A reportagem da TVI, de visualização obrigatória, é de Julho de 2015. Apesar das evidências, gritantes, até ao momento nada aconteceu. Ou então a justiça tem sido tão eficazmente recatada, conduzindo investigações tão cuidadosas quanto discretas, que um dia destes acordamos e damos de caras com meia-dúzia de figuras políticas de topo no banco dos réus, para um julgamento que, apesar do estrondo que causará, tenderá a surtir poucos efeitos práticos. Se surtir algum. Afinal de contas, estamos em Portugal.
A história tem duas décadas, atravessou vários governos, e tem ministros, secretários de Estado, dirigentes públicos e partidários, autarcas e empresários com estreitas ligações ao poder como protagonistas. Está associada a financiamento europeu, obtido de forma fraudulenta, pela mão dos mais altos representantes da República. Tem tráfico de influências, fraude fiscal, branqueamento de capitais, crimes ambientais e corrupção. Representou e ainda representa um atentado contra a saúde pública, tendo diferentes estudos e pareceres técnicos apontado para a perigosidade de níveis de toxicidade altamente nocivos para qualquer forma de vida. E tem muito, muito dinheiro envolvido.
Era uma vez um aterro ilegal de resíduos tóxicos em São Pedro da Cova. Apesar de quase ninguém falar sobre ele, tal era a concentração de reputadas figuras do “arco do poder” que gravitavam à sua volta, ali foram cometidos inúmeros crimes, impunes até à data, e muitos milhares de euros passaram de mão em mão. É uma dupla vergonha nacional. Pelo elevado perigo para a saúde pública e porque sabemos – mas não podemos dizer – quem são os responsáveis. Em São Pedro da Cova como no BPN, no Freeport, no Monte Branco, no Face Oculta ou nas contrapartidas dos submarinos, o resultado é sempre o mesmo. Personagens sinistras, blindadas por poderosas estruturas partidárias e relações de poder, usam e abusam da coisa pública sem que pouco ou nada lhes aconteça. Em troca são-nos oferecidos golpes de teatro e truques de ilusionismo, que nos entretêm até que o esquecimento ou o distanciamento temporal tratem de os obliterar da face da Terra.
O problema de Portugal não é económico nem financeiro. O problema de Portugal são estes resíduos tóxicos, que envenenam a democracia e perpetuam uma impunidade à qual não parece haver forma de pôr cobro, desmotivando e desinteressando uma sociedade mais preocupada em pagar as contas no final do mês, sem instrumentos para se impor ao feudalismo de colarinho branco. Cercados por todos os lados, somos reféns da máfia moderna, do crime sofisticado e de leis feitas à medida da bandidagem político-partidária. Reféns da nossa resignação. Uma sociedade digna tem a obrigação de colocar estas pessoas atrás das grades. Nunca sairemos do fundo do poço enquanto não o fizermos. Até lá, continuaremos a pagar impostos incomportáveis, a resgatar bancos e a apertar o cinto para que uns quantos continuem a encher os bolsos à mesma velocidade a que as contas públicas definham. E ainda cometeremos a proeza de eleger e reeleger alguns deles. Impávidos e conformados.
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