Abibe Tal (mais um conto da Guiné)

Abibe Tal

 

O abibe era muito feio. Negro como um tição. A única coisa que no seu corpo branqueava eram os dentes, inseridos à distância da boca. Mas tinha um coração grande, muito maior que a feiura. Não o coração de carne que lhe batia no peito, mas o irmão gémeo, o coração dos sentimentos e dos afectos.

 

O Abibe pertencia à milícia e era nosso empregado, ajudando na cozinha e na limpeza. Fez-se por sua livre vontade meu impedido, afeiçoado e amigo. Limpava o quarto, fazia a cama, conseguia arranjar uns mangos e umas bananas e tratava de tudo o que eu lhe pedia.

 

A densidade de incidentes bélicos no pequeno território da Guiné era muito maior do que nas outras colónias. A terrível fama da sua guerra alastrou como fogo. Comparada à do Vietname. Ser destacado para a Guiné constituía uma condenação ao apodrecimento e ao risco de regressar encaixotado. Os aquartelamentos eram rodeados de arame farpado e troncos de palmeira, com abrigos subterrâneos, frequentemente flagelados. Eu próprio ajudei a cavar trincheiras, ligando os nossos quartos às casernas e a uma enfermaria subterrânea, onde guardava soros e medicamentos de urgência, indispensáveis em situações de ataque. Em tais condições de vida, era grande o valor de um companheiro e amigo como o Abibe Tal.

 

 

Mas não era só a guerra o mal que se temia. As doenças constituíam outro flagelo que a ninguém poupava. Nem ao médico. Por isso adoeci com paludismo. Mais do que uma vez. Para quem não sabe, contrair o paludismo ou malária é uma coisa terrível. A doença mais espalhada no mundo, uma das mais frequentes nos trópicos, e terrivelmente penosa nos acessos agudos. Mais de 250 milhões de pessoas afectadas em todo o planeta. De características clínicas particularmente graves nas regiões tropicais. O surto febril é indescritível. Arrepio súbito e violento, grandes picos de febre, mal-estar do outro mundo, astenia intensa, machadadas na cabeça, palpitações, contracções, sufocação, sede de toda a água, fenómenos sensoriais indefiníveis, corpo derretido em suores por dentro e por fora. O tremor generalizado mais parece uma terramoto com epicentro no peito. O vómito não mede distâncias.

 

Neste estado o Abibe me encontrou.

– ché dotô, tu tá memo lixado, mim ter que dar mezinha, mim ter que ser dotô de dotô!

– Meu caro Abibe, preciso que me descubras sem falta uma galinha, custe o que custar, não consigo comer nada, e uma canja sabia de mais.

– Mim fala no Seco, dotô manga de favor a Seco, dotô sempre trata filho de ele, mulher de ele, dotô sempre dá mezinha todo família, ele tem que arranja galinha.

 

Pouco tempo depois o Abibe entra no quarto com a cara do avesso. Os dentes pareciam mais salientes e uns laivos de espuma apontavam os cantos da boca. Os olhos faiscavam de raiva.

– dotô, aquele fideputa diz ca tem galinha, manga de ingrato, mim sabe que ele tem galinha, ele escunde galinha mas eu mato ele.

– Deixa lá Abibe, tudo se há-de arranjar.

 

A noite caíra, mansa e quente, noite da Guiné. O meu corpo sossegara, trégua das sezões e da acção dos remédios. Novas réplicas do terramoto seriam de esperar, mas o que contava era o momento. Estava eu ruminando a fraqueza quando entra o Abibe sorridente, com todos os dentes de fora, segurando entre as mãos um prato de canja fumegante.

– dotô aqui tem canja, toma ela.

– Onde encontraste a galinha?

– Munto fácil, dotô, mim espera noite, Seco vai na reza, mim faz emboscada e fana dois galinha, pa hoje, manhã e outro dia.

 

O Abibe era solteiro e mais tarde ou mais cedo haveria de casar. Por isso precisava de quinhentos pesos e duas vacas, o preço da noiva. Eu disse que lhe daria tantos quinhentos pesos quantas as mulheres que ele comprasse, mas vacas é que não tinha. Quando me vim embora o Abibe continuava solteiro. Choramos os dois num abraço eterno de despedida onde cabia o mundo. Sei que ele faria feliz quem dele se achegasse.

 

Escreveu-me há uns anos, dizendo que tinha duas mulheres e oito filhos. Soube há pouco tempo que estava quase cego. Se fosse mais perto levava-lhe um prato de canja.

 

 

A magnífica cultura da diferença

Como o Ricardo Pinto recomenda que não escrevamos textos que não sejam apenas da nossa autoria, interrompo o que vinha a transcrever. Limitar-me-ei a textos meus que não ultrapassem as 20 ou 30 linhas.

Assim sendo, aqui vai uma pequena reflexão, após ter lido o bonito texto da Carla.

 

A avaliação de um ser humano, em todas as vertentes da sua vida, a sua natureza, o seu humanismo, o seu comportamento, a sua ética de vida, a sua actividade profissional, a sua relação com os outros, as suas capacidades, profissionais, literárias, artísticas etc. é uma avaliação profundamente subjectiva. Com efeito, cada um de nós é fruto de uma estruturação completamente diferente. Os caminhos da vida de cada um de nós foram e são diferentes, as emoções, os sentimentos e as vivências de cada um de nós nem sempre levam a que a nossa visão do mundo e das coisas seja idêntica. Há virtudes para uns que o não são para outros. Há verdades para uns que o não são para outros. E a vida é, ao fim e ao cabo, toda esta magnífica cultura da diferença.

 

Calendário (II)

O e-mail do Aventar foi inundado por críticas e insultos logo após a publicação deste «post» do aventador José Freitas. A mulher como simples bocado de carne posto à venda no mercado, a pornografia pura num blogue que se julgava sério, o «voyeurismo» de quem, no fundo, não percebe nada de mulheres. Os homens que gostam destas imagens são, afinal, os mesmos que vão às putas.

Estes foram alguns dos mimos com que nos atingiram. Sei que não era objectivo do José Freitas ofender espíritos hiper-sensíveis. No entanto, o Aventar sabe que leitor satisfeito é leitor que regressa. E como tal, aqui deixamos o nosso pedido de desculpas, com uma outra imagem para um calendário de 2010. Homenageamos sobretudo aqueles que não gostam de pássaras – porque no fundo, é disto mesmo que tratam todas aquelas críticas.

O novo rosto da política externa da União Europeia

Catherine Ashton, Baronesa de  Ashton of Upholland

Eu sei sei sei mas não resisti…

 

Pemas do ser e não ser

Traz-me aquela flor do fim da tarde

Subindo as escadas até mim

Traz-me a rosa a glicínia o girassol

Para que eu me iluda e me engane

Traz-me o alecrim e a alfazema

Deixa que pense que é assim

Que se faz um poema.

Não me venham dizer

Que é bom ser velho

Ser velho é uma merda

Que a gente embrulha conforme calha

Em palavras que nada dizem

Em gestos onde tudo falha.

Traz-me aquela flor do fim da tarde

Entre alecrim e alfazema

Traz-me as duas almas de um dilema

Para que eu abrace a ilusão

De criar um poema.

 

Olhar para cima

 Existe, na língua inglesa, a expressão “look up to”, que significa considerar algo ou alguém com admiração, respeito e estima. Ter como norte aqueles que nos fazem querer ser melhores do que somos, superar as misérias, e transcender as limitações. Mas é certo que nem todos sentem necessidade de procurar faróis, por mais espessa que seja a neblina. Há quem consiga navegar sem nunca hesitar no trajecto a seguir, e sem necessitar de mapa ou guia. Não é o meu caso.

 

Eu sou uma dessas pessoas para quem a busca de guias não cessa nunca, mas que, como tantas vezes acontece a quem pede de mais, foi fazendo tombar, um por um, todos os mestres, às vezes por razões impossíveis de ignorar, outras porque a quem muito se quer muito se pede, e nem sempre o sujeito das nossas afeições está disposto a retribuir, e muitas vezes apenas por uma exigência furiosa, com muito de capricho infantil. 

 

Fossem as figuras lendárias a quem já não tive a sorte de conhecer ou os mais prosaicos, porque mais acessíveis, com quem pude cruzar-me, procurei desde a infância ir construindo o meu panteão profano, procurando nuns a força, noutros a arte, noutros a bondade, quando não a soma de todos estes atributos. 

Como por vezes acontece nos anos pouco dados à reflexão sobre si mesmo e à capacidade de não se levar demasiado a sério que correspondem à adolescência e aos primeiros anos da juventude, fui a mais moralista e exigente das discípulas. Fui apontando pés de barro a todos os que alcei ao pedestal e nem por um segundo pensei que a responsabilidade do discípulo não é menor do que a do mestre.  

 

Por cada palavra não medida, por cada acto conduzido pela vaidade ou pelo interesse calculista que lhes reconheci encolheu-se-me um pouco mais o coração e apressei-me a renegar a sua influência e muitas vezes até os seus ensinamentos. Não lamento a queda desses ídolos domésticos mas reconheço que o tempo vai ensinando a olhar com respeito e humildade as pequenas fraquezas alheias, ainda que provenham daqueles de quem não as esperaríamos.

 

E, afinal, dou-me conta agora que reencontrei um desses antigos mestres, bastaram uns poucos anos de frustrações e alegrias, e de tudo o que ambas costumam trazer, para que eu pudesse olhá-los a uma nova luz. E para que os antigos mestres, agora já redimensionados à escala humana, ressurgissem com novos ensinamentos e até, quem diria, capazes de comover com as suas debilidades. 

 

Novos governadores Civis – Ainda existem?

Há um Serrasqueiro como Secretário de Estado e uma governadora Civil tambem Serrasqueiro, ambos de Castelo Branco.

 

A Sónia Sanfona perdeu as eleições em Almeirim e foi enganada nas listas para deputada. É a nova Governadora Civil de Santarém.

 

No 5 dias e no 31 da Armada há mais.

graçola de oportunidade

A Next Power, agência de Rodrigo Moita de Deus, parece que vai trabalhar para o PSD.

Podem via a ser hasteadas bandeiras laranja nos principais mastros nacionais.

O Público e os links

O Público foi o primeiro jornal português a entender uma coisa óbvia: se os blogues linkavam para o Público iriam fazê-lo com muito mais vontade se recebessem uma ligação em troca, e ainda ganha o leitor de ambos, já que dispõe de um lado de um comentário à notícia e do outro de caminho directo para a notícia que está a ser comentada.

Utilizando o Twingly rapidamente se destacou dos seus concorrentes. Outros como o Maisfutebol e o Ionline seguiram-lhe o exemplo. Este gráfico publicado pelo António Granado mostrava o impacto da troca de hiperligações entre o Público Online e os blogues.

 

Sucede que desde a remodelação do Público Online o sistema de trocas deixou de funcionar. Embora lá esteja a indicação de que funciona, é fácil de ver que tal só acontece muito de vez em quando, tudo leva a crer que por via de uma dificuldade técnica, que se arrasta desde início de Outubro.

Agora gostava de ver os gráficos correspondentes para este final de 2009. Aceitam-se apostas para uma subida do Ionline para onde se vão mudando as ligações perdidas pelo Público.

 

 

A avaliação dos professores: Tudo bem explicadinho

Há uns anos atrás um tal de Lemos veio dizer que os professores eram uns incompetentes que todos os anos davam milhares de faltas.

Para alguém que se diz perdeu o mandato por faltas é uma frase completamente errada para estabelecer a comunicação com alguém.

Esse erro não está a ser cometido pela actual equipa e por isso parece que estamos numa nova era.

O ponto de situação:

– ME sempre disse que a avaliação começava com a entrega de objectivos;

– Nós, professores, sempre dissemos que não – só a auto-avaliação iniciava o processo.

Com esta divergência tinhamos uma consequência:

–  Maria de Lurdes e seus amiguinhos nas Direcções das escolas afirmavam que sem objectivos não haverá avaliação. Com esta afirmação muitos tiveram medo e foram a correr entregar os objectivos.

– Um erro, dizem os professores sem medo – só na auto-avaliação…

 

Com esta trapalhada temos cerca de 48 mil professores avaliados (números do Primeiro-Ministro). Os outros 102 mil não entregaram objectivos, logo não seriam avaliados…

 

Mas, pensando no que ia acontecer no parlamento, eis que a Srª Ministra envia (4ª feira) uma nota para as escolas:

– vamos concluir o 1º ciclo de avaliação (2007/08 e 2008/09) e TODOS, tenham entregue ou não objectivos. Exactamente o contrário do que tinha sido assumido pela equipa anterior.

– parar o arranque para o 2ºciclo de avaliação (2009/10 e 2010/11).

 

Ora, no Parlamento uns queriam suspenser outros nem por isso… na prática o que realmente aconteceu foi a suspensão.

E eu, como mais de 100 mil, que nada fizemos fomos avaliados com BOM! Foi este o milagre avaliativo do Governo Alberto… Desculpem, do governo Sócrates.

Orçamento rectificativo – até ontem as contas estavam equilibradas

Como toda a gente dizia menos, claro está, o governo e o seu ministro das finanças, o déficit orçamental será de 8% e não de 5,9%.

 

Isto é igual a 4.9 mil milhões que o governo apresentou, como necessários, para equilibrar as contas que, claro está, estavam equilibradas até ontem.

 

Entretanto, a UE diz que o oásis Socrático, vai estar 8 anos sem crescer, isto é, a afastar-se da UE , isto é, a empobrecer, o que quer dizer que a criação de emprego será residual, o que quer dizer que há pessoas com quarenta anos que não mais terão um emprego. O que quer dizer que Sócrates não faz ideia nenhuma do que anda a fazer.

 

Porque reparem bem, este senhor diz que os megainvestimentos públicos, vão criar emprego e riqueza, quando toda a gente diz exactamente o contrário. Vamos ficar mais endividados e mais pobres.

 

Até ontem as contas estavam equilibradas. Para se perceber o mentirosos que estes senhores são, é necessário um "rectificativo" que segundo eles não é "rectificativo" mas sim "modificado"?

 

Governar, para estes senhores, é esconder a realidade, esticar o máximo possível as expectativas, levar a que  a realidade se incuta, insidiosamente, no espírito das pessoas, como se tivesse que ser assim e não de outra maneira. Depois a crise internacional faz o resto, tem a culpa toda.

 

E claro, as campanhas negras vão levando o país para o lamaçal…

 

 

Cabeça de abóbora no Índico

  

Um crânio qualquer que dá pelo nome de António Oliveira, grasnou umas parvoíces a respeito da possível estadia da selecção portuguesa em Moçambique. Ora leiam:

 

"António Oliveira disse também que o Estádio Nacional de Moçambique não estará pronto até ao mundial e que o país não tem um campo de futebol em condições, sendo que o melhor, o da Machava, é de piso sintético. 

“Vir para cá a selecção é misturar política com desporto. E se a selecção vier para aqui os portugueses vão andar todos atrás. O Brasil podia vir mas com Portugal a relação é diferente, ainda há complexos de colonizador e colonizado, enquanto que os sul-africanos receberiam melhor a selecção, sem essa carga emocional”, disse à Lusa."

 

Este improvável presidente da Associação Portuguesa em Maputo, esquece-se do que aconteceu nas últimas competições internacionais em que Portugal participou. Sempre que a selecção vencia, a população invadia as antigas avenidas D. Luís I e da República, manifestando a alegria pela vitória "dos seus". Não querer reconhecer esta evidência, além de uma estupidez, é uma torpeza. Tudo deve ser aproveitado para o estreitamento de relações com os PALOP e anote-se também o facto, de o sr. Oliveira parecer esquecer-se do grau de segurança que se vive em Maputo, incomparavelmente superior ao de qualquer cidade sul-africana.

 

Mais um "Grande líder" da Segunda Geração de Setenta, de certeza absoluta!

 

Avalição suspensa

O Parlamento resolveu um problema!

Agora venha a negociação!

Uma contratação indesejada

 

Figo vai processar o Correio da Manhã porque não gostou da capa de hoje.

 

Segundo este jornal e baseado em escutas à dupla de atacantes Sócrates / Vara o apoio de Luís Figo a José Sócrates nas últimas legislativas terá custado 75 mil euros,

 

Ao que parece Figo não gostou da convocatória para o jogo Sport Face – F.C Oculta, principalmente por ser chamado a jogar pelo Face quando esperava ter sido contratado pelo clube da Oculta.

 

 

 

 

A máquina do tempo: breve nota sobre a poesia galego-portuguesa

Martim Codax foi um jogral galego, pensa-se que oriundo de Vigo, dadas as suas frequentes referências àquela cidade. Sabe-se ter vivido entre meados do século XIII e princípios do XIV. Dele, ouvimos «Ondas do mar de Vigo», composição ainda dentro dos cânones da poesia galego-portuguesa. Porém, há um momento ou, talvez melhor, um período que estabelece uma fronteira entre um idioma único, falado e escrito em Portugal e na Galiza, e o início de uma deriva em que a Galiza começava a sentir os efeitos da aculturação castelhana e, ao invés, em Portugal, dois séculos decorridos sobre a criação do País, se começava a fixar uma língua autónoma.

Segundo Giuseppe Tavani (1924), professor catedrático da Universidade de Roma «La Sapienza», grande especialista em filologia românica, particularmente nas áreas linguísticas do provençal, do catalão e do galego-português, essa fronteira situa-se algures entre o século XIII e finais do século XIV, inícios do XV. Numa Galiza que não obteve a independência, ficando ligada à coroa de Leão e Castela, a lírica galego-portuguesa começou a dar lugar a uma poesia galego-castelhana.

Assim na Galiza, ainda de acordo com Tavani, a linha de demarcação entre a poesia galego-portuguesa e a posterior, traça-se habitualmente, já no século em fins do século XIV, inícios do XV, com um cancioneiro específico compilado por Juan Alfonso de Baena, que passou a constituir o corpus da poesia galego-castelhana. O conteúdo do códice do século XIII do cancioneiro da Biblioteca da Ajuda e dos dois apógrafos italianos (cancioneiros da Vaticana e Colocci-Brancuti) é atribuído à poesia galego-portuguesa. Estes monumentos históricos e literários são os marcos que estabelecem a tal raia entre duas maneiras de falar e de escrever o mesmo idioma. Mas, como sempre ocorre nas regiões fronteiriças, há zonas de imprecisão em que as duas tradições dialectais se confundem.

 

Em Portugal, o rei D. Dinis (1261-1325), embora seguindo a matriz provençal, censurara o excessivo convencionalismo desses trovadores que privilegiavam o uso de lugares-comuns e frases feitas em detrimento da expressão de sentimentos genuínos como a amizade e o amor. Com a demarcação da poesia trovadoresca, com a fixação a Sul do rio Minho de um idioma que ia encontrando escritores que dele se serviam e o ajudavam a ganhar raízes e forma autónoma – D. Dinis, Fernão Lopes, Gil Vicente, Sá de Miranda, Camões, enquanto que a Norte o idioma de partida se ia eivando de castelhanismos, com a fonética a ganhar sonoridades distintas, a separação ia-se acentuando ao ponto de, no século XIX, depararmos com um galego onde os neologismos eram empréstimos do castelhano e o galego começava a transformar-se naquilo que Madrid afirmava ele ser – um dialecto do castelhano.

Um galego-português, cada vez mais diferente do nosso, ainda que a língua falada nas aldeias galegas fosse muito semelhante ao português usado no Norte. O Rexurdimento lançado por Rosalía de Castro, Manuel Murguía, Eduardo Pondal, Manuel Curros Enríquez e outros, reatou o movimento de reaproximação e permitiu ir expurgando o galego dos castelhanismos mais gritantes (alguns dos quais ainda surgem em poetas do século XIX e XX).

Apesar dos muitos escritores galegos que optaram decididamente pelo castelhano (por ser língua mais universal) – Gonzalo Torrente Ballester e Camilo José Cela, entre muitos outros, penso que, hoje em dia, é perfeitamente legítimo falarmos de novo em idioma comum, o galego-português, designação de Carolina Michaëlis que encerra o conceito ainda hoje prevalecente – o galego não é um dialecto do português, como em tempos se disse, nem o português é um dialecto do galego, como alguns radicais galeguistas hoje afirmam.

O galego-português é um idioma que, devido a circunstâncias históricas, se cindiu em duas formas dialectais. A partir do século XIX, com o Rexurdimento, o idioma começou a recuperar na Galiza o seu estatuto de língua literária, reintegrando-se na sua matriz original. Havemos de voltar a este tema para falarmos sobre a prosa galego-portuguesa, da Idade Média aos nossos dias.

Entretanto, ouçamos agora os Segréis de D. Dinis em «Pois vos Deus», composição do rei português.

 

 

Afeganistão – Karzai realiza reformas?

A definição de loucura é fazer a mesma coisa, uma e

outra vez, e ficar à espera de um resultado diferente”

Einstein

 

“Não me façam rir”, foi o primeiro pensamento que me passou pela cabeça quando li esta manhã a notícia online “Visita relámpago em Afeghanistão: Westerwelle (o novo ministro dos Negócios Estrangeiros alemão) impele Karzai a realizar reformas”.

 

Foi mais uma daquelas notícias tão bombásticas como banais e ocas sobre mais uma das inúmeras tentativas inúteis de alterar coisas que assim não podem ser alteradas. E coloca-se a questão: quem afinal somo nós, o 1º mundo e membros do sistema de liderança da pax americana –  „God’s own Country“ and his partners in misleadership – (ainda) em exercício, para indicar àqueles países o caminho certo? Más que reformas, as mesmas que as nossas que ou surtem efeitos contrários ou ficam em águas de bacalhau? Quem somos precisamente nós, que segundo a nossa própria convicação não somos corruptos como o 3º mundo mas em realidade nos encontramos no centro da corrupção sem contudo nos darmos conta?

 

 

É chocante mas a verdade é esta: devido ao nosso comportamento sócio-económico de há décadas que nos faz agarrar com todos as forças nas coisas do passado, em realidade nos encontramos mesmo no centro do furacão onde reina a calma – a tempestade apanham os outros.

 

O quê, precisamente nós, os éticos, honestos e civilizados alemães e os nossos demais parceiros europeus e transatlânticos do 1º mundo, que como é sabido só queremos o melhor para o 3º mundo, padrinhos da corrupção? Não se trata de uma afirmação absurda e impertinente? Bom, para a grande maioria é, mas graças a Deus ainda existe a minoria daqueles que conta e que não se deixando confundir tem sempre presente a tal citação do Prof. Dietrich Dörner: “QUERENDO O BOM, CRIAM O CAOS”.

 

Se, portanto, quisermos convencer o Afeghanistão e a um crescente número de países que actualmente se encontram a caminho de “failed states” das vantagens de um sistema aberto, se quisermos dar exemplo, então primeiro teremos terminar a nossa própria marcha para um sistema fechado. É isso o que realmente importa resolver primeiro. Se isto for feito, todos os inúmeros problemas que afligem o mundo – economia, clima, fome, guerras, saúde, etc. – serão resolvidos mais facilmente. (O clima mudará de qualquer forma, com ou sem os nossos esforços para reduzirmos seja o que for. Todas aquelas vistosas cimeiras apenas desviam a atenção do essencial).

 

Todavia, em primeiríssimo lugar teremos que ficar conscientes do porque da nossa actual situação e das consequências dos nossos actos. Como já dizia Goethe?  "O mais dífícil de tudo é sempre o que parece mais fácil, ver o que está diante dos olhos". De facto, enquanto somos incapazes de “ ver o que está diante dos olhos" a crescente pressão de sofrimento que nos espera será de grande ajuda. E o aumento do mesmo encontra-se invariavelmente pré-programado.

 

Oxalá que consigamos dar a volta às coisas em breve. Caso contrário nos espera uma “Afeghanização”, ou seja, situações violentas parecendo em comparação as descritas pela “Brasilianização” do Prof. Ulrich Beck um tremor de baixa intensidade. Impossível de acontecer nas nossas bandas? Isto, porventura, os povos da ex-Iugoslavia, que vivem todos em plena Europa, também teriam pensado quando de repente nos anos 90 lá eclodiu a guerra civil e a barbárie.

 

O calendário

 

Há uns anos, quando adolescente, entrar numa oficina de automóveis era um pouco como aceder a uma ala do paraíso. Não por causa das ferramentas, dos mecânicos com óleo nas mãos, do ronco dos motores ou sequer de alguns belos exemplares da criatividade da indústria automóvel. Eram os calendários.

 

Não havia oficina que não os tivesse. Os calendários. Fossem feitos de várias folhas e fotografias ou apenas de uma folha base com pequenas folhinhas onde surgiam os dias da semana e de cada um dos meses, eles estavam lá. Com a sua principal característica, as raparigas nuas. Em meio corpo ou corpo inteiro.

 

Eram calendários que surgiam sempre ligados à indústria automóvel. Fornecedores de peças, sobretudo. Muitos apareciam nas cabinas dos camionistas que circulam por essas estradas fora.

 

O mais famoso, o mais cobiçado, era o da Pirelli. Não era um simples calendário. Bom, ali, na oficina automóvel, parecia um simples calendário. Mas não era e continua a não ser. Era – e deve continuar a ser – uma obra de arte.

 

Este ano, a marca escolheu o excêntrico fotógrafo americano Terry Richardson, que foi ao Brasil fazer as imagens de cerca de duas dezenas de modelos.

Terry é o sucessor de fotógrafos como Robert Freeman, Brian Duffy e Harry Peccinotti, entre outros. Quis imagens simples, sem retoques. O mais natural possível. Ainda bem.

Todos os anos, a construtora de pneus investe uma pequena fortuna a produzir um dos seus ícones. Deve dar resultado. Convenhamos que ano sem calendário da Pirelli não seria a mesma coisa.

Roubo de viaturas nos portos nacionais!

 

É esta, a Toyota Dyna roubada no passado Sábado

 

 

Na madrugada do passado Sábado, 14 de Novembro, foi roubado à porta de casa, em pleno centro de Lisboa, o camião Toyota Dyna pertencente a um amigo. Dependendo totalmente do veículo para o seu trabalho, participou imediatamente à P.S.P.

 

Esta noite, no decurso de um jantar com um grupo de amigos, um deles informou-me acerca das estranhas ocorrências que desde há alguns anos se verificam nos portos nacionais. Existe uma máfia bastante organizada que se dedica ao roubo e exportação de viaturas com destino a países como Angola, Guiné e Cabo-Verde. O procedimento parece ser  rotineiro. O veículo é roubado, desaparece durante semanas ou meses, para depois de modificada a pintura e alguns aspectos da sua estrutura – lonas retiradas ou mudadas, por exemplo – ser vendido para os citados países, com papéis "novos", motores trocados, etc. 

 

 

Liguei de imediato ao António e fomos dar uma vista de olhos no Terminal do Poço do Bispo. O espectáculo é inacreditável e tendo falado com funcionários da zona, obtivemos a confirmação das suspeitas que se tornaram numa certeza. Os camiões de caixa aberta ou fechada são às dúzias, muitas vezes empilhados sobre outros grandes trailers! Com rodas ou sem rodas, foi-nos dito que muitos embarcam sem motores – que seguem em contentores -, irreconhecíveis. Aliás, deparámos com camionetas com cerca de dez ou quinze anos, pintadas de fresco, rejuvenescidas e prontas para partir para outras longínquas paragens. Os esquemas são complexos e a azáfama nos dias que antecedem a partida do barco, torna-se frenética. Viaturas onde à vista de todos são montadas as baterias que lhes permitem uma deslocação mínima em direcção ao local de carga, com "equipas de trabalho" que se aprestam às derradeiras formalidades. Fala-se de notas de encomenda que chegam do além-mar, adequando a oferta à procura. Tudo isto às claras, sem um mínimo controlo que iniba o crime?

 

Não posso acreditar na facilidade de todos estes episódios degradantes, se não existir uma clara conivência de gente colocada nos lugares exactos, ou pelo menos, de uma total inoperância ou desinteresse para com este autêntico escândalo de roubo descarado. Em que país se tornou Portugal nos últimos anos? Como é possível existirem tantos, tão prolongados e fortes rumores, sem que se tomem apertadas medidas de controlo da situação? Raspagem de números de série ou motores que não correspondem ao veículo, não são, pela sua frequência, aspectos dignos de desconfiança? As queixas empilham-se nas esquadras e não existe uma suspeita acerca do inusitado número de camiões que são exportados, correspondendo em grande medida às viaturas desaparecidas? A quem aproveita este esbulho?

 

Há uns anos, falava-se abertamente de viaturas de alta cilindrada que eram roubadas nas ruas portuguesas e que depois seguiam em direcção à Europa de Leste. Hoje, o móbil parece ser outro, o dos comerciais usados. O que sabem as Administrações dos portos de Lisboa, Setúbal ou Leixões acerca destes bastante credíveis rumores? Quem poderá mandatar as polícias para colocar um ponto final neste autêntico e vergonhoso tráfico de propriedade roubada aos portugueses? Onde param as atribuições do Ministério da Administração Interna e da Polícia Marítima? Como é possível permanecer de olhos fechados para uma realidade que todos aqueles que trabalham com transportes conhecem e contra a qual nada podem fazer?

 

O descaramento é total, os "agentes de exportação" repetem rotineiramente as remessas e os estranhos procedimentos passam impunes. Até quando? Até onde cairá a reputação da autoridade do Estado e dos agentes da ordem pública? Este país está a saque.

 

Isto é uma vergonha!