A mulher que amanha o peixe
Sempre que a vejo no supermercado onde vou, reconheço que não é por acaso. Muito bonita a mulher que amanha o peixe – não sei se amanha se amanhece! -.
Rosto combatido, dorido, olhar sofrido e manso, não sei o que faz desta mulher um poema, se os olhos negros e fundos, se o desenho rasgado da face, se um gesto brusco da natureza revoltada de cansaço.
Um vale profundo entre o cá e o lá, banca de peixe, mar imenso, mar morto, do outro lado um peixe vivo no céu tocando o mar, estripando com mãos invisíveis, entre lágrimas e sangues, as entranhas da vida nas elegâncias difíceis dos plásticos cobertos de escamas.
Passos molhados, encharcados, pesados, cheirando a algas, ondas de tempestade no lindo rosto marcadas pela ânsia de voar. Com tantos apetrechos de borracha, botas altas, luvas e avental, não sou capaz de adivinhar o corpo que tem por baixo, nem quero que aconteça o tal.
A mulher é segredo, a mulher é sonho, sonho de si mesma no olhar dos outros, sonho de ventre liso crescente de imensidão, fonte de pão e de leite, eternidade e sorriso, dança de movimento para além das formas e da imaginação.
Trepadeira de vida e de morte, olhos que se abrem no céu e repousam no mar, mãos de todas as direcções, ainda que vestidas de plástico amanhando o peixe.
Não sei se é casada ou mãe, se é tudo ou nada no reduto escasso do dia-a-dia, nem me interessa. Bastam-me os olhos infinitos, a boca seca de beijos, a dor-desenho dos lábios, a doçura-criança que não cresceu por falta de uso, tempo e espaço.
O corpo desta mulher está na face, oculta e sedenta, na ânsia fervente do impulso, na mais íntima agitação do mundo e da dimensão que pode caber numa banca de peixe.
Difícil acertar ideias e olhares quando só olhares fazem ideias…enfeita-se a beleza desta forma estranha criando beleza no amanhar do peixe.
Cruel seria descobri-la a dançar, pesadamente etérea e volátil nos salões de púrpura da mulher vulgar, entre rendas e espumas que não são espuma do mar.
Como sempre, tenho de dizer até amanhã, sou forçado a serenar as ondas, a desnavegar meu barco.
Muito obrigado. Não tem de quê. Você é das mulheres mais lindas que já vi.
Muito amável, um exagero…faça o senhor o resto das compras e depois passe por cá.
Buscar o peixe…ou voltar a vê-la?
Sei lá!
Adão, eu não sou homem de boatos, mas só vejo esta beleza de textos na pena de homens apaixonados.
Ó Adão, cuidado!
Pela boca morre o peixe.
Estás pelo beicinho…
Olha o anzol!
seja como for, se eu fosse a ti passava mesmo.
eu era a toda a hora. Outra hipótese é armares uma tenda à porta do mercado e acampares, só peixinho fresco para ti e flores para ela, são anos de vida. Olha o Pintinho, a forma dele…
Vocês são todos uns piadéticos! Já um gajo não pode ser puro e angélico.
Adão, podes ser puro e angélico, mas eu, tal como diz a Carla, comprava todos os dias peixe…faz bem ao coração, e dizem que uma sessão de amor “platónico” liberta secrecções ao nível do aparelho “parasimpático” e “muscular central”. que diminui em 30% a hipótese de um ataque cardíaco. Vai por mim…
Mas olha que eu não estou a brincar, Adão, nem a ser brejeira.
Bonito elogio à mulher que … amanha o peixe
será que o autor do post vai passar a doente cronico do coração. achei o máximo
Não é nada de deitar fora o sensato conselho do Luis, mas não seria peixe a mais?
Adão, para já não há como ver se é a mais ou a menos. É essa a graciosa incerteza do amor…