Lettres de Paris #34

On prend le pied de Montaigne

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et la force serait avec nous… é o que se diz do hábito de tocar no pé da estátua, bastante descontraída por sinal, como já vos contei outro dia, de Montaigne na Place Paul-Painlevé, mesmo ao lado da livraria Compagnie e mesmo em frente a uma das entradas da Sorbonne. Já tinha reparado várias vezes no extraordinariamente dourado pé esquerdo de Montaigne, estátua, mas só hoje me lembrei de indagar porquê. Afinal é um ritual semelhante a muitos outros, em várias cidades do mundo (assim de repente lembro-me da estátua de St John of Nepomuk na Charles Bridge em Praga ou o pé esquerdo de um dos santos da Catedral de Santiago de Compostela).
 
Tocar o pé esquerdo da estátua de Montaigne é assim um ritual conhecido pelos muitos estudantes que povoam o Quartier Latin. Aprendi isto hoje, depois de pesquisar no google. Parece que para passar exames, orais, concursos, etc, devem os estudantes ou candidatos acariciar o pé de Montaigne e saudá-lo, quer dizer, saudar a estátua, não o pé, bem entendido. Diz-se que a superstição se estende a todos os tipos de votos. Amanhã experimento. Aliás, poderei experimentar todos os dias que aqui estiver. Já tenho por hábito dizer interiormente ‘Bonjour Monsieur Montaigne’ quando passo pela interessante estátua de Paul Landowski, por isso basta-me a partir de hoje acariciar-lhe o pé e formular um qualquer desejo. Não é que tenha muitos, mas hei-de seguramente descobrir alguns. Depois vos contarei se deu resultado o ritual.
De maneira que hoje, como quase todos os dias passei diante da estátua de Montaigne, na Rue des Écoles, vinda da Rue de l’École de Médecine onde passei pela Patisserie Viennoise onde ontem lanchei com a Fabienne. Passei igualmente pela casa onde nasceu Sarah Bernhardt, a glória do teatro de França e depois pelo Cinema Le Champo que, por estes dias, não tem tido nenhum filme que eu não tenha já visto. A ver se a programação muda, preciso de ir ao cinema. Fui depois pelo caminho do costume para o Ladyss, admirando as árvores e as cores do outono, quase inverno, de Paris. Muitas das árvores estão já quase despidas de folhas e daqui a nada, Paris será mais cinzento. Também tem o seu encanto, o cinzento de vidro de Paris. Há dois, quase três anos, quando estive aqui em janeiro, nunca se viu o sol. Desta vez tenho tido imensa sorte. Têm estado muitos dias de sol. Esta semana, até ver, céus muito azuis, apesar do frio. Acabei finalmente uma apresentação que me ocupou três dias e meio. E assim mesmo não estou convencida. Mas já decidi que está acabada. Tenho outras coisas por fazer e, por 10 minutos de conversa, não me parece que deva perder mais tempo. Comecei um resumo alargado para uma conferência que ainda não acabei. Ás vezes acho que o calor dos edifícios me deixa mais lenta. Faz-se o que se pode. Mas hei-de tocar no pé esquerdo da estátua de Montaigne para me dar mais rapidez aqui em Paris, mesmo apesar da moleza que me faz o calor dentro das casas.
 
Saí um bocadinho antes das oito da noite. Estava mais ou menos o mesmo frio que quando cheguei. Voltei a reparar que alguém tinha metido dois pares de sapatos velhos, não no pé esquerdo e dourado de Montaigne, mas entre as pernas da estátua de Claude Bernard, em frente à entrada principal do Collège de France. Percorri o mesmo caminho da ida, mas só até ao Boulevard Saint-Michel, onde virei à direita. Antes ainda fiquei um bocadinho a contemplar as montras carregadinhas de natal e de livros bonitos da Compagnie. De manhã tinha namorado dois livros na Livrarie La Sorbonne. Não eram caros. Mas penso sempre no peso a mais que representarão quando tiver de me ir embora. Talvez os compre amanhã ou noutro dia qualquer. Na Maison Suger fiz o jantar, jantei. Vi as notícias na televisão.
 
Parece que François Hollande não será candidato à sua própria sucessão. Da esquerda à direita, os comentadores e convidados do programa, aplaudem a decisão. Uns porque foi corajoso, outros porque foi medroso. Talvez no meio esteja a verdade. Eu creio que a verdade da renúncia de Hollande em recandidatar-se está nos resultados paupérrimos que obteve nas sondagens e nos impressionantes resultados que o seu primeiro ministro atual – Manuel Valls – tem alcançado nessas mesmas sondagens. Ainda não foram as primárias ‘da esquerda’, creio que Valls estará bem posicionado. Nas primárias da direita Fillon ultrapassou completamente Juppé e destruiu todas as esperanças de Sarkozy. É um sistema interessante, este. Embora eu tenha algumas dificuldades em o acompanhar. Sarkozy estava, há uns dias, inconsolável. Tal como hoje estava grave e sério e comovido François Hollande ao anunciar que não seria candidato às eleições de 2017. Um e outro devem ter-se esquecido de convocar a força de Montaigne, esfregando-lhe o pé esquerdo.

 

 

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