Viva o Porto! Mas lá está a ressalva:

«Naturalmente, isso não se impede que, futuramente, e em qualquer momento, o assunto possa vir a ser suscitado no mesmo órgão municipal»

Rabo de Perdição

Usando da concisão e da elegância do costume, o Francisco Miguel Valada já fez referência ao estranho caso do autarca que toma decisões com base numa petição assinada por 37 cidadãos.

Entretanto, os argumentos apresentados no texto da petição e as declarações de alguns dos peticionários são tristemente divertidos e merecem um ou outro comentário.

Apesar do extenso currículo amoroso do escritor, podemos aceitar que «o grande amor de Camilo foi Ana Plácido», como consta da petição. O que já parece mais difícil de engolir é que a mulher a que se agarra o Camilo esculpido seja «um exemplar mais ou menos pornográfico». Como quero poupar o leitor a imagens mais fortes, deixo aqui uma ligação para um texto de Fernando Esquio, um trovador do século XIII, que se estaria a rir de quem confunde nudez com pornografia.

Entretanto, Ilda Figueiredo, um dos peticionários, critica a estátua como sendo uma afronta à figura feminina, tendo em conta a desigualdade: deveriam estar ambos vestidos ou ambos nus. Em alternativa à remoção da estátua, presume-se, o escultor deverá vestir a rapariga ou será obrigado a despir Camilo. Aguarda-se a posição dos restantes peticionários e a decisão de Rui Moreira.

Mário Cláudio, outro peticionário, considera que a figura feminina representa Ana Plácido, sendo de opinião que uma mulher «notável, talentosa e corajosíssima» não pode ser reduzida a um «corpo desnudo», o que acentuaria o pecado da «objectificação da mulher». Muito me espanta a ideia de que a nudez seja indigna ou a ilusão de que uma mulher vestida não possa ser objectificada.

Em suma, ainda há quem perca a cabeça por causa de um rabo: uns deixam escapar piropos de mau gosto, outros assinam petições.

A satisfação da vontade popular

Este livro não pode agradar a ninguém.
Camilo Castelo Branco

Une histoire abracadabrantesque.
Jacques Chirac

***

A propósito da Ponte Almeida Garrett (que acabou por se chamar Ponte Dona Antónia Ferreira ou Ponte da Ferreirinha), Rui Moreira, presidente da câmara do Porto, pronunciou-se nos seguintes termos:

A parceria com o JN vai permitir-nos chegar a um nome para a nova ponte que prestigie a história das duas cidades, valorize a infraestrutura [sic] e satisfaça a vontade popular.

Hoje, ficámos a saber, através do Público, que Rui Moreira estará prestes a satisfazer a vontade de alguns (37 pessoas) que não querem esta estátua:

Rui Moreira quer que a escultura de Francisco Simões, inaugurada há 11 anos, vá para as reservas municipais. Artista [Francisco Simões] diz que petição subscrita por 37 cidadãos é “lamentável” e treslê a obra.

Há uns anos, Steve Hackel, professor de História na Universidade da Califórnia, Riverside, e promotor de uma moção a favor da substituição da denominação Dia de Colombo pela de Dia dos Povos Indígenas, criticou a vereação de Los Angeles (EUA) por ter retirado uma estátua de Cristóvão Colombo do Grand Park, numa decisão tomada “quase em segredo e sem debate”.

Veremos se há consulta da vontade popular ou se nos ficamos pelos gostos pessoais de alguns e sem debate.

Efectivamente, abradacadabrant.

***

Se o Porto Canal tivesse ouvido uma das partes interessadas,

saberia que aquela mulher não é Ana Plácido: “aquela mulher é simbólica – representa a mulher na obra do Camilo, no Amor de Perdição. Não é, nunca quis ser, um retrato de Ana Plácido“.

Amor de Perdição, de Francisco Simões

Autoria da foto (e os meus agradecimentos): http://permanentereencontro.blogspot.com/2012/12/amores-de-perdicao.html

A propósito desta notícia de hoje.

Estou Triste

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Comprei hoje um livro escrito por Camilo Castelo Branco e descobri que um dos meus autores dilectos escrevia, afinal, de acordo com o tal Acordo Ortográfico 90. Estou triste.

António, não me mates, que sou tua mãe!

António Nogueira Leite: “A Caixa funcionou no passado como barriga de aluguer da política”

Diz que há autores mais actuais do que Camilo

Edviges Ferreira, presidente da Associação de Professores de Português, entre alguns comentários acertados acerca das discrepâncias entre as metas curriculares e os programas de Português, comenta a possibilidade de Camilo Castelo Branco voltar a ser estudado na disciplina de língua materna: “Durante muitos anos esteve no Secundário, mas as pessoas acharam que tinha de sair. Não me chocaria que voltasse a aparecer nos currículos, embora eu ache que há escritores mais actuais.”

Em primeiro lugar, é necessário notar que “as pessoas” constitui uma expressão demasiado vaga. Seria mais rigoroso afirmar que isso foi da responsabilidade dos autores autores dos programas de Português, programas esses que, goste-se ou não, reduziram o peso da literatura portuguesa e, concomitantemente, da história da literatura portuguesa. [Read more…]

Os clássicos da Literatura no ensino do Português

O Ministro da Educação ter-se-á mostrado favorável à re-inclusão de Camilo Castelo Branco nos programas de Português do Ensino Secundário. Espero que não o tenha feito apenas para ser simpático com o anfitrião, o presidente da Câmara de Famalicão, ou devido ao facto de ser um autor da sua preferência.

Se é certo que a Educação tem sofrido um desgaste brutal, com destaque para os últimos sete anos, a disciplina de Português, o fundamento do currículo, tem sido particularmente atingida por reformas e ajustamentos sucessivos, com oscilações brutais de terminologias linguísticas e com a exclusão do estudo de autores fundamentais da cultura portuguesa, com base em concepções vagas que defendem que a Escola deve ir ao encontro dos interesses dos alunos ou que os deve preparar para o mercado de trabalho, o que tornaria desnecessário o ensino da Literatura Portuguesa. [Read more…]

"Memórias de Moçambique"


Pintura documental, na qual se retrata as derradeiras décadas da soberania portuguesa em Moçambique: a vida administrativa, económica, familiar, usos e costumes de colonos e populações nativas.
Exposição a ser inaugurada a 11 de Setembro, pelas 16.00h no Palácio dos Aciprestes, Fundação Marquês de Pombal, em Linda-a-Velha
Av. Tomás Ribeiro 16

“Ana Maria (Plácido Castelo Branco Graça Ferreira) nasceu no povoado Errego, sede da circunscrição do Ile, Província da Zambézia, na então colónia portuguesa de Moçambique, a 27 de Abril de 1933. É filha de Arlindo Dias Graça, por sua vez filho de um brasileiro, proprietário, de Ouro Preto (Minas Garrais) e de uma portuguesa de Valadares (Vila Nova de Gaia); a Mãe, Alice Augusta Castelo Branco, nasceu em S. Miguel de Seide (Famalicão) naquela que é hoje a Casa-Museu Camilo Castelo Branco sendo, por esta via, bisneta de Camilo Castelo Branco e de Ana Plácido. O Pai, funcionário administrativo, era um curioso amante das artes e na família materna há vários artistas amadores, quer de Pintura, quer de Escultura.
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Calisto Elói


Um dos excelentes projectos da Guarda feitos por José Sócrates, um «provinciano bem vestido» nos tempos da Covilhã.

«Calisto Eloy, n’aquelle tempo, orçava por quarenta e quatro annos. Não era desageitado de sua pessoa. Tinha poucas carnes, e compleição, como dizem, afidalgada. (…) Pés e mãos justificavam a raça que as gerações vieram adelgaçando de carnes. Tinha o nariz algum tanto estragado das invasões do rapé e torceduras do lenço de algodão vermelho. A dilatação das ventas e o escarlate das cartilagens não eram assim mesmo coisa de repulsão. Estes narizes, se não se prestam á poesia lyrica, inculcam a seriedade de seus donos, o que é melhor. Eram assim os narizes de José Liberato Freire de Carvalho e de Silvestre Pinheiro. Quasi todos os estadistas de 1820 se condecoravam com a rubidez nazal. Não sei que ha n’isto indicativo de estudo, gravidade e meditação; mas ha o quer que seja. [Read more…]