Apontamentos & desapontamentos: As eleições autárquicas em Lisboa

Hoje é um mero apontamento, pois ao falar da classe política já não faz sentido manifestar qualquer espécie desapontamento. Sou lisboeta, filho, neto e bisneto de lisboetas. Nasci em plena Baixa, ali pelas mesmas paragens por onde o Pessoa, e o seu Bernardo Soares, remoíam o desassossego e às vezes o afogavam num copinho de aguardente ao balcão do Vale do Rio (aquele em que o Fernando foi fotografado «em flagrante delitro»). Porém, não moro na cidade e, por isso, não posso votar na eleição do presidente do município da «minha» Lisboa. De todos os candidatos em presença, tenho dificuldade em escolher um do qual o programa e as provas dadas me dêem garantias de que as coisas vão correr bem. O António Costa, apesar de pertencer a um partido de que não gosto (na verdade, não sendo anarquista, não gosto de nenhum dos partidos existentes), desiludiu-me. Por aquilo que dele sabia – fui muito amigo do pai, excelente escritor e cidadão de primeira água – pensei que fosse fazer melhor. Bem sei que herdou uma situação difícil, mas isso é um dado adquirido – todos os autarcas herdam situações complicadas. Porém, a maneira como lidou com essas dificuldades, definem-no como um autarca vulgar, com soluções de compromisso nem sempre, quase nunca, aceitáveis. Não me parece que devesse insistir neste cargo. Não lhe assenta bem. Mas ele é um político profissional e, na sua perspectiva, não tem alternativa. O candidato do Bloco, não sei, seria um voto em alguém que não vai ganhar, mas não seria por esse motivo que deixaria de votar nele. Dizem-me que, pese embora a sua «genealogia» estalinista, é pessoa séria. Talvez fosse a minha escolha. Talvez. Nos candidatos do PCP e do CDS, sejam quem forem e prometam o que prometerem, nunca votaria por uma questão de princípios. E Santana Lopes?
Não é candidato que se apresente. Comparando-o com outro autarca do mesmo partido, o Rui Rio, por exemplo, Santana fica a perder (Não digo em obra feita, mas, pelo menos, em imagem). Mas esse é o drama do PSD – não tem gente de qualidade – o PS tem-na bem arrumada no sótão e empacotada, mas tem-na. O PPD, ainda vá que não vá, tinha aqueles jovens da Ala Liberal da ANP, teve pessoas como a Natália Correia, enfim, sempre era outra coisa. Agora tem o Pacheco Pereira, que é um homem de cultura, mas esse teria de criar um partido só para ele. Tem o Marcelo Rebello de Sousa, uma espécie de «bruxa má» destilando, sempre com um sacaníssimo sorriso, veneno a torto e a direito, até entre os seus correligionários. Em suma, o PSD é um deserto de ideias e de pessoas apresentáveis. Veja-se a Manuela Ferreira Leite – hesitante, mentindo tanto como Sócrates, parecendo mais séria só porque, de facto, se ri menos. Mentindo porque tem a desvergonha de criticar até mesmo medidas económicas lançadas por ela quando fez parte do ministério de Durão Barroso. A Manuela Ferreira Leite não existe. É uma sombra de outra sombra – da inexistente personalidade de Cavaco Silva. Tenho dito por diversas vezes que nunca gostei de Francisco Sá Carneiro enquanto era vivo e não seria pelas condições trágicas em que morreu que iria passar a apreciá-lo. Era um político no mau sentido da palavra – oco de ideias, chicaneiro, manipulando a oratória, a sua e a dos adversários. Em todo o caso, era um político. Ponto final. Os que lhe têm sucedido são gente sem vergonha em busca de tachos para eles e para os amigos. Tachos e protagonismo. E Santana Lopes, não sendo propriamente um político, é um paradigma desse tipo de pessoas.
É um homem do jet set, das revistas cor-de-rosa, mas não é um político (embora considerando toda a carga pejorativa que o termo comporta, mesmo assim ele fica aquém). Lá habilidoso e desenrascado é ele – envia um postal ao Machado de Assis, o grande escritor brasileiro morto em 1908, confunde um anúncio do livro Cuidado com os Rapazes com uma ameaça e convoca uma conferência de imprensa para denunciar a conjura, mede o Co2 em magawatts e inventa concertos de violino ao pobre do Chopin… Era quando desta gaffe secretário de Estado da Cultura, veja-se.

E secretário de Estado de quem? De Cavaco Silva, claro – o tal primeiro-ministro de Portugal que não sabia quantos cantos têm Os Lusíadas. Que pronunciava pograma e supreza. Gaffes e atropelos da língua e da cultura que o actual presidente da República não comete, já se vê). Mas Santana não se prende com ninharias. Ah não são megawatts, são toneladas? E então, não faz tudo parte do sistema decimal? O Chopin não compôs concertos para violino? E não podia ter composto? No século qualquer coisa já se fabricavam violinos, ou rabecas… Então esse tal gajo, o Machado não sei quantos, morreu há cem anos? Qual é o mal de lhe mandar um postalinho? É o chamado «desenrascado», não se prende com pormenores. Passa adiante. Só que a política autárquica é feita de pormenores, pelo conhecimento de pequenas coisas que às vezes têm um grande significado para os munícipes, de amor pela cultura (que ele arrogantemente despreza, porque a ignorância é sempre arrogante). Desta vez chega prometendo mais um túnel, avisando em todo o caso que provavelmente não o fará. Enfim, a verdade é que o António Costa, menos ignorante, com menos gaffes, mais ponderado no discurso, pessoa mais séria, também não fez grande coisa e a cidade está num caos. Duma coisa podem os lisboetas estar seguros – os múltiplos problemas da sua cidade, incluindo a excessiva emissão de magawatts de Co2, não será Santana Lopes que os resolverá. É a escolha mais óbvia a não fazer. Mas, e a escolha certa? Há alguma? Parece-me que não. Em todo o caso, oxalá os meus conterrâneos façam outra escolha, seja ela qual for será provavelmente uma má escolha – só que com o Santana o «provavelmente» não faz sentido. O Santana outra vez, não. Dêem o benefício da dúvida a qualquer um dos outros. Porém, desde que vejo o mafioso Berlusconi a ser eleito pela quarta vez, na Itália da cultura, como posso acreditar que os alfacinhas, com o seu pendor fadista e fatalista, não sejam também eles seduzidos pelo charme indiscreto da fatal ignorância do playboy Santana?

Comments

  1. Luis Moreira says:

    Isto não está fácil, mas mesmo assim o menos mau ainda é o Costa. Agora que perdemos a hipótese de votar em alternativas como a Roseta ou o Zé, que se venderam por um prato de uma coisa qualquer…

  2. maria monteiro says:

    Ambos são maus, por aquilo que já fizeram, por aquilo que possam ainda fazer, pelo partido que representam … Eu que voto em Lisboa, nestes candidatos não voto

  3. Luís e Maria: Votar no menos mau não é solução. Não votar também não. Nestes casos, o voto em branco ou nulo são hipóteses a considerar. Pelo menos, é a receita que sigo. Abraços.

  4. Só mais uma coisa, Onde no texto está magawatts, deve ler-se megawatts. Num texto sobre gaffes, não convém cometê-las. No meu original estava bem. Deve ter sido a correcção automática… Megawatts!

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