Poemas estoricônticos

A terra e a poesia

 

Tenho falado com alguns poetas

sobre o que entendem por poesia.

Poetas de muito nome.

Cada um deles diz-me o que sente

mas ninguém me diz

que a poesia nasce

como nasce a água da fonte.

O homem veio consultar-me.

Sentia

sobretudo ao levantar da cama

e com os esforços

uma dor em barra sobre a tábua do peito

que o imobilizava por completo.

Era um homem alto

Seco de carnes magras e duras

sem qualquer mazela que se visse.

Nunca estivera doente.

Por isso

este bloqueamento o intrigava tanto.

Parecia que tinha a mó de um moinho

em cima do peito

quebrando-lhe as costelas.

Não era homem de queixumes

mas coisa séria haveria de ser

para o pôr naquele estado!

Até já lhe haviam dito

que o mal seria

sabe-se lá!

uma angina de peito.

O senhor tem

de facto

uma angina de peito.

Sr. Doutor

eu nunca estive doente

em oitenta anos de vida.

Sou um privilegiado.

Não tenho medo da morte

pois todos temos de morrer

mais tarde ou mais cedo.

Mas tenho pena de deixar o trabalho.

Sem trabalhar não sei viver.

Diga-me Sr. Doutor

com a verdade que muito lhe agradeço

se poderei fazer alguma coisa.

Faço-lhe esta pergunta

porque sempre trabalhei no campo

casado com a natureza

e beijado pelo nascer do sol.

Tenho pena

porque a enxada nas minhas mãos era uma viola

e eu fazia nascer da terra a música que queria.

Comments

  1. Mais um bom poema, Adão.

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