escritores chilenos – Eduardo Barrios

os livros de este autor ensinaram-me o que eu ainda não sabia

Eduardo Barrios na sua juventude de trinta anos, 1914

Pouco ou quase nada se sabe dos escritores chilenos. Mencionam-se Pablo Neruda, Gabriela Mistral e acabou, como se no Chile não houvesse mais escritores, pessoas dedicadas às letras para compensar essa distância entre as metrópoles da escrita. É um país tão longínquo, tão austral, que as dificuldades de sair são compensadas por romances a partir de leituras feitas em casa, com muita imaginação sobre o que acontece na terra, especialmente narrativas sobre as famílias, descritas com eloquência e

na terra, especialmente narrativas sobre as famílias, descritas com eloquência e vivacidade. Infelizmente, diria eu, dentro da sua própria terra mal se podem sustentar com os seus livros, publicações e direitos de autor. É evidente que me refiro à época em que encontrar trabalho no Chile, era um duelo de Titãs. Ou se tinha fortuna pessoal ou família com terras que produziam bens vendidos como mercadoria, o que permitia certas distracções, como a música, a poesia e a escrita dentro de uma família alargada, em que todos colaboravam na produção. Como era o caso do nosso parente e amigo Luís Alcayaga Petit, proprietário de uma Dañiqualqui, palavra mapudungun que significa terra rica e imensa. Terra que produzia vinho, frutas e toneladas de trigo. Tanto dinheiro, que se permitia escrever memórias, pagar a edição e a distribuição. Ou o tio directo, com dez mil hectares de terra que, nos tempos vagos, escrevia poesia, sem nunca a publicar. De tudo isto usufrui enquanto morei no Chile. Porém, com quarenta e cinco anos de vivência fora do país e sem mais herança que o meu ordenado, a vida mudou redondamente.

Após o assassinato do Presidente do Chile, Salvador Allende, surge uma nova vaga de escritores, autores de mais-valia conhecidos no mundo inteiro, como Isabel Allende, de quem já falámos, ou Luís Sepúlveda, escritor, realizador, jornalista e activista de nacionalidade chilena, nasceu em Ovalle, no Chile, a 4 de Outubro de 1949. Reside actualmente em Gijón, Espanha, depois de viver entre Hamburgo e Paris. A par dos supra mencionados, há também o historiador Gustavo Frias, que voltou ao Chile após exílio em Espanha e escreve a safa Tres nombres para Catalina, tendo já publicado o primeiro, Catrala, Alfaguara, 2001, e um segundo, La Doña de Campofrio, da mesma editora, em 2003, e com ansiedade aguardamos o terceiro volume sobre a Doña Catalina de los Ríos y Lisperquer, lavando assim a face da Quintrala que Magdalena Petit tão mal tratara no seu livro La Quintrala em 1932 e Hernán Rivera Letelier que de operário nas minas de nitrato do Chile, passa a ser escritor em exílio. Publica em 1994: La reina Isabel Cantaba Rancheras, Grupo Editorial Planeta, Santiago do Chile, que também edita Himno del Ángel parado em dos patas, 1996, Fatamorgana de amor com banda de música, 1998, Los trenes se van al purgatório, 2001 e Santa Maria de las flores negras. O conjunto da sua obra, para quem teve que escapar do Chile e morar no México e em Espanha, valeu-lhe a nomeação para cavaleiro da La orden de las Artes y la Letra do Ministério da Cultura de França.

O Chile tinha dinheiro e não escritores. Morar na casa da capital e passar os verões na fazenda, base da riqueza, para supervisionar o capataz que tratava da terra e dos trabalhadores. Ou entreter-se com as chamadas chinas na produção, não de livros mas sim, de orgasmos e filhos que, nesse tempo, eram denominados naturais e não podiam usar o nome do pai. Como o pai do meu pai, homem culto, com muita terra e boa música para ouvir e apenas um filho legal, criado pela sua madrasta, após ter falecido a nossa avó aos dois anos de nascimento do nosso pai. Casa com uma imensa biblioteca e uma segunda mulher que fiscalizava e controlava tudo: a ele e aos hábitos do seu filho adoptivo. Não escreviam, produziam vinho ou…filhos ilegítimos, como narram Eduardo Barrios e Isabel Allende, escritores a sério.

É evidente que a vida dos escritores tem mudado. Hoje em dia podem viver da sua própria produção. Aliás, para ser um bom escritor latino-americano na Europa, ou se sabe escrever bem, com disciplina, assumida a actividade como uma profissão, que acorda o respeito e a leitura dos nossos e não apenas dos europeus. É mais do que evidente, que esse deambular entre as letras sem destino acabou e a escrita passa a ser uma profissão disciplinada, com investigação, hipótese e prova do que se diz, mais uma narrativa simpática como os livros de Hernán Rivera Letelier, quem aplica a disciplina do trabalho nas minas de nitrato de Antofagasta, à sua recente descoberta de aptidão para escrever.

Deve ter sido o caso de Eduardo Barrios, com a diferença de que eu fui deserdado por ser socialista, enquanto toda a família, excepto a minha irmã mais querida, usufruía e usufrui dos bens da família.

Eduardo Barrios teve uma vida azarada. Romancista chileno, educou-se em Lima. Ao regressar à sua aterra, começou uma carreira militar, sem a finalizar. A sua juventude foi uma aventura: foi traficante, artista de circo e andou em busca de minas de ouro.

Em 1909 começa a trabalhar na Universidade do Chile, sendo nomeado, em 1925, Conservador da Propriedade Intelectual da Biblioteca Nacional. Para encher o tacho de comida, trabalhou paralelamente como taquígrafo na Câmara de Deputados. Seguidamente, inicia-se no jornalismo, no diário La Mañana, e foi crítico de teatro na Revista Zig-Zag, colaborando também em diversas publicações literárias. Era evidente que o seu destino era ser escritor, e escritor passou a ser. Mas, precisava de trabalhos paralelos porque nas primeiras décadas do Século XX, escrever não rendia, como referi antes.

Em 1927 aceitou o cargo de Director de Bibliotecas. Durante um breve período assume o cargo de Ministro da Educação. Em 1953 voltou a desempenhar este cargo, conjuntamente ao de Director General de Bibliotecas, que manteve até ao dia da sua jubilação ou aposentação, em 1960.

Eduardo Barrios soube coordenar estas actividades com a escrita e a publicação de histórias, contos, romances e peças de teatro. Pelo conjunto da sua obra, obteve o Prémio Premio Nacional de Literatura em 1946, sendo assim admitido na Academia Chilena de la Lengua em 1953. Toda a sua produção literária é marcada pelas formas costumeiras da República, épica, descrições da natureza e de análise da classe média. O seu estilo caracteriza-se pela profunda análise psicológica de todas as situações e problemas do quotidiano.

Ficou conhecido cedo na vida, pelo seu livro Del natural (1907), conjunto de relatos de acentuado tono realista, que mostram claramente a sua ascendência zoliana, quer dizer, da literatura de Émile Zolá. Em 1915, publica El niño que enloqueció de amor, análise profunda da psicologia infantil. Os sentimentos e vivências da criança ficam, também, estampados no diário de vida da criança, que, em síntese, é o miolo do livro. A história acaba em tragédia, deixando o leitor envolvido com o jovem, passando a sentir uma profunda comoção pela sua desgraça de se namorar da sua mãe. Factos que acontecem na realidade da vida.

Gran Senhor e Rajadiablos, é um livro que narra as formas de desapreço de seres humanos que trabalham para outros, desde as violações das trabalhadoras até à exploração dos trabalhadores, tudo visto pelos olhos de uma criança que cresce e passa a ser velhaca como todos os seus antecessores proprietários. O caso de Eduardo Barrios demonstra que as saídas do país abrem o horizonte e a saudade da própria terra, acabando por enriquecer a escrita especialmente pela troca de impressões e experiências com outros escritores Livro considerado vil por certas pessoas, por delinear os costumes éticos, como o não pagamento aos trabalhadores e um imaginário fértil para narrar os amores da personagem central do livro, José Pedro e as suas aventuras na Hacienda de Melipilla. O Gran Senhor, vem da ideia de José Pedro passar de rapaz com amigos a homem casado e proprietário, enquanto Rajadiablos se referem às feitorias da sua mocidade de 20 anos com os seus amigos e às escapadelas, às escondidas da sua mulher Maribel, para ter outras. É quase uma tradição do Chile e de toda a América Latina, como narram os escritores, a procura de amantes para diversão nos tempos vagos passados com os amigos, a procura da infidelidade familiar, até se reconhecer que os anos passam, o desejo de seduzir acaba e aparece o Gran Senhor, o patrão que todos temiam e respeitavam especialmente porque no Chile, quanto mais velho, mais católico e cumpridor de ritos sagrados. Na juventude, José Pedro, não tem consciência, mas passados os quarenta anos, a sua vida tranquiliza-se e passa a ser o amante da sua mulher, após muitas corridas juvenis, todas elas de libido, comidas e bebidas É, sem dúvida, a autobiografia do autor, como soube ao ler a sua vida.

Foi o livro que me oferecera o meu pai nos meus quinze anos, para aprender as aldrabices que acontecem na vida quotidiana. Era esse livro que, com prudência, lia à minha mãe, saltando as partes obscuras, para a sua ética católica.

Ficamos, assim, a saber como é a vida do Chile costumeiro pelos textos de Eduardo Barrios. Bem como ficamos a saber mais da produção literária do Pais do Frio, Chili.

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