Place de Contrescarpe
Encontrava-me num café de Paris
na Place de Contrescarpe
onde Edith Piaf (un petit oiseau)
iniciara a sua carreira
como cantora de rua.
Eu sonhava…
nessa altura não era proibido sonhar
era obrigatório sonhar.
À medida que a luz da manhã crescia
insubstancial e fria
eu descia a Rue Mouffetard.
À minha direita descia Tchaikovsky
à minha esquerda subia Van Gogh.
Ambos madrugavam
suas inquietas e inflamadas personalidades
nessa horizontal e fresca manhã
do século dezanove.
Bonjour Monsieur Van Gogh.
Bonjour Monsieur Pyotr Ilich.
Bom dia rapaziada
disse eu.
Une merde! Une merde!
cochicharam os dois.
Sorridente e feliz
segui o meu caminho para a Salpétrière.
Estávamos nos primórdios da ecocardiografia
debatia-se a soberania
da famosa vertente E-F da válvula mitral.
A melodia e a cor
entraram em mim
pela mão da ciência.
Para lá do frio academismo
ciência e poesia confundem-se.
A chama da poesia
acende os dedos da paixão
onde mora o brilho da inspiração
na conquista da harmonia
a caminho do horizonte.
Ciência sem poesia
é violino sem alma.
Disto nada entendiam
nem Van Gogh nem Tchaikovsky.
Na entrada do anfiteatro
um busto holográfico de Hipócrates
falava-nos mansamente.
A mim
piscou-me o olho e disse-me
por entre dentes
Mon fils, la vie c’est le chemin
vers la rencontre de nous-mêmes.
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