penso eu de que…

Nunca compreendi bem a concepção de dia de reflexão no dia que antecede um escrutínio eleitoral. Nunca compreendi bem o conceito pelo facto da reflexão, como seres racionais que somos (alguns; perdoem-me a excessiva arrogância) ser uma constância derivada da própria natureza humana. O ser humano não pode formular uma ideia assertiva sobre algo ou alguém num dia. Parece-me ponto assente. Muito menos poderá agir de forma consciente num caso concreto que lhe diga respeito de forma leviana.

A minha tenra experiência política enquanto militante de um partido e, sobretudo observador diz-me que em política tudo vale. Desde a mentira ao porco no espetro na safra,qualquer cor garrida ou ideia descabida (leiam-se as fantásticas declarações de Jean Marie Le Pen sobre o vírus da ébola; o vírus da ébola acaba por ser um vírus engraçado visto que sempre que o Benfica ganha uma Taça, a é-bola espalha-se por todo este rectângulo à beira-mar plantado) é capaz de caçar votos até aos mais desinteressados. Atenção: desde o dia primeiro dia deste governo, a política desceu imensas escalas na nomenklatura de preocupações dos portugueses. Se com outros governos, o povão (não fui eu que utilizei este conceito, foi o povão que me ensinou; como díria o Zé Esteves) utilizava quase sempre o argumento “eles são todos iguais, são todos uns mentirosos”, tenho observado hodiernamente, nas conversas de café, nos debates de esquina, na ausência de uma força reinvindicativa nas redes sociais, uma atitude quase passiva em relação aos últimos meses da governação.  Numa espécie de loop, o povo português passou a rogar pragas a quem, de um momento para o outro, lhe cortou a pensão de sobrevivência ao avô, cortou a pensão ao pai funcionário público ou diminuiu o seu salário de forma quase, diria, pornográfica.

O povo português sempre foi sereno. Mas não estupidificou. Com tantos cortes no rendimento, com tamanha descida nos standards de vida a que estavam desde há muito habituados, simplesmente ensandeceu. Quando atingimos o limite da loucura ou cremos que estamos a ficar doidos, optamos quase sempre por fazer um reset à máquina.

A campanha eleitoral realizada para estas europeias exarcebou o autismo existente na relação político-cidadão. Durante semanas assistimos a um bafio horrível transversal a todos os candidatos. Numa europa vazia de ideias, entalada entre a dominação da chanceler do país hegémon e um futuro incerto (defendo que a Europa estagnou em Nice e nunca mais se levantou), numa europa necessitada de ideias válidas para tentar resolver os problemas pendentes ad-eternum (a dívida pública dos países periféricos, a falta de legitimidade democrática das suas instituições, o desconhecimento que o cidadão europeu tem daquilo que é realizado nas instituições, o desconhecimento que o cidadão europeu tem dos processos de decisão tomados nos gabinetes de Bruxelas, o papel que o Banco Central Europeu deverá ter na economia europeia, o grave problema da imigração africana) e para prevenir o surgimento de problemas que poderão vir a causar muitos dissabores no futuro (a tensão na Ucrânia, o crescimento exponencial do extremismo em alguns estados, o possível surto deflacionário, o reascendente poderio russo em alguns estados-membros), em Portugal, nesta campanha eleitoral, demos um belíssimo exemplo em como, uma campanha eleitoral pode durar várias semanas sem que alguém tenha o dom de dizer algo melhor que nada. Não quero influenciar nenhum voto com o que irei escrever de seguida, mas, chegaram a existir momentos nesta campanha em que o papagaio do programa de televisão da Ana Maria Braga (vejam na Globo) conseguiu debater de forma mais profícua o futuro da europa que Paulo Rangel ou que Carlos Zorrinho.

Quando nada sabemos sobre aquilo que os candidatos a escrutínio defendem para o futuro europeu, no que é que devemos reflectir?

Comments

  1. Tão bom como o dia de reflexão é a proibição de publicidade eleitoral a X metros da mesa eleitoral, ou o uso de símbolos partidários por qualquer pessoa no dia das eleições. Não defendo a campanha de boca de urna que existem em países que não deixam de ser democráticos. Mas não me parece que alguém possa mudar o sentido de voto por ver outro cidadão com um emblema de algum partido na lapela, ou por ter no último segundo olhado para um cartaz e visto uma luz que o ilumina…

  2. Nascimento says:

    É pá,atão não se ve logo, que é o dia em que a malta mais reflete, enquanto coça as micoses?E á malta que aproveita….pois é isso.

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