Santarém, Capital do Gótico (IV)

(primeira parte e explicação do «bodo aos pobres» aqui)

SCALLABIS, A ESCADA DE HABIS

A diversidade geográfica de Santarém e as suas características geo-morfológicas contribuíram largamente para a fixação populacional em tempos remotos. O rio permitia a navegabilidade e os contactos comerciais e culturais com outros povos; o planalto sobranceiro ao Tejo, a cerca de cem metros de altitude, permitia a protecção das terras agrícolas e o controle militar de uma vasta região, tornando o povoado quase inexpugnável. Daí o povoamento muito precoce de toda esta área.
«Esse desejo de viver próximo da atmosfera (não tanto nos vales ou nas margens ribeirinhas) foi uma conquista assente no desejo de domínio e de controlo do território, mas também numa outra conquista resultante da procura de um lugar salubre. Razões climáticas de melhor exposição ao vento, uma posição sanitária defendida – face aos terrenos de aluvião facilmente inundáveis, criadores de pauis nas terras mais baixas dos campos e lezírias adjacentes – são aspectos referidos nos textos. Estes factos formaram o carácter dos scalabitanos, ciosos de autonomia e liberdade, gizaram a sua personalidade criadora, formados pela grandeza da atmosfera que observavam e que pretenderam reproduzir nos momentos chave da sua vida colectiva e individual.» (Jorge Custódio)
Ao longo dos séculos, diferentes povos ocuparam sucessivamente Santarém sem quaisquer interrupções. Os primeiros vestígios de presença humana na região remontam ao Paleolítico Inferior, no concelho de Alpiarça. A arqueologia, futuramente, decerto que confirmará os mesmos indícios em relação a Santarém. Quanto ao território do actual concelho, os vestígios arqueológicos mais antigos datam do século VIII a. C., pese embora o seu povoamento deva ser anterior.
A escolha de Santarém como sítio para viver pode ter sido feita através da fixação de populações vindas de outro lugar, onde já não haveria recursos alimentares suficientes – ou o nomadismo tão característico e usual nas populações pré-históricas. A presença da água poderá ter sido uma das razões fundamentais para que tal acontecesse.
Aliás, uma lenda popular relativa a este assunto tenta explicar a origem de Santarém. Diz o povo de Vila Nova de S. Pedro, aldeia do concelho da Azambuja, que os seus primeiros povos, que já registavam um estado civilizacional relativamente avançado, certo dia abandonaram a sua fortificação e fixaram-se noutro local. Esse segundo local viria a ser a cidade de Santarém.
Todos os elementos essenciais à vida estavam ali presentes. Junto ao rio, havia a possibilidade de praticar a pesca e o comércio fluvial. Do planalto, onde se viria a edificar a Alcáçova, tinha-se uma visão excelente de todas as terras em redor.
Os montes, obviamente, foram os primeiros locais a ser habitados, sobretudo por razões defensivas: o monte da Alcáçova, mas também a Senhora do Monte ou o monte de S. Bento. Destes, naturalmente que a Alcáçova acima de todos, pois o seu povoamento está muito bem documentado desde a pré-história até à actualidade sem qualquer interrupção.
Aqui terá existido uma cidade-estado fundada por povos mediterrânicos, até porque a morfologia do local assemelha-se em muito às características de uma acrópole. «Que melhor local do que o monte da Alcáçova para o nascimento de Scallabis, um nome, um topónimo que parece interpretar a relação harmónica entre a unidade paisagística, a plástica e a mitológica – Escada de Habis.» (José Augusto Rodrigues)
Terminamos este capítulo com uma breve referência a uma das mais conhecidas lendas relativas à fundação de Santarém. A mitologia é responsável, em grande parte, pelas questões relacionadas com a fundação da cidade e com o «baptismo» da povoação. Neste caso, a mitologia greco-romana. Mais à frente, abordaremos a mitologia cristã, nesse caso a lenda de Santa Iria. No primeiro caso, o herói clássico Habis ou Abidis. No segundo caso, a mártir Santa Iria. De Abis, Scallabis. De Santa Iria, Santarém.
A lenda de Abidis entronca, no fim de contas, num mito peninsular, cuja primeira referência escrita se refere à fundação do mítico reino de Tartessos.
Diz a lenda, que não passa disso mesmo, que em 1215 a. C. Ulisses chegou à foz do Tejo e aqui aportou, descansando antes do regresso à Grécia. Conheceu então Calipso, filha de Gargoris, o melícola, rei dos Cunetas e príncipe da Lusitânia. Dessa união nasceu um filho, Abidis.
Se Ulisses teve de fugir para escapar à fúria de Gargoris, a criança teve pior sorte e foi lançada ao rio dentro de um cesto. No entanto, a corrente levou-o para uma cerva, que o amamentou. A criança salvou-se e ali viveu até aos vinte anos, altura em que foi descoberto pela mãe.
Emocionado pela resistência do neto, foi o próprio avô que o propôs para seu sucessor. Abidis, em homenagem ao local onde passou os primeiros anos, ali fundou uma cidade – Esca-Abidis (o manjar de Abidis), ou seja, Scallabis – Santarém.
Muito mais tarde, já nos séculos XVII e XVIII, associou-se o topónimo às condições topográficas do território. A partícula «scala» significaria escada, ou seja, a escada de Abis. «No plural escadaria, situação geográfica nada estranha à forma dos montes, onde se instalaram as comunidades pré-romanas da Idade do Ferro, formando como que uma autêntica escadaria topográfica, com cotas de nível escalonadas marcantes e bem visíveis, dando a impressão de patamares de escada, como hoje ainda é possível observar.» (Jorge Custódio)
Há ainda uma outra teoria que importa reter, a de José Henriques Barata. Para ele, o primitivo topónimo de Santarém estava associado às «Scalae Gemoniae» do fórum de Roma, uma escadaria perto da prisão onde eram expostos os cadáveres daqueles que tinham sido martirizados e que seriam, posteriormente, lançados ao rio Tibre. Segundo aquele autor, a topografia local indicia isso mesmo, com os declives abruptos em várias direcções, tal qual a referida escadaria.

Comments

  1. dalby says:

    Isto é um massacre!! EU AMAVA Santarém e o parque de estacionamento, à noite, onde me diverti tanto e a fazer touradas! Mas com este massacre cultural fiquei pior do que a Cicciolina aos 65 anos! Haja misericórdia!!!, É isto e os cartazes das autárquicas!!!..ainda me enforco só para evitar o gótico de Santarém, o gótico de Rio Tinto e o caraças dos cartazes com os autarcas mais feios, menos fotogénicos e mais mal vestidos do Universo! Haja misericórida!DALBY

  2. dalby says:

    Ele quer-me é destruir !! (parte II!!!)

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