouxemos connosco qualquer recordação. Não se saqueia um túmulo”.
Não me parece que esses exemplos venham a propósito: bastava o Imperador (de um Império
que deixou um rasto de sangue por todo o Extremo Oriente pelos fins dos anos 30, princípio dos 40) ter emitdo a capitulação quando foi avisado que a Bomba iria ser lançada para que fosse evitado o massacre.
É que, na sua lógica, a não inclusão a o que,
nós, Portugueses, fizémos na Guerra Colonial , também nos envergonha.
E não me venha dizer que foi obra apenas dos
Fascistas de Salazar. Na verdade todo o Povo Português se constitui réu, todo.
Voltado à Bomba-A . Qualquer pessoa que não seja um * anti-americano primário * concordará que não há exemplo na História de um País em guerra que não use e todas as armas que possui para castigar o inimigo.
(Suponha apenas que Hitler a teria conseguido primero que os Americanos e, uma vez arrumado a seu favor a emprestaria ao seu aliado Hirohito. . .