Post scriptum

No passeio de lá, apareceu de repente o meu pai. A minha cabeça sabia, e soube-o durante todo o tempo que a cena durou, que não podia ser o meu pai. As pessoas mortas não passam do lado de lá da rua, embora haja aquela história muito bela do Juan José Millás, de quando ele era pequeno e acreditava que quem morria ia viver para o bairro dos mortos, nos arredores da cidade. A minha cabeça sabia que não era possível, mas o meu coração acreditou, por instantes. E por isso bateu um pouco mais depressa. E as pernas, que sabem aquilo que a cabeça lhes diz, desta vez deixaram-se enganar pelo coração e tremeram. Em seguida, a cabeça recuperou o domínio sobre todos e lembrou que não, não pode ser, aquele homem, reparem bem, não pode ser ele e não é ele. É certo que o recorda um pouco, no cabelo, no casaco, no jeito de andar, mas nada mais. Aquele homem é um desconhecido. Não batemos, coração, mais depressa por um estranho. Nem trememos, pernas, por desconhecidos do outro lado da rua, que não nos perseguem nem ameaçam, nem sequer reparam em nós. Vamos lá recuperar o bom senso. [Read more…]

Esquerdalhada, eurocépticos, referendos e golpes de Estado

DNMRK

A Dinamarca integra o restrito grupo das nações mais desenvolvidas do planeta, goza de uma situação económica robusta e é considerada uma das melhores localizações do mundo para fazer negócios. Líder isolado da lista dos países com a distribuição mais igualitária de rendimentos, a Dinamarca conta com um Estado Social altamente funcional, que garante a todos os cidadãos educação gratuita, do pré-escolar ao ensino superior, acesso a um sistema de saúde público e gratuito, e dispõe ainda de uma rede de acção social bem montada e eficiente, motivos que levaram vários estudos científicos a considerar a Dinamarca como o país mais feliz do mundo, como este produzido em 2007 pela Universidade de Leicester. Esquerdalhada do pior portanto. [Read more…]

Zuckerberg doa a Zuckerberg e foge ao fisco

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É impressionante a falta de sentido crítico dos nossos media na difusão da notícia da “doação” da fortuna de Zuckerberg à caridade internacional, transmitindo a ideia de um filantropo profundamente generoso, completamente desligado da volúpia do clube dos multimilionários norte-americanos, realizando um sacrifício pessoal por “um mundo melhor”.

Quando se lê com rigor a carta de Zuckerberg, percebemos que doará durante os próximos 45 anos (a doação não é imediata) 99% da sua participação na Facebook (cerca de 45 mil milhões de dólares) à fundação Chan-Zuckerberg que pertence à própria família Zuckerberg. Foi registada como uma sociedade de responsabilidade limitada, ou seja uma Chan-Zuckerberg Ltda. e não uma fundação caritativa. Este estatuto não obriga Zuckerberg a aplicar o dinheiro em ações caritativas, permitindo-lhe investir em tudo o que quiser, inclusivamente em investimentos lucrativos. Zuckerberg poderá também transferir para a fundação os lucros da sua participação na Facebook escapando aos impostos, mas ainda mais interessante é a possibilidade da sua família herdar a sua fortuna via fundação sem ser taxada.

Nada disto é novo, a fundação da família de Bill Gates funciona em moldes semelhantes e como já foi denunciado em várias peças de jornalismo de investigação, a sua atividade económica mais importante é o investimento em fundos e em produtos financeiros. A caridade é uma atividade quase de fachada financiada apenas com os juros e os dividendos da sua fortuna envolvendo quantias bem mais modestas que as transações da fundação de Gates nos mercados financeiros.

PàF contra PàF

PassosPortas

Ora deixa cá ver se entendi bem: quando há umas semanas se discutia o programa da coligação PSD/CDS-PP, que se sabia de antemão que seria chumbado, a direita parlamentar criticou António Costa por não ter participado no primeiro dia de debate e por se ter resguardado para o segundo dia, acusando-o de cobardia e de fugir ao confronto de ideias. Hoje, no primeiro de dois dias em que se discute o programa do PS apoiado pelos partidos de esquerda, Passos Coelho e Paulo Portas remeteram-se, tal como Costa tinha feito, ao silêncio. Para quando as críticas da direita parlamentar a estes dois cobardes que fugiram ao confronto de ideias e se resguardaram para considerações finais no segundo dia?

A Contra lição do NTS

Vitima de um triste episódio de violência policial em Janeiro de 2012, trazido para o Aventar pelo Ricardo Santos Pinto, o rapper NTS improvisou a sua fuga a uma possível morte prematura e é hoje um dos músicos mais aclamados na cena hip hop nacional, seguido por largos milhares de fãs e um fenómeno no Youtube, com publicações a atingir um milhão de visualizações.

Mestre na arte do improviso, a percurso deste músico fala por si. A rimar desde os 14 anos, NTS – Não Tem Significado – produz à velocidade da luz e faria corar de vergonha muitos pseudo-empreendedores pendurados no orçamento de Estado que se pavoneiam por este país. O tema que vos trago é o retracto fiel de alguns dos vícios mais enraizados na sociedade portuguesa e uma crítica certeira e assertiva à uniformização de comportamentos decorrente da cultura de massas que impõe, a cada dia, um conjunto de modelos castradores de autenticidade que arrebanham multidões. Não, a cultura hip hop não são pistolas, carros de alta cilindrada e correntes de ouro. É um wake up call para uma sociedade em estado vegetativo.