Coração de papelão – as empresas e as causas sociais (parte 2)

Ainda em 2022, depois da cadeia de hiper-mercados alemã Lidl se ter aproveitado de uma causa social para flechar o coração mole dos seus clientes, através de publicidade em folhetos, escrevi um texto criticando esta nova moda de empresas cotadas em bolsa, que vivem do lucro, usarem causas sociais para tornarem os seus produtos mais apelativos e a sua marca mais “trendy” (como se diz agora).

Durante a época natalícia, várias operadoras de telecomunicações decidiram apropriar-se do tema da saúde mental, usando tal flagelo como forma de vender mais pacotes de televisão e internet. Muita gente aplaudiu, centenas e milhares de partilhas nas redes sociais e as operadoras a passar a imagem de boas samaritanas do bem-estar físico e psicológico.

Já trabalhei num call-center de uma das operadoras. Ao ver o anúncio, torci o nariz. “Saúde mental?” – questionei-me. “Mas o publicitário que fez o anúncio já entrou nalgum call-center desta operadora?”. Claramente, não.

Hoje, é notícia um antigo trabalhador de uma destas empresas, Rui Oliveira, que relata a sua história ao Expresso: Rui, que sofria de ansiedade e depressão, foi despedido da empresa com a justificação de que os trabalhadores de tal empresa… “não podem sofrer de ansiedade ou depressão”. Quando as empresas de capital, cotadas em bolsa, são vistas como “boazinhas” por conta de um anúncio, cheira-me sempre a esturro. Ver as pessoas alienadas a adorar estas empresas por uma ”boa acção”, soa-me sempre ao vilão da Disney ou da Marvel, que engendra um plano maquiavélico, mascarando-se de “pobrezinho”, para a seguir destruir tudo e conquistar o Mundo.

Não se enganem: as empresas vão continuar a aproveitar-se de causas sociais para vender. E vão continuar a despedir pessoas que não tenham o “mindset” apropriado… toda a gente sabe que quem está deprimido, não está disposto a fazer “networking” para depois acabar num “rooftop” a beber um “drink” com os ”workmates”.

Rui. Foi despedido de uma empresa de telecomunicações por ter ansiedade e depressão.

Imagens: jornal Expresso

Maravilhas do admirável capitalismo novo

A NOS criou uma empresa no Luxemburgo através da qual facturou 58 milhões de euros a si própria. Só em 2016, o negócio rendeu 10 milhões de euros.

O ” lixo televisivo ” chegou hoje à NOS

Agora ao fazer zapping deparei-me com a presença da CMTV no canal 8 da NOS. O ” lixo televisivo ” entrou hoje, sem convite, em minha casa mas já estou a  tratar de bloquear o canal.

Há menos em NOS

Diz o anúncio da NOS:

O futuro é para nós. Pela primeira vez o teu tablet sabe o que gostas de ver. Depois, só precisas de escolher e enviar para a televisão. Só a NOS te liga à televisão do futuro. Há mais em NOS.

Tenho algumas reservas. Olhando para este anúncio, vejo uma criança que tem um amigo robô, com quem joga às escondidas dentro de casa, sendo facilmente apanhado, com quem faz desenhos de foguetões (ou melhor, a criança faz um desenho de criança, o robô faz um projecto detalhado com escala), que desiste de fazer os trabalhos de casa, pasta imediatamente passada ao robô, que por ser máquina deve dar conta daquilo num ápice, e que perante a dificuldade em completar o desafio do cubo mágico o entrega ao seu camarada que finaliza o quebra-cabeças em fracções de segundos.

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“NOS é que somos burros”

zon_optimus_nos

Autor Identificado

Em Janeiro cessei contrato com a Zon. Pergunto se é preciso devolver o equipamento, porque não me faz falta. Dizem-me que não é preciso.
Dois meses depois recebo um telefonema da Zon a pedir para eu devolver o equipamento. Eu disponibilizo-me para fazer 50 km para fazer a entrega, porque na minha cidade não dá, mas digo que quando cessei contrato indicaram-me que não era preciso fazer a devolução. Reviram a ficha e afinal não era preciso mesmo. Das duas vezes fui muito bem atendido e desta vez até me pediram desculpa.

Mudo de casa e guardo tudo nas caixinhas respectivas, apesar de não me servir para nada. Hoje, recebo um sms da NOS a exigir a devolução do equipamento em 30 dias senão terei que pagar o valor correspondente. Vou à loja: tenho mesmo que devolver tudo, mas ao menos vêm-me buscar as coisas a casa.

Num país decente, estas indecisões são vistas como incompetência. E num país decente, com estas e com outras situações que lesam os clientes, iniciava-se uma acção colectiva nos tribunais contra a empresa que, ainda por cima, é má nos serviços que presta.

Para cúmulo, estou numa lista negra por dinheiro que não lhes devo e fui ameaçado o ano passado com um processo de dívida quando tinham 6 meses para o fazer, sobre um contrato cessado em 2005.

Não gosto de ameaças muito menos por empresas que ganham a vida a intrujar os clientes, com renovações sucessivas de fidelização a cada alteração do serviço, dificuldades no término do serviço com cobranças a surgir depois de não estar activo, com facturas perdidas de anos anteriores que muita gente paga para não ter chatices.

NOS é que somos burros em tolerar isto.

The next step of propaganda

Do PSD para o país, financiado pela clientela e pelos otários do costume.

O devir histórico (2)

Continuando.

Quanto se aborda numa perspectiva histórica, não importa se mais ou menos recente, qualquer facto com relevância, existe uma perenidade assertiva na alternância entre o “eu” ou o “nós” e o “eles”. Veja-se a dicotomia entre a vitória e a derrota. A vitória dá gosto partilhar, mas a derrota não. A tradicional diferença entre o “nós ganhamos” e o “eles perderam”, como é o caso, por exemplo, dos adeptos de um clube de futebol. Ou o clássico estado civil da culpa, pois que ninguém a quer por companheira. Da mesma forma que olhando para o passado glorioso do nosso país, não faltam razões para se afirmar que fomos grandes, fomos valentes, intrépidos, etc. Já quando o passado é inglório, o “eles” vem ao de cima. E isto vale para o passado distante, como para o passado recente. Assim, critica-se o ponto a que o país chegou – e repare-se que a própria ideia de “país” é, intrinsecamente, de um todo: território, povo, cultura, organização política, etc. -, sendo que, ao mesmo tempo, se apontam dedos acusadores de modo a não se ficar sequer tangido por esse todo do qual fazemos parte. Também, esta, é uma tradição recorrente. Principalmente quando as coisas correm mal. O facto é que um povo quando elege democraticamente por maioria os seus governantes, faz uma escolha. Podemos, individualmente, não concordar. Mas é inelutável que resulta de uma escolha popular, de uma expressão do povo. Porque é essa a essência da democracia: o poder do povo materializado nas escolhas que faz por maioria. Por isso, se um país chega ao ponto a que chegou o nosso, num regime democrático, não há como negar que a culpa é das escolhas que o povo fez. Se, individualmente, concordamos ou não com as escolhas da maioria, é questão diversa. “Nós”, enquanto povo, temos responsabilidades. Embora se possa sempre abdicar do preço da democracia – ter de aceitar as escolhas da maioria – e escolher alguém que decida por “nós”. Também já tivemos disso e não vai há muito tempo. É mais cómodo, dá menos trabalho, e podemos exercitar a toda a força o “eu” que existe em todos “nós”, e invocar o “nós” de que cada “eu” faz parte.

We

Agrada-me a ideia.

Portugal vive um momento histórico singular e por isso as respostas de todos têm que ser originais. Não dá mais para continuar a fazer o que sempre se fez.

Confesso que me irrita ver o Borges na TV.

Confesso que já me mete nojo a ausência do Relvas da TV.

Confesso que estou farto de ver o país a caminhar para o fundo e perceber que há gente a empurrar para a frente.

Este é o momento de pegar no M da imagem, que roubei no face e que acompanha este post: recortar, rodar 180º e avançar em frente!

Esta é a hora de transformar o eu em nós para que eles tenham medo!

Aventário

Há dias em que me apetece comemorar (que, em Latim, quer dizer ‘lembrar em conjunto’). No momento em que me estiverem a ler, estarei a almoçar na minha cidade na companhia de alguns dos companheiros de blogue. Estarei a comemorar.

Tenho bastante dificuldade em fazer parte de colectivos, talvez porque padeça do vício da hesitação, talvez porque me falte um certo arremesso de generosidade apaixonada. No entanto, nunca me senti tão integrado num grupo como no Aventar.

Para isso contribuiu, em primeiro lugar, a amizade antiga com o João José Cardoso. Logo a seguir, senti-me confortável graças ao acolhimento de todos os outros. Finalmente, a minha primeira participação num convívio prandial fez-me associar nomes a caras, a pessoas, e o conforto, o aconchego aumentou.

Contudo, a verdade é que o gosto por fazer parte deste grupo não se deve apenas a amizades ou a empatias ou a almoçaradas, por muito fundamentais que sejam. Aqui, sinto-me desafiado a tentar ser melhor, por desejar estar à altura de todos os que fazem o Aventar, o que não é fácil diante de tanta criatividade, de tanta iniciativa, de tanta capacidade de intervenção cívica, factores visíveis, por exemplo, na tradução do Memorando de Entendimento ou na publicação do vídeo com que o Ricardo Santos Pinto lembrou as promessas de Pedro Passos Coelho.

O que mais me espanta, no entanto, é o desejo de dar voz a todos os quadrantes, em sentido contrário à tendência que todos temos em juntar-nos às nossas tribos políticas ou outras. É por isso que os esquerdistas que infestam o blogue clamam por vozes de direita, é por isso que os portistas desejam que os benfiquistas escrevam, é por isso que os republicanos querem ler os monárquicos, mesmo que nos digladiemos nas caixas de comentários ou no correio interno.

Tinha mais coisas para escrever, mas já estão aqui a encher-me o copo. À vossa!

Filosofia de bolso (6)

– Muitas vezes é preciso ver alguém a perder outro alguém ou algo, para pensarmos que nos pode acontecer o mesmo. Somos tão individuais, e no entanto é a partir dos outros que muitas vezes reflectimos sobre nós.

A distância e o tempo

É comum encontrar-se cartazes de publicidade (agora chamam-se “outdoors”) a anunciar, por exemplo, que certo hipermercado ou certo centro comercial fica a “x” minutos.

Antigamente, as distâncias eram anunciadas em metros ou quilómetros. Agora, são em minutos. E compreende-se: á medida que a evolução tecnológica avança, as distâncias diminuem, logo o que vai contando cada vez mais é o tempo que se gasta.

Hoje falar com alguem que está do outro lado do mundo, com imagem em tempo real é mais do que normal. Ou gravar centenas de músicas num só pequeno suporte. Ou deslocarmo-nos fisicamente com todo o conforto entre pontos distantes.

O que nos interessa, mesmo, é saber quanto tempo demora a fazer a ligação, a gravação, ou a deslocação. O que interessa é o tempo que nos consome.

Será mister – no sentido de forçoso e não no sentido inglês do termo – um dia calcular-se se andaremos a investir bem esses fragmentos de tempo que se vão poupando. Em que medida essas poupanças de escala no nosso tempo têm sido aproveitada por nós, ou se estão a ser aproveitadas pelos outros.

É que á medida que vamos tendo cada vez mais sofisticadas gerigonças (agora chama-se “gadgets”) para nos poupar tempo, este vai mingando. O normal é ouvir-se da boca de quem tem Internet, iPhone e outros brinquedos, a contemporânea frase “Não tenho tempo para nada!”.

Dificilmente tiramos para nós, e para os nossos, o tempo daqueles fragmentos que vamos poupando, porque nos vai sendo exigido fazer cada vez mais em cada vez menos tempo. Porque é para isso que está orientada a evolução tecnológica: para sermos cada vez mais rápidos. Numa nova espécie de escravatura, que deita por terra mais uma das utopias da industrialização: a máquina libertará o homem.

Pelo contrário, parece, sim, que a crescente velocidade com que nos movemos, mesmo que virtualmente, é proporcionalmente igual ao tempo que afinal vamos perdendo. Porque o tempo que temos é cada vez menos nosso e cada vez mais dos outros. E no entanto, vai-se ficando cada vez mais distante daquilo que nos é próximo.

(Publicado no semanário famalicense “Opinião Pública”, em 23/12/2009)

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