Acordo Ortográfico: consoante antes de consoante não se escreve

Continuando a vampirizar o trabalho de João Roque Dias, descobri a palavra “adeto” (por “adepto”), em dois textos, um dos quais ainda está disponível. Antes do chamado acordo ortográfico (AO90), nunca me apercebi da existência de tal erro.

Não tenho nada a acrescentar ao que já escrevi em textos anteriores acerca deste efeito provocado pelo AO90: a supressão imprevista (?) de consoantes articuladas. Limito-me a lamentar que sejamos um país dominado por gente medíocre e corrupta: num país a sério, uma reforma ortográfica teria sido verdadeiramente estudada e debatida. Em Portugal, ficámos com o AO90.

Comments

  1. Pergunta: “adeto” é erro, pré e pós-AO90; quando a consoante é efectivamente “dita” não desaparece, certo?

    Como é que é culpa do AO90 que a rapaziada não saiba as regras do mesmo?

    • António Fernando Nabais says:

      “Adeto” está sempre errado, antes e depois do AO90, evidentemente. No entanto, este erro não existia antes do AO (um dos erros mais comuns, pós-AO, é escrever “fato” quando se quer escrever “facto”). A culpa, é claro, não cabe exclusivamente ao AO90, mas o que está a acontecer foi antecipado por várias pessoas e desprezado pelos defensores: a importância da analogia (que se insinua de modo inconsciente) e as incoerências do AO90 contribuem para a criação de novos erros. O AO90 é demasiado inconsistente e as suas consequências não foram estudadas. Num país em que o ensino da língua materna não consegue estabilizar, a implantação desastrada de uma má reforma ortográfica só podia ter resultados negativos.

      • Considero-me esclarecido – afinal, sempre decorei correctamente as regras do AO90 (apesar de não as aplicar).

        De qualquer forma, parece-me um salto mental demasiado grande assacar ao dito acordo a responsabilidade pela ignorância alheia…

        • António Fernando Nabais says:

          Eu não dei esse salto mental: limitei-me a notar que o AO90, graças à sua inconsistência, contribuiu para criar erros que não existiam. Nada disso desresponsabiliza quem comete os erros.

  2. Ricardo Santos Pinto says:

    Só faltava vir este cromo.

  3. Antes de mais, declaro: não sou adepto do AO90, não o utilizo nem penso vir a utilizá-lo, ferem-me esteticamente algumas palavras sem as consoantes mudas. A prová.lo podem ler-se os
    meus textos no blogue http://divulgandobd.blogspot.com

    Mas verifico que há muita gente a atacar o dito cujo AO sem primeiro estudarem as regras. Ou seja: a crónica tendência do “fala-barato”.

    Como já sabe quem leu (minimamente, ao menos) as novas regras, a fonética tem a primazia. Se dizemos [fakto} é FACTO que escrevemos, se pronunciamos a consoante c em pacto, é PACTO que continuaremos a escrever. O mesmo acontece com adepto: se nós portugueses pronunciamos o p, porttanto é ADEPTO que deveremos escrever.
    Relvas, vai estudar! Mas não apenas ele!
    Geraldes Lino

    • António Fernando Nabais says:

      Antes de mais, declaro: ver um texto meu comentado pelo Geraldes Lino, sendo eu um amante de BD, é uma honra.
      Depois, na minha opinião, as razões para criticar o AO90 não podem estar limitadas a questões de gosto, por muitas equimoses estéticas que possa causar a cada um.
      Finalmente, não chego a perceber se chego a ser criticado ou não, mas parece-me que sim: se ler com atenção este e outros textos que publiquei, verificará que nunca afirmei que o AO estipula que deixem de se escrever consoantes pronunciadas. Limitei-me a afirmar que o surgimento destes erros deriva, também (repito: também), de uma reforma ortográfica deficiente e deficientemente implantada

    • Caro Geraldes Lino,
      é falso que o AO90 defenda a primazia fonética. Exemplo: Egito [Igito] (AO90) – uma evidente inconsistência. O sr. diz aquilo? Eu digo «Êgipeto» – a pronúncia correcta da palavra. E agora? Como devo eu escrever? De acordo com a minha pronúncia, ou de acordo com a do Malaca, que é inconsistente?
      Já agora, lembro-lhe que o AO90 mantém «egípcio», criando um exemplo completamente absurdo: egípcio a derivar de Egito!
      A primazia fonética, por si só, é perigosa por ser pessoal. Então os habitantes, de determinadas zonas do país, deveriam escrever «baca» em vez de vaca!
      Mas se se importa com o argumento fonético, as ditas consoantes mudas, também alteram a fonética, ao abrirem a vogal não tónica anterior. Ex: acção. Faça o favor de ler a palavra «ação» correctamente, e verá que terá de fechar o «a» senão terá 2 sílabas tónicas(!!!), pois nada, mas nada, nas regras da fonética portuguesa justificaria a sua abertura – a não ser o eliminado «c mudo»…
      Cumprimentos.

      • J.Silva says:

        Caro PCA;
        Se diz “Egipeto” quando quase todos os outros dizem “Egito”, acho que faz muito bem, tal como faz bem a senhora da limpeza lá no escritório quando diz “alimpar” e a minha vizinha do rés do chão quando diz “selada” (por salada).. O que nem o senhor nem a senhora da limpeza nem a minha vizinha dos rés do chão podem pedir é que os outros todos escrevam tais coisas, pela mesmíssima razão que não escrevermos “baca” porque alguns, e são até bastantes, leem “b” onde se escreve “v”. E fazem eles muito bem.

        Tb diz que não sabe como vai pronunciar corretamente “ação” agora que não tem c mudo em Portugal. Mas, como vai ver, é simples, basta que fala como fez empre fez para dizer “ilação” ou inflação”.

        De resto, tem razão, o AO não defende a primazia fonética, defende a primazia da etimologia simplificada, a mesma que presidiu à reforma ortográfica de 1911, em que, por erro de “especialistas”, ficou o pechisbeque etimológico mascarado de “muda diacrítica” como aqueles “c” mudos em “actuar” ou “tactear”

        Cumprimentos tb pra si.

        • O sr. Silva, não prima pela educação, e muito menos pela precisão, mas eu respondo-lhe.
          eu não escrevi que não sabia como se pronunciaria «ação».
          Eu descrevi o que acontece foneticamente se retirarmos o «c» mudo: o «a» fecha, de acordo com as regras da Fonética Portuguesa – que o AO90 não altera -, pois só há 1 sílaba tónica, por palavra – neste caso «ção».
          Se você não sabe algo de tão básico, vá estudar.
          Quanto a Egipto, é evidente que eu coloquei um «e» entre o «p» e o «t» para se perceber ao que me referia – apesar de não carregar como se o «e» lá estivesse -, pois poderia aparecer alguém que já nem saiba como aquela palavra se lê – e apareceu…
          O sr. erra ao dizer que as pessoas dizem «Egito». A maioria diz «Igito», tal como eu escrevi.
          Quanto ao AO90 defender a etimologia, é um absurdo, que eu ilustrei fazendo o contraste entre «Egito» e «egípcio», não fosse aparecer alguém, que achasse o contrário – e apareceu…
          Mas, como a explicação não chegou para essa pessoa, direi assim:
          um habitante do «Egito» é um «egício», como é evidente, pois nada justifica que se acrescente um «p» na 2ª palavra, por derivar da outra.
          Cumprimentos à sua vizinha do rés-do-chão.

          • O sr.Alves parece perceber muito sobre a má educação dos outros e pouco da sua. Os mal educados são assim mesmo.

            Vamos ao nosso assunto:
            É tão importante para a maioria de nós que o sr.Alves pronuncie um p mudo como o facto de a senhora da limpeza diga “alimpar”, isto é, ninguém irá escrever mal só porque vcs falam mal.

            A razão filológica que faz com que no Egito habitem egipcios é a mesma que faz que em Chipre habitem cipriotas ou em Guimarães habitem vimaranenses. O que se passa com o Egipto/egípcios é que para alguns o que é defeito no AO90 é virtude na norma imutável, perfeita e sagrada norma anterior ao AO.

            Quanto à sua incapacidade para ler ação com um ‘a’ pré tónico aberto, não a atribua ao AO; Mostrei-lhe que já hoje consegue pré tónicas abertas em inflação, ilação ou delação, pelo que também irá conseguir fazê-lo sem dificuldade quando ler ação.

            A ideia de que as mudas abrem pré tónicas é uma falácia. Os exemplos de palavras com pré tónicas abertas são muitos. Do mesmo modo, existem palavras com mudas que não abrem a átona anterior. Dei-lhe exemplos de tudo no meu comentário anterior.

            Concluindo, é uma questão de fazer aquilo que sugere aos outros: vá estudar.

    • Não conheço a legslação soviética sobre a imprensa. Nem a nazi. Nunca as li sequer. Uma coisa lhe posso dizer: adivinho-lhes o cariz e rejeito-as em bloco, como essencialmente criminosas. E rejeito este acordo que, essencialmente, consuma um crime de aculturação imposto por um estado com tiques totalitários.
      O espantoso é como isto não é uma evidência geral.

  4. Num país a sério não há reformas ortográficas e muito menos a mudar milhares e milhares de palavras. Isso é completamente impensável em qualquer país do 1º mundo.

  5. Tem razão. Esqueci-me que há uma excepção: não houve reformas ortográficas no 1º mundo EXCEPTO nos países que tiveram ditaduras. Os nazis tiveram uma reforma ortográfica em 1944 (talvez por isso, o nazi Waffen SS Gunther Grass tivesse apoiado a reforma mas recente – que, diga-se, nada é comparada com o crime de aculturação que constitui o denominado “acordo ortográfico”). De resto, a “reforma” portuguesa de 1911 foi ditatorial ( e maçónica, tal como hoje a imposição da ortografia brasileira) e ditatorial também o que se lhe seguiu aqui e no Brasil.
    Enfim, pelos vistos, nem a desnazificação da Alemanha foi perfeita, nem a democratização de Portugal está perto de ser satisfatória. Apenas a incompreensão do que é a democracia pode permitir que um governo ( o de cavaco) assine um documento, que se quer técnico, contra todos os pareceres que solicitou ( e depois escondeu!!!). E que depois tenha o despejo de falar nas “pressões no Brasil” para a imposição da ortografia daquele país, sem que ninguém lhe peça contas!
    Cabe ressalvar o Acordo do Castelhano, um digno documento que propõe a modificação da grafia de uma dúzia de palavras e resolve alguns problemas de nomenclatura.

  6. Sr. J. Silva, a forma como defende o AO90 é como se tivesse sido atacado pessoalmente.
    Isso é preocupante, e influencia qualquer discussão, pois torna-o intelectualmente desonesto além de rude.
    Por exemplo, a sua insistência em misturar os meus argumentos com o errado «alimpar», atribuido de forma rude a uma vizinha sua!
    A falta de nível que é preciso ter, para mencionar uma vizinha desta forma, numa conversa publica, nas suas costas, é extraordinária!
    E ainda diz que eu sou mal-educado…
    Que tristeza…
    Apesar de já ter percebido, que não está interessado em tratar esta questão de forma séria, responderei para que outros, eventualmente, leiam.
    O sr. J. Silva deu excelentes exemplos de abertura de vogal, em palavras terminadas em «-ão»: inflação, ilação ou delação.
    Como ele escreveu, e muito bem, nós abrimos a vogal «a» em todas aquelas palavras.
    Mas…
    Esse facto, NÃO mostra que o AO90 é correcto!
    Exactamente!
    Aquele exemplo, em nada contribui para a suposta validade linguística – não é aplicável para a legal – do AO90!
    Então, mostrará alguma coisa?
    Mostra! Mostra que a norma ortográfica anterior TAMBÉM ESTÁ ERRADA, e que o AO90 REFORÇARÁ OS SEUS ERROS EM VEZ DE OS CORRIGIR!
    Perdoai-me as maiúsculas, mas espero que com elas percebeis que eu também sou contra a norma de 1945!
    E agora isto torna-se irónico…
    Eu sou contra a que se escreva «Porto»!
    Deveríamos continuar a usar «Pôrto» – e «escrêva», já agora.
    Quem ler de mente honesta verá, imediatamente, porquê.
    Tal como «flôr», «côr»,«vôo», deveriam continuar.
    Também as palavras terminadas em -mente deveriam manter o acento grave na vogal aberta que ficar antes da antepenúltima sílaba, correspondente à tónica da raíz:
    «fàcilmente» de fácil; ou «ràpidamente» de rápido;
    por exemplo.
    Até o trema deveria ser ressucitado!
    Já experimentastes explicar a uma criança – nomeàdamente uma que veio do estrangeiro – porque razão se lê o «u» em frequência?!
    Ponde o trema, e o assunto fica resolvido: «freqüência».
    Voltando às afirmações do sr. J. Silva, mesmo que ele tenha razão, na crítica que fez à Norma de 1911, o AO90, não resolve as suas incongruências!
    Piora-as!
    Ainda por cima torna norma a multigrafia!
    O sr. J. Silva parece não saber que há «c mudos» a desaparecer em Portugal, mantidos no Brasil.
    O AO90 cria 2 normas, fazendo cair por terra o seu argumento!
    E os outros países lusófonos?
    Escolhem aquela que lhes apetecer?
    Que tipo de critério é este?
    Sim sr. J. Silva, as normas anteriores contêm incongruências, mas o AO90 só mascara alguns dos problemas, criando outros muito piores.
    Mal por mal, escolha-se a menos má: a norma de 1945, que até é lei em vigor, ao contrário do AO90, que não está instituído por qualquer decreto-lei!

    • Para o sr. Silva, e outros apoiantes do AO90, deixo aqui um acesso esclarecedor da Porto Editora (não são anti-acordo, portanto, se eles o dizem…):

      «Acentos OPCIONAIS» [sic!]
      http://www.portoeditora.pt/acordo-ortografico/video7conversorao/

      Onde está a melhoria da congruência ortográfica?

    • Bem, por esta altura chegar ao post da discussão é preciso escavar a sério.

      Eu penso que o PCA chegou a um dos dois únicos argumentos honestos dos opositores ao AO90. O seu é este: o problema não é o AO90, é a reforma ortográfica unilateral portuguesa de 1911 da qual a reforma de 1945, de 1973 e o AO90 são meras atualizações. Porque não há no AO nenhum problema que não exista na ortografia portuguesa desde há cem anos, portanto, como é possivel estar contra o AO e estar a favor de uma norma que tem mais problemas que o AO tanto em diversidade como em número?
      Agora já lhe resta ser integro na sua honestidade e começar a escrever accommodadamente e sem afflicções coisas como sphera. Vai ser uma sécca, mas boa sorte.

      • Centenas e cenas de duplas grafias, criadas artificialmente, por decreto, parecem não constituir problema para Silva.
        Quanto ao acto ditatorial de 1911 convirá referi a reforma unilateral brasileira de 1907. Esta gente que defende a imposição da ortografia brasileira a Portugal, gosta muito de falar do acto unilateral de 1911 mas omite que, embora ditatorial e nocivo, vem na sequência da reforma brasileira de 1907 – unilateral.
        Esquecimentos…

  7. Tem a sua graça o Sr. Silva desmentir o insuspeito Houaiss, que fala do valor diácritico das consoantes.
    Enfim…

  8. Rui Martins says:

    Para os defensores do AO como é que passo a escrever: espectador?
    Que eu saiba ninguém lê aquele ‘c’, mas sem o ‘c’ escreve-se: espetador. Que eu saiba, um espetador, deverá ser alguém que espeta 🙂

  9. David Nobre says:

    Conheci Malaca Casteleiro no preciso dia em que resolveu incluir no seu dicionário “bué” e “buereré”, que é kimbundo.

    Porquê esta “maca”?

  10. O AVKD …

    Desde VERNEY que a luta continua.

    DEXD VERNEY K A LUTA KOHTYNUA

    http://www.avkd.blogtok.com

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