“Acabar com as listas de espera só quando houver liberdade de escolha”

No âmbito da minha actividade profissional, tive a oportunidade de entrevistar, recentemente, Artur Osório, administrador do Grupo Trofa Saúde, que detém, por exemplo, o Hospital Privado da Trofa e outras unidades de saúde. Já foi administrador do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, e do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto. Nesta entrevista, reforçou o que há muito defende: Portugal precisa de uma Saúde mais aberta, livre e com maior concorrência.

Há, de facto, dificuldades sérias em organizar o sector da saúde em Portugal?

Artur Osório: Ainda há, têm havido alguns progressos. O Serviço Nacional de Saúde comemorou agora 30 anos e posso dizer que, como serviço público, está melhor que a justiça, que a educação… mas tem deficiências e o SNS tem ainda muito caminho a percorrer para garantir à população o verdadeiro direito à saúde.

Está mais aberto?

Não está. Devia estar. Tem tido ciclos de mais abertura, de modernização, tem outros ciclos em que se fecha, mas ainda não deu o salto para aquilo que hoje é a Europa moderna, em que o cidadão é que escolhe o serviço de saúde que quer e como quer.

O que é que falta?

Abrir hospitais e serviços públicos à concorrência, à livre escolha do cidadão poder optar pelo serviço público ou não, por uma gestão mais moderna e mais capaz. Falta também acabar com as listas de espera. Isso só será possível quando houver liberdade de escolha e quando houver verdadeira concorrência no sistema. Quando os países têm uma economia muito dirigida, é normal que haja espera. Como, por exemplo, antigamente, nos países de Leste, havia listas de espera para comprar um automóvel. Neste momento, o estado ainda detém um monopólio na saúde, e só quando for garantido à população o direito à saúde universal e gratuita, aí haverá um sistema de saúde com uma resposta muito mais rápida e barata.

É mais barato fazer saúde no privado do que no público?

Sim. Na generalidade das patologias, fica mais barato.

Como é que se explica isso?

As ineficiências dos serviços públicos pagam-se. Haver recursos a mais, mal geridos, onde não são pedidas contas e são feitas por clientelas políticas. As pessoas não sabem, mas quando vão a uma consulta a um hospital central, como o São João, Santo António ou IPO, o estado paga, só pela consulta, mais de 120 euros. Qualquer operação efectuada a um doente custa 5000 euros ao estado. E porque é que isso acontece? O estado faz os preços por critérios estatísticos mas também para manter os hospitais com resultados de equilíbrio financeiro que é obtido ao aumentar o custo dos actos. Isso permite que os hospitais não naufraguem e se mantenham à tona financeiramente.

É um custo que é falso?

E que é pago por todos nós. Portugal é dos países do mundo que, em 10 anos, mais aumentou as verbas para a saúde do estado. Isso é um esforço muito grande para os cidadãos.

Como é possível calcular essa inflação de preços?

Nós sabemos bem o que custa, havendo eficiência, cada consulta. A ADSE paga, a hospitais privados, cerca de 30 euros por consulta e o hospital privado obtém resultados.

Estamos a falar de aumentos de 100 por cento?

Ou mais. Tudo para manter os hospitais à tona. Para os nossos leitores, é fácil de explicar. Se o leitor for dono de uma quinta e também for o comprador dos nabos e das cenouras, e se quer que a quinta dê lucro, aumenta o preço desses nabos. Depois quem paga esses nabos são os consumidores. Isto não é um problema exclusivamente português. A Europa está a caminhar rapidamente para que o cidadão tenha liberdade de escolha entre o público e o privado. Depois, o estado encarrega-se de pagar, conforme os preços que ajustar. Mas sabendo o que paga, já que neste momento o estado compra muitas coisas ao privado, mas não vai auditar convenientemente aquilo que compra sequer.

Não deveriam ser devidamente acauteladas essas tarefas que o estado entrega aos privados?

Evidente. E com auditorias constantes, com uma entidade reguladora muito activa que devia estar a auditar os hospitais públicos e não o está a fazer. Os hospitais públicos, querendo facturar mais do que aquilo que se faz, têm mecanismos muito fáceis de os pôr em movimento e que, na realidade, servem para manter equilíbrios financeiros.

A transformação dos hospitais públicos em entidades públicas empresariais, que está a ser feita progressivamente, não trás nenhuma novidade neste aspecto?

Não, isso é mais do mesmo. Os hospitais públicos não têm nenhuma liberdade na gestão estratégica. Estão presos ao sistema de saúde. Não podem aumentar a clientela. Não podem produzir mais do que um determinado valor, não são eles que gerem os recursos humanos, já que não podem fazer contratos de trabalho directos, não podem comprar medicamentos livremente e só adquirem aquilo que o estado entende que deve ser adquirido. Os hospitais públicos estão muito manietados. Os hospitais públicos, neste momento, não passam de repartições com o nome de empresas, tal como as repartições de finanças, mas que não têm a mínima possibilidade de gestão estratégica. Não podem entrar em concorrência uns com os outros, não podem aumentar a sua capacidade e oferecer melhores serviços à população em detrimento de outros que vão ficando para trás…

Mas teria alguma lógica os hospitais públicos entrarem em concorrência uns com os outros?

Tem sempre. O que faz andar o mundo e países que têm muitos hospitais públicos, como o serviço nacional de saúde inglês, que foi o tipo de serviço em que no inspiramos, é a concorrência. O facto de um hospital ter muita procura é sinal que está a funcionar bem, que tem uma resposta capaz. E hoje o nosso cliente, ao contrário do que acontecia antigamente, já sabe escolher. É informado, vai à internet, estuda as doenças. E isso é importante para saber escolher. Antigamente sustentava-se que não se podia permitir a liberdade de escolha do doente, porque este era ignorante. Mas há muitos anos, também se dizia que as pessoas não podiam votar por serem ignorantes. É o mesmo processo. A democracia só será plena se o cliente tiver direito à escolha.

Qual é o modelo que acha que seria mais adequado para Portugal?

Uma evolução do nosso sistema. Manter os valores da universalidade, da gratuitidade. Mas fazer com que o Estado deixe de ser o dono da saúde. Os donos passariam a ser empresas privadas ou públicas. Outras até poderiam ser fundações, onde os municípios poderiam ter um papel importante, como tentei fazer há algum tempo no Hospital Pedro Hispano. E introduzir concorrência no sistema. Neste momento há um modelo monolítico, tem que ser tudo igual. As pessoas são contratadas da mesma maneira, o rácio de médicos é sempre igual. Não deve ser assim. Há particularidades diferentes de zona para zona. Deve ser tudo feito de forma próxima das populações.

Acha que o modelo que nos permite hoje termos um SNS que é levemente liberalizado não poderia ser refinado ao ponto de permitir que houvesse uma maior liberdade de intervenção dos actores de saúde? Acha que é possível fazer isso em Portugal?

É uma questão de vontade política. Financeiramente, não prevejo que o custo do SNS em que o cidadão tenha liberdade de escolha seja maior, antes pelo contrário. Pode ser mais barato ao estado sustentar a saúde ao contrário do que acontece hoje, q
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se financiam as catedrais do desperdício que são os hospitais públicos.

De qualquer das maneiras, já há muitas unidades privadas.

Sim, mas ainda são uma minoria dentro daquilo que o estado está a fazer. Vai fazer um hospital em Braga, uma parceria público-privada, mas é um hospital de 600 camas. São hospitais muito grandes, monstruosos. Têm lançado hospitais de gestão pública, que contraria o movimento que há na Europa. Na Alemanha, metade dos hospitais têm gestão privada. O estado verifica se os serviços prestados são bons e garante a saúde aos cidadãos. Isto é como qualquer actividade económica. Antes também se pensava que só o estado podia ter bancos, agora já não é assim. O mesmo se devia passar com a saúde.

Mas a saúde é um negócio também.

Isso é inegável. Mas o lucro pode ser reinvestido na própria saúde. No entanto, é preciso haver regras rigorosas, porque na saúde é muito fácil cobrar actos e serviços que não existem. Porém, hoje em dia, já é fácil controlar isso, através de programas informáticos e auditores, algo que o nosso estado não faz por ser algo atrofiado e anafado.

Houve evolução nos últimos quatro anos, no sector da saúde, em Portugal?

Não. Houve uma altura em que se transformou alguns hospitais públicos em hospitais SA, com o intuito de ser gerido por pessoas do sector privado, para rentabilizar mais essa gestão, mas nada mudou. Correia de Campos ainda tentou abrir mais a saúde ao sector privado, mas depois voltámos ao centralismo. Por exemplo, criar uma rede de cuidado continuados, que é algo que o país precisa, os doentes têm que ir para um sistema informático que, posteriormente, irá determinar para onde vai. Era tudo mais simples se um hospital pudesse procurar na sua área e no sector que necessita, um local para o doente ser tratado. É burocracia a mais. Correia de Campos deixou-se ir nessa onda, e a actual ministra da Saúde, Ana Jorge, tem apenas o papel da acalmar as águas.

Digamos que com Correia de Campos houve algumas reformas e depois houve um travão.

Sim, depois da tempestade vem a bonança, mas agora é uma bonança doentia. Agora o sector privado tão bons ou melhores serviços que o público. Antes, no privado só havia os consultórios individuais, e isso é como as mercearias de bairro, têm tendência a acabar e ser integrados em clínicas e hospitais privados.

Quando se fala em encerrar um serviço de saúde pública ou em reduzir os horários de um centro de saúde, mesmo que não se justifique estar aberto, isso implica sempre um agitar de águas.

Eu também tenho ideias menos próprias e já pus em prática. Em Matosinhos, criei algo chamado unidade local de saúde, que é uma unidade com uma certa autonomia na planificação os cuidados de saúde independente do poder central.

Na altura, a unidade local de saúde foi apresentada como um projecto pioneiro, para depois ser transportado para outros locais.

Foi. Orgulho-me muito de ter apresentado esse modelo, na altura à Maria de Belém, faz agora dez anos. Mas aquele projecto mexe com muitos interesses, e há muitos lobbies, e muito poderosos, na saúde. Uma unidade local gerida de forma eficiente acabaria com muitos interesses, médicos, farmacêuticos, laboratórios, e esses interesses mexeram-se e exerceram pressão sobre os partidos e governos.

Olhando para o que se faz hoje na saúde em Portugal, como se pode caracterizar o sector no privado?

É preciso entender o privado não como um concorrente do SNS, mas como complementar. Tem a sua autonomia. Há dois milhões de segurados neste país que são o nosso suporte. Se fosse pelo estado não sobrevivíamos. Na Trofa, só 4 por cento da nossa facturação é para o estado. O resto é de pessoas com seguros de saúde e com outros sub-sistemas, como a ADSE e outros. E mesmo assim não vivemos desafogados porque os preços praticados são muito inferiores ao serviço público, uma vez que o estado paga ao estado. É preciso deixar o sector privado ter um papel mais importante na saúde.

Recentemente houve uma polémica entre médicos e farmacêuticos relativamente aos medicamentos genéricos. Qual a sua opinião?

A nível da prescrição (de medicamentos) há uma liberdade muito grande. Não estou a dizer que os meus colegas são vigaristas, mas deixam-se influenciar muito pela indústria laboratorial. Esta indústria faz um marketing muito inteligente, e não estou a falar de almoços ou viagens. Quem dá formação aos médicos quando acabam a licenciatura é, quase exclusivamente, a indústria farmacêutica, que depois os leva a congressos e colóquios, levando os médicos a prescreverem este ou aquele produto. Em relação a isto, nalguns países, a indústria farmacêutica dá dinheiro ao estado para depois ser o próprio estado que, de tempos a tempos, dá formação aos médicos. Não deixa de ser a indústria farmacêutica a pagar, mas a formação torna-se muito mais independente. Depois, há a área da comercialização, onde a Associação Nacional de Farmácias (ANF) formou uma excelente rede, mas que tem margens de lucro enormes, e todos têm enriquecido à custa disso. Agora vêm defender os genéricos, e toda agente sabe que existem ligações de pessoas da ANF à produção de genéricos. Isto torna tudo muito promíscuo e quem se lixa são os cidadãos. Há outra coisa grave em relação ao medicamento que é a não existência da unidose. Os médicos prescrevem embalagens inteiras sabendo que, na maioria das vezes, só eram necessárias algumas doses desse medicamento. E depois quem paga isto somos nós. Há ali jogos de poder e de bastidores que não passam cá para fora.

E porque é que não se aplica a unidose?

Este é um país doente, com lobbies muito poderosos. E há muitos interesses por detrás disto tudo. Se há unidose nos EUA, em Inglaterra, etc, também podia haver cá. Só que isto levanta uma tempestade para muitos interesses, e os governos têm medo.

Comments

  1. Luis Moreira says:

    Conheço muito bem o Dr. Osório, era ele o Director do novo Hospital de Matozinhos, qundo eu era Director -Geral das Construções Hospitalares.Trabalhamos bem em conjunto e está lá um belo hospital.

  2. dalby says:

    LUÍS, SOMENTE UMA PERGUNTAZINHA, ANTES DE EU PARTIR PARA UMA FESTA DE TROCAS DE MANJERICOS (EM S MAMEDE DE INFESTA, numa quinta, aposto que ias gostar muiiiittooo !!) QUE VAI ESTAR INFESTADA DE TROCA DE CASAIS..EU VOU SÓ COMO OBSERVADOR!!NÃO GOSTO DE MISTURAS..SÓ GOSTO DE UM SÓ PRODUTO E DE UMA SÓ COR!!) OLHA LUís, por acaso não fizeste obras nenhumas no tempo em que estiveste no Hotel D.Henrique, aquando do trabalho aqui na DGS??!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! E tu não és assim tão antigo para ainda escreveres Matosinhos com um z…isso era em 1920’s agora é com S!! EU SEI QUE ERAS Director -Geral das Construções Hospitalares PORQUE O TAL AMIGO MEU QUE TRABALHOU CONTIGO JÁ ME TINHA DITO MAS PERGUNTO , COM INOCÊNCIA E CURIOSIDADE SE NÃO MUDASTE NADA NO HOTEL E NO BAR DE LÁ DE CIMA, CONFUNDINDO A OBRA COM ALGUMA DO HOSPITAL!! (MARIA ABSTENHA-SE IMEDIATAMENTE DE FAZER OU SUGERIR PIADAS QUESTÕES E SUGESTÕES POIS OS AQUÁRIOS NUNCA SE TRAIEM UNS AOS OUTROS!!)

  3. maria monteiro says:

    sem comentários

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