Poemas do ser e não ser

Mãos de ausência

 

As mãos grudadas de ausência

fincam dedos na argila dos lençóis

e abrem sulcos no ventre da noite.

Mãos sem poder nem domínio

sem rigor nem justiça

mãos impermanentes

demasiado abertas

para os punhos fechados que encerram.

Mãos secas

pegadas à idade das pedras

a cabeça de ontem

nas grades ferrugentas de hoje.

Olhos molhados

um olhar mendigo a tempos de outro tempo.

Dentro da quinta em ruínas

no meio de silvados

urtigas e ervas daninhas

anos e lustros a caminho de séculos.

Os olhos de minha mãe

cheios de outroras e lágrimas

mostram-me todas as lágrimas do mundo

nas lágrimas de tudo o que se verte em lágrimas

por dentro e por fora do tempo.

Restos de um lago seco

entulhos e restos

esqueletos de cameleiras

escadas sem fins nem degraus

portas e janelas esventradas

de foras e sombras.

Mãe

que o sol se lembre de nascer

onde o carinho é poema

onde o amor e o mar se tocam

dentro de uma gota de orvalho.

 

Comments

  1. Bonito e tocante. Memórias de infãncia, vejo. Um abraço.

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