Fanatismo (em Canelas) é um erro
Constituição da República, artigo 41º
Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa.
Já quase tudo foi dito e escrito sobre o Padre de Canelas. Não me parece que possa, apesar de conhecer a história muito de perto, acrescentar algo ao que já se escreveu. Não posso, no entanto, deixar passar em branco um dos últimos acontecimentos desta novela.
Canelas é uma freguesia localizada no centro do concelho de Vila Nova de Gaia, encostada ao L formado pela A29 com a A1. Com menos de catorze mil habitantes e qualquer coisa como cinco mil famílias, que tradicionalmente votam maioritariamente no Partido Socialista, é uma localidade que está algures entre a vertigem do urbano e a melancolia do passado marcadamente rural. Não encontro qualquer marca que a torne diferente de muitas outras terras deste país, isto é, não consigo identificar nenhuma marca social que explique, por antecipação, todos estes acontecimentos.
Não tenho opinião sobre os motivos dos que querem a manutenção do Padre, ou antes, tendo, ela é completamente irrelevante porque não faço parte do grupo que frequenta a igreja.
Na penúltima noite do ano reuniu a Assembleia de Freguesia de Canelas para a sua última sessão de 2014. A organização que tem dado corpo à luta pela manutenção do Padre esteve presente em peso na reunião, tendo, inclusive, vários dos seus membros intervindo no período destinado ao público. Tudo na mais perfeitas das normalidades, não fossem as palmas, que julgo não são parte habitual nestas Assembleias. [Read more…]
A turba
Não sou católica, não sei praticamente nada sobre o funcionamento da Igreja Católica e se há assunto que nunca me interessou foi o da escolha de um padre para determinada paróquia. Levo, porém, meses a acompanhar o pequeno drama de Canelas, de início com simpatia por uma comunidade que se juntava para reivindicar o direito a manter o padre a quem estava reconhecida, e ultimamente perplexa com a transformação dessa comunidade de católicos numa turba enfurecida e canalha. Neste domingo, e pela quarta vez, o novo padre teve de sair protegido pela GNR, enquanto a turba gritava, exibindo bandeiras que diziam “A igreja passou a tribunal, só saem com escolta policial”, todo um tratado de bazófia caceteira e um bom começo para um linchamento.
Quatro semanas acossado pela turba, insultado de “badalhoco”, protegido pela GNR, e o novo padre, Albino Reis, continua a comparecer para a homilia de domingo, coisa que confesso que me espanta. Cenas como esta, de um homem ou mulher sós, caminhando por entre multidões furiosas, apontados por dedos acusadores, insultados, ameaçados, fazem-me sempre tomar o lado dos que caminham sós, ainda quando se trata de gente com motivos para receber insultos e acusações, ainda que tenham cometido terríveis crimes, porque da fúria da multidão jamais se pode esperar justiça, e porque a ausência de piedade dos carrascos ainda me parece uma das maiores infâmias dos que os seres humanos são capazes. [Read more…]
Laila
Laila nunca fora feliz. Nem muito nem pouco. A felicidade não engraçara com ela, talvez por ser feia. Feia não era. Até era muito bonita por fora, o que não acontecia por dentro. Tinha sempre a alma do avesso e os sentimentos fora do corpo. Nunca atravessava a rua pela passadeira, entrava nas portas sempre às arrecuas e não beijava o Senhor na visita do compasso. Puxava o manto do Senhor dos passos na procissão da Paixão e fazia caretas às zeladoras do Coração de Jesus. Assistia à missa de costas para o padre. Não rezava nem comungava. A bruxa já havia dito que algum mau-olhado caíra sobre ela quando era criança ou que o diabo lhe cravara as garras na gola do casaco. [Read more…]
Como Se Fora Um Conto – Na Páscoa, o Compasso Já Não Vem a Minha Casa
Ao contrário de muitos que fazem questão de dizer que são tudo menos católicos, e que, em todas as manifestações religiosas, cá nos vêm informar da sua não religiosidade, como se isso fosse de algum interesse, não tenho por hábito falar das minhas convicções.
Desta vez, no entanto, resolvi vir falar da minha tristeza por já não ter o Compasso em minha casa, e da minha saudade dos tempos em que, em casa de meu avô paterno, toda a família se reunia para o receber.
O dia amanhecia muito cedo para toda a gente, excepto para nós, crianças. Éramos nove primos, e seis de nós dormíamos naquela casa. Era como se fosse Natal, mas não havia prendas. Quando nos levantávamos, ao som de fundo dos foguetes, já nossas mães e tias se atarefavam nas lides de tudo deixar a postos para «receber o Senhor», e a senhora Margarida e uma ajudante labutavam na cozinha para que o almoço fosse como sempre, sublime.
Santo Padre
Santo Padre
Peço humildemente perdão de me dirigir a Vossa Santidade desta forma, mas penso que Vossa Santidade poderia visitar todos os países que quisesse, nomeadamente o nosso, a expensas do Vaticano, como peregrino e não como imperador. Penso que nem Vossa Santidade nem a Igreja ganham nada com isso em termos morais. Mas também penso que não é a moralidade, na sua verdade e essência que preocupa a Igreja, mas outras ambições bem menos louváveis.
Penso que Vossa Santidade, sobretudo depois do sermão do Angelus sobre ambições e bens materiais, não deveria aceitar luxos de qualquer espécie, nem sequer o palanque do Rui Rio, pago por nós, e rezaria missa em dois ou três daqueles bancos de jardim que o Siza Vieira arrancou da Avenida, arranjados e enfeitados para o efeito.
E pediria ao Siza Vieira para plantar junto aos bancos meia dúzia de metros quadrados de relva a fim de Vossa Santidade poder ajoelhar sem magoar os joelhos na pedra ou cimento duro daquela eira que ele ali estendeu. [Read more…]
O padre apaixonou-se, e então?
Lá em Celorico toda a gente quer explicações do padre que se apaixonou por uma gaiata da terra. Mas que explicações?
Apaixonou-se, ponto, fez o que tinha a fazer, foi viver o seu amor que Cristo abençoa, não tem que dar explicações a ninguem. Olha , vi-a e fiquei como um bêbado à porta de uma taberna, sem saber se ía a sair se a entrar. Não é o que acontece a todos?
Qualquer daquelas pesssoas pode dar as explicações que espera do padre, a não ser que acreditem que o jovem padre falava todos os dias com o Senhor, o que lhe aconteceu com ele aconteceu com todos, é como um polícia vestido à paisana ao domingo, não sabe se mantem ou não a autoridade.
Querem saber como é que as pessoas se apaixonam? Isso queremos todos, a gente até se apaixona por pessoas que nunca viu, há lá explicações!
Mandem é rezar umas missas pela felicidade dos jovens, acolham-nos na vossa terra, exijam muitos meninos e ofereçam-se para padrinhos.
E, não esqueçam, naquela filosófica dúvida que nos traz os copos a mais, estamos sempre a entrar…
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