Os sapatos

sapatos papa

Paira sobre o mundo, já há alguns anos, uma dúvida dilacerante: qual a origem e a natureza dos sapatos vermelhos do Papa?

A questão é séria; só pode sê-lo, já que ocupa, desde há dois dias, o melhor dos telejornais da TVI e suas subsidiárias. Em longo trabalho jornalístico a questão é, finalmente e para descanso dos habitantes do planeta, analisada como merece.

Claro que os conhecedores de podoteologia já haviam reflectido profundamente sobre a coisa. Desde logo, tinham afastado qualquer contaminação do tema pela referência aos sapatos vermelhos de Dorothy , do Feiticeiro de Oz. Entre outras razões, pelo facto de estes, sendo cobertos de rubis, serem de um luxo que, como se sabe, é completamente estranho ao Vaticano.

A notícia há tempos muito divulgada de que o Papa calçava Prada, criou inquietação nos meios mais eruditos dedicados ao problema. Estes, por saberem ler, conheciam o livro em que Laura Weisberger garante que “O Diabo Veste Prada”. Ora, sabendo nós que os sapatos sumo pontífice são vermelhos, sinistras conjecturas avassalaram as cabeças mais avisadas do Vaticano e perversas intenções subiram às dos hereges (já que os ateus, lamentavelmente, não ligam peva a tais transcendências).

Subitamente, a resignação de Bento XVI veio trazer uma nova luz à questão. É que, havendo pela primeira vez um Papa que já não é Papa há, também pela primeira vez, um Papa que pode falar de sapatos e, maravilha, de cujos sapatos podem falar as “fontes” do Vaticano! Assim, acalmai-vos, almas inquietas! Nem o Papa calça Prada –como o Diabo – nem o vermelho tem outro significado que a sua condição hierárquica. Os sapatos são, afinal, feitos por um artesão romano, conhecedor emérito de pés de Papas.

 

Mas, perguntareis, e agora? Está tudo tratado: o Vaticano convocou os media de todo o mundo – que acorreram ansiosos – e, em conferência de imprensa, aquietou os corações temerosos, esclareceu a nova cor dos sapatos do ilustre demissionário e tornou um país orgulhoso. A partir de agora, o Papa Emérito – acho que é este o novo título – calçará sapatos castanhos! Feitos no México! Este país, como calculam, rejubilou! Que importam as tragédias sociais, os carteis da droga, a corrupção, a violência se, agora, é o México que faz os sapatos do ex-Papa?!

Ficamos, até, a conhecer a povoação e a manufatura responsável pela obra. Fomos esclarecidos sobre as várias peles testadas e informados sobre o facto de a única verdadeiramente adequada aos delicados pés em causa serem as de bezerro recém-nascido, o que está de acordo com uma certa tendência que algumas religiões revelam para o sacrifício de animais jovens. De tudo isto e muito mais ficamos a saber pelas longas peças da TVI, que aqui mais uma vez se elogia por se dedicar aos assuntos que verdadeiramente contam na nossa vida. Com papas e bolos…

Comments

  1. xico says:

    É justo que o vaticano revele de onde vêm os sapatos. Os fabricantes mexicanos agradecem a publicidade gratuita. A povoação e a manufatura terão muito a ganhar com isso. Este pequenos quês também contam nas nossas vidas e daqueles trabalhadores fabris. E até o José Gabriel arranjou, à míngua de imaginação, assunto para a crónica.

  2. nightwishpt says:

    Até a igreja já mudou a religião, e é agora adepta do circo mediático.


  3. Fui educado segundo o catolicismo , mas desde os meus 14 anos que reparei nas incongruências da dita religião , no seio da qual , particularmente na missa , onde via discriminação entre os Srs/Sras importantes e os fiés mais pobres , ditos menos importantes .
    Sempre a deferenciação pela OPULÊNCIA , quando não devia existir qualquer discriminação . Afastei-me da Igreja , porque deixei de acreditar , tal como na Poítica .
    Anos mais tarde começo a verificar mais luxúria na Igreja , sobre-tudo a partir de João Paulo II , que vestia roupas extravagentes como se tratasse duma passagem de modelos , injustificada , em vez de usarem roupas e sapatos singelos , sem luxo .
    Não compreendo nem aceito a luxúria na Igreja , que está afastar pessoas , para não falar no homossexualismo e sobretudo a pedofilia
    que describiliza a Igreja , assim como o Banco do Vaticano está cheio de pôdres . Costume dizer que nem o Banco de Deus escapa
    à Corrupção .
    NEGRITUDE QUE JAMAIS PENSEI EXISTIR NA IGREJA .
    Hoje volto a ser perseguido pela Igreja , tal como pela Política , por-que as pessoas só inventam mentiras para destruir os outros .
    Já estive bem a vida , mas devido à política do Cavaco , que me tem
    perseguido , depois de o apioar como ninguém , devendo-me milhares de contos e enormes favores . Fiquei na MISÉRIA e tive
    que recorrer à CARIDADE de um Centro Social Paroquiano , a quem estou agradecido , pois caso contrário já tinha morrido à fome .
    Todavia , alguns católicos , do tipo de má língua , discriminadores que só desejam mal aos outros foram fazer pressão para o Centro Social me deixar apoiar porque era rico , tinha andadares e lojas alugadas , quando toda a gente sabe as dificuldades que tenho passado e continuo a passar , vivendo numa execrável casa , sem
    condições , sem gás , suja , que até assuta .
    Nem reforma tenho e até o RSI de 189,52€ me tiraram por dizer mal dos políticos , sobretudo do Sócrates .Não gostam de ouvir as verda-des . Mas o actual Governo não é melhor . Há mais de dois anos que não recebo um tostão .
    QUE RAIOS DE CATÓLICOS SÃO ESTES QUE DESEJAM MAL AOS OUTROS SERES HUMANOS .
    A sociedade infelizmente está dominada pelo egoismo , pela inveja
    e maledicência desmensurada , que culmina com perseguições .
    É MESMO CASO PARA DIZER QUE DEUS NOS LIVRES DESTA GENTE GANANCIOSA E MALFEITORA .
    Só Deus sabe o que tenho sofrido .Cada vez mais , creio que mundo está perdido e amaldiçoado , mas continuo a lutar pela vida com honestidade , muitas vezes desesperado e DESCRENTE ..
    CASO PARA DIZER QUE DEUS , SE EXISTE , NOS AJUDE .


  4. O meu respeito pelo seu sofrimento, Fernando Cardoso dos Santos. O meu texto, como é bom de ver, não é sobre sapatos, mas sobre a forma alienante como a comunicação social se perde nestes sensacionalismos de tablóide, tornando opacos os problemas que realmente importam. Como o seu.