O homem pouco formal, guarda-roupa descuidado para o evento, subiu ao estrado, colocou os óculos e começou por proferiu o seu discurso, pausadamente, gestos lentos, palavras sensatas – seria dos seus setenta e sete anos?- como se mastigasse cada uma delas, revestindo-as de importância e beleza, antes de as fazer ouvir a si mesmo e aos ouvintes na Rio+20, junho de 2012.
Ouvi duas vezes o seu discurso, tirando apontamentos, admirando esse homem uruguaio, agricultor e presidente do seu pequeno país. Sim, Pepe é esse presidente que doa 90% do seu salário para pessoas carenciadas e ONG’s:
“(…) deixem-me fazer algumas perguntas em voz alta. (…) falamos sobre desenvolvimento sustentável. De como eliminar o imenso problema da pobreza. Que se passa em nossas cabeças? (…) o que aconteceria com este planeta se todos os habitantes da Índia tivessem a mesma proporção de carros que os alemães possuem? Quanto oxigénio teríamos para respirar? (…) Porque nós criámos esta civilização (…) filha do mercado, da competição que se deparou com o progresso material enfático e explosivo. (…)
Estamos governando a globalização, ou é a globalização que nos governa?
É possível falar de solidariedade e que «estamos todos juntos» numa economia baseada na concorrência impiedosa? Até onde chega a nossa fraternidade? (…) o desafio que temos pela frente, é de uma grandiosidade colossal. A grande crise não é ecológica, é política. O homem não governa hoje! (…) forças que governam o homem. (…)
Porque a vida é curta e rapidamente se vai. E nenhum bem vale mais do que a vida, isto é claro!
Mas se a vida se vai passando, e nós trabalhando e trabalhando para consumir sempre mais (…) porque é preciso vender muito. E uma lâmpada eléctrica não pode durar mais de 1000 horas… Mas existem lâmpadas que podem durar 100 mil, 200 mil horas. Contudo estas não podem ser feitas porque o problema é o mercado. Porque temos que trabalhar e sustentar uma civilização que «usa e joga fora» (…) está na altura de começar a lutar por outra cultura. (…) Os antigos pensadores [Séneca e outros], definiam: “Pobre não é quem tem pouco, mas sim o que necessita infinitamente muito, e deseja, e deseja mais e mais. (…) sei que algumas coisas que estou dizendo «perturbam» (…). A causa é o modelo de civilização que nós construímos. E nós temos que rever o nosso modo de vida. Eu pertenço a um país pequeno (…) 90% da terra é aproveitável. Meus amigos trabalhadores conseguiram lutar para conseguir 8 horas e agora estão conseguindo o direito a 6 horas. Mas aqueles que conseguiram 6 horas precisam agora de dois empregos, portanto, trabalham mais do que antes. Por quê? Porque eles têm uma infinidade de despesas (…).
E quando você acordar, perceberá que é velho e reumático como eu, e se passou toda a vida.
(…) este é o sentido da vida humana? Estas coisas que eu digo são elementares: o desenvolvimento não pode ir contra a felicidade. Tem que ser a favor da felicidade humana, do amor ao planeta Terra, ás relações humanas, do amor aos filhos, de ter amigos, ter somente o necessário. Precisamente porque este é o tesouro mais valiosos que temos. Quando lutamos pelo ambiente, devemos lembrar que o primeiro elemento do meio ambiente se chama Felicidade Humana. Muito obrigado.”
Mas “parece” que a Ford e outra (francesa) estão à rasca – que bom – andem de biciclete como eu – e serão mais uns milhares de desempregados até da fábrica de Palmela – façam bicicletes – e PATINS
Esse HOMEM continua a ir tomar café aos mesmos sítios,com os mesmos amigos e no mesmo carocha.
Doa quase todo o vencimento,anda na rua como qualquer pessoa,trata,a maior parte dos vizinhos,pelo nome.
Que orgulho,um presidente assim.
mário
Quem me dera ter um presidente assim para votar nele… as suas palavras não cabem na boca dos nossos políticos – são grandes demais!!!
Antes de mais, o meu obrigado por ter adiado a sua emigração…
Mas Fernando Nobre não se aproximava deste discurso ? Ainda hoje estou para saber se foi ingénuo e trucidado pelos políticos “profissionais” ou se realmente era um “bluff”.
Há muitos discursos que se aproximam ao de Mujica, há é poucas acçöes…
E querer meter o Nobre ao barulho… Mujica e Olafur nunca renegaram ser políticos, renegam é servir-se da política para se encherem, e governam a favor do povo que os elegeu.
O Nobre? “Ai eu näo sou político!” e depois candidata-se ao mais alto cargo político da Naçäo, e como perdeu depois exigiu ser eleito para o segundo mais alto cargo político da Naçäo… olha que para quem näo é político…
Obrigada, António! O António, ao contrário do Governo, conseguiu impedir que eu emigrasse!!
É o que dá ter um Presidente da Esquerda a sério.
É no Uruguai e na Islândia.
E ainda há imbecis que dizem que “os políticos são todos iguais”…
O certo é que ver um homem nestas palestras sem âmago de fardar, pode resultar até grato.
Sobre o discurso e porque a vida vai passando, desconcerta tanta desesperação absurdamente mal-empregada.
Sempre é bom, parece-me, desde uma posição presidencial, uma chamada de atenção no senso que o faz e da insana pressão produtiva.