Uma pessoa não pode e não quer estar sempre a pensar em ortografia, mas, muitas vezes, a realidade obriga-nos a pensar nela, não porque ela (a ortografia) esteja presente, mas apenas porque temos saudades dela, por não existir.
Numa passagem pela página da Worten, descubro que um aparelho em que poderei estar interessado tem conectividade e, como se isso não bastasse, ainda tem *conetividade. Olhai, que este é o tempo da multiplicação das duplas grafias, esse milagre proporcionado pelos apóstolos da religião do chamado acordo ortográfico! Assim como Jesus transformou a água em vinho, do mesmo modo os falsos profetas transformaram uma ortografia consistente em carrascão.
Pergunto-vos: que marcas deixarão no cérebro de um escrevente menos seguro estas oscilações? É fácil: é o tanto-faz ortográfico, ou seja, a ausência da ortografia, escondida em parte incerta, longe de um espaço público em que as consoantes ora são mudas, ora faladoras.
E o que dizem os instrumentos que poderão ajudar os escreventes mais curiosos: o Priberam diz que que sim, que há dupla grafia, sendo que, no Brasil, só uma inflexível “conectividade”; a Infopédia, depois de, na transcrição fonética, indicar que a consoante não é muda, diz, textualmente, “também se pode escrever conetividade”; o muito oficial Vocabulário Ortográfico Português grafa “conectividade”, inclui transcrição fonética com a consoante articulada em toda a lusofonia e acrescenta que o AO permite a variante “conetividade”. No Dicionário da Academia das Ciências, não há lema “conectividade”, mas em todas as palavras da família, indica-se que não há consoantes por articular.
Falei recentemente com a ortografia e ela, cansada, confessou-me que só voltará, quando o AO sair. Diz que são incompatíveis.
Sem discordar, digamos que antes os problemas dos sistemas informáticos desse grupo ficassem por aí.
Ninguém põe fim a esta açorda ortopédica?