Bilhete do Canadá – No tempo em que os animais falavam

Ilustração: Arthur Rackham, 1912 (fonte: Wikipedia)

Naquele tempo, por andarem à frente, como os bois da guia, até chamavam PAF ao fenómeno, aconteciam coisas engraçadas.  Foi, por exemplo, o caso dum burro criado nas Necessidades que se estabeleceu com um negócio de raparigas da vida airada num país africano.  Aconteceu o que é costume: primeiro, foi a rebaldaria e o pilim a cair na carteira; depois, foi a chatice do inquérito. No fim, o silêncio e o esquecimento.  Mas parece que o burro deixou asno que lhe sucedeu, um que lhe guardou o apelido e o vezo de ver negócios em tudo sem se lembrar que quem tem telhados de vidro não deve andar à pedrada. Ou mais claramente: compreende-se que esteja muito ufano por pertencer à Loja, mas será bom não esquecer que muito boa gente não tem medo de lojas.  Até se ri delas.   Grande vassourada isto anda a pedir.

O dom profano e a História de um canalha

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Lado a lado, numa prateleira da FNAC, O dom profano de José Sócrates convive, com a harmonia e a serenidade que caracterizam os livros, com a História de um canalha, de Julia Navarro. Coincidência ou não, que as coincidências, para mim, são como as bruxas do provérbio espanhol, a escolha da FNAC não deixa de ser curiosa. Atente, caro leitor, na sinopse da obra de Julia Navarro:

«Sou um canalha e não me arrependo de o ser. Menti, enganei e manipulei à vontade, sem me importar com as consequências.Destruí sonhos e reputações, traí os que me foram leais, causei dor àqueles que me quiseram ajudar. Brinquei com as esperanças dos que pensaram que poderiam mudar quem eu sou.» Thomas Spencer sabe como conseguir tudo o que quer. A saúde delicada é o preço que teve de pagar pelo seu estilo de vida, embora não se arrependa. No entanto, desde o seu último episódio cardíaco apoderou-se dele um sentimento estranho e, na solidão do seu luxuoso apartamento em Brooklyn, sucedem-se as noites em que não pode deixar de se perguntar como seria a vida que conscientemente optou por não viver. A memória dos momentos que o levaram a ter sucesso como consultor de relações-públicas e imagem, entre Londres e Nova Iorque nos anos oitenta e noventa, revela os mecanismos dúbios que os centros de poder por vezes empregam para alcançar os seus fins. Um mundo hostil governado por homens, onde as mulheres resistem a ter um papel secundário.

Para quando uma secção dedicada à canalhice?

O jornal A Bola faz história

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Sometimes laws are intolerable, and need to be changed by organized legal protest if possible—but otherwise by actual resistance and civil disobedience.

Geoffrey K. Pullum, “The Great Eskimo Vocabulary Hoax and Other Irreverent Essays on the Study of Language” (foreword by James D. MacCawley)

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Ontem, dia em que a Irlanda derrotou os All Blacks, o jornal da resistência silenciosa em tempos de liberdade (efectivamente, A Bola) deu-nos mais um exemplo quer da diferença entre crer e perceber, quer do espectáculo extremamente triste dado pelos desistentes que têm o distinto descaramento de optar pela resistência silenciosa, em tempos e lugares de liberdade de expressão. Cuidado. Muito cuidado.

Desejo-vos um óptimo domingo e votos de glorioso espectáculo, daqui a pouco, no Estádio do Dragão. Viva o Benfica. Viva!

Quando é que o Ministro das Finanças se demite?

António Costa e o seu entediante Ministro das Finanças têm todo o direito de olhar para António Domingues como a última Coca-Cola do deserto.
O que não podem, por causa dessas suas convicções pessoais, é fazer leis à medida de uma pessoa em particular, abrir precedentes perigosos e tratar de maneira diferente situações que são iguais. A partir de agora, que legitimidade moral tem o sensaborão Mário Centeno para exigir a entrega de Declarações de Rendimento e Património a outros gestores públicos?
A forma como esta questão termina – os gestores da Caixa NÃO vão entregar a declaração porque não lhes apetece – é simplesmente humilhante. É que estamos a falar do Ministro das Finanças da República de Portugal, que não tem de baixar as calças a um banqueirozeco qualquer. Que ainda não se percebeu muito bem de que tem medo.

Isto é que é!

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Na sequência do escândalo provocado pelo salto de Durão Barroso para a Goldman Sachs, Juncker quer mudar o código de ética da UE: em vez de 18 meses, um presidente da comissão europeia deverá passar a ter de esperar três anos até poder accionar a porta giratória de entrada no mundo do negócio; para os outros comissários o prolongamento deverá passar de 18 para 24 meses.

Ah grande Barroso! mesmo depois de sair da UE continua a deixar marcas indeléveis!

Lettres de Paris #12

Moi, j’aime bien la propreté*

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Hoje acordei com uns senhores a baterem-me à porta do estúdio, já não era muito cedo. Vinham medir a alcatifa, para meu espanto. Parece que a vão substituir. Disse-lhes que a alcatifa, embora não seja nova, não me chateava nada. O que me chateava era a falta de candeeiro perto da cama – como vou ler? – e a falta de aquecimento na casa de banho. Ainda lhe falei no exaustor, mas afinal parece que é mesmo assim, fraquinho, e não está estragado.
 
Seja como for, mediram a alcatifa. Quando cheguei a casa à noite também já me tinham substituído o candeeiro estragado. O aquecimento ‘dans la salle de bain’ é que nada. Estão neste momento 4º em Paris. E ainda estamos só no início de novembro. Espero bem que me arranjem o aquecimento ou arrisco-me a morrer congelada cada vez que precisar de ir à casa de banho. Já morro gelada cada vez que vou à janela fumar um cigarro. Como hoje de manhã, depois do episódio da medição da alcatifa. Assisti a uma belíssima discussão, digna dos bairros mais populares de Lisboa, na Rue Suger. Um homem veio trazer uma encomenda de várias caixas, muito pesadas, aparentemente. Estacionou o camião grande, que bloqueava a rua, porque é bastante estreita. Tirou as caixas e deixou-as no chão, no meio da estrada atrás do camião. Uma das senhoras da limpeza da Maison Suger (para onde as caixas vinham) foi lá fora e disse ao homem que ele tinha de carregar as caixas para dentro. Começou a confusão! Que não tinha nada, que ele era só o homem das ‘livraisons’ e que portanto ela ou alguém que metesse as pesadíssimas caixas para dentro.
 

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