Frederico Garcia Lorca em Ponte de Sor

  

Por iniciativa da actriz Maria João Luís, apoiada pela autarquia local, foi criada em Ponte de Sor a companhia ‘Teatro da Terra’. Promete trazer, a gentes esquecidas do interior, uma saudável aragem de cultura e entretenimento.
A escolha da primeira peça incidiu sobre a CASA DE BERNARDA ALBA, do granadino Frederico Garcia Lorca, poeta e dramaturgo assassinado pelos nacionalistas em 1936, justamente no ano em que escrevera a referida peça.
Há alguns anos tinha assistido em Lisboa à ‘Casa de Bernarda Alba’. Tive agora a oportunidade de a reviver, com uma encenação de Maria João Luís, e a representação de grande força e talento de Custódia Gallego, no papel de Bernarda, da veterana Cremilda Gil, e de um grupo de actrizes jovens que estão à altura do vigor e da autenticidade exigidos pelo texto de Lorca (Inês Castelo-Branco, Maria João Falcão, Joana de Carvalho, Maria João Pinho e Diana Costa e Silva, pese infelizmente o facto de só serem conhecidas pelas presenças em telenovelas de cordel).
Rememorei com prazer a obra de Lorca, centrada nos dramas e sofrimentos do povo andaluz, transformado em personagem colectiva de uma luta pela liberdade e contra a tirania fascista; luta essa que custou a vida ao autor. Nos tempos do salazarismo, não era fácil aceder às obras proibidas de Lorca e só as li, graças à venda clandestina pela saudosa Livraria do Sr. Barata, na Avenida de Roma. O despotismo e os paradoxos da ditadura chegavam a este ponto.

Megaprojectos – O apelo de 28 economistas

Vinte e oito economistas apelam a Sócrates para reavaliar os investimentos públicos, propondo recurso a um painel consultivo de economistas, gestores e engenheiros, nacionais e estrangeiros, de reconhecido mérito.

Argumentos:

Painel : é um absurdo insistir em investimentos públicos de “baixa ou nula” rentabilidade e com fraca criação de emprego em Portugal. Para além do sobreendividamento da nossa economia e com o empobrecimento do país.

Ferreira do Amaral : O TGV vai empenhar-nos durante décadas!

Augusto Mateus : O projecto global do TGV não faz sentido

José Junqueiro . O PSD procura uma medalha, numa competição que não existe

Henrique Neto : O TGV não nos liga à Europa, mas a Espanha.

Francisco van Zeller : O lucro vai todo para os estrangeiros

Fernando Santos : A alta velocidade é prioritária. Se for preciso, corte-se no plano rodoviário.

Luis Moreira : reparem no inteligente argumento de quem defende as políticas do governo!

Perder a avaliação é perder a cara

Nos últimos dias tem sido intenso o debate em torno do documento que a Srª Ministra enviou para o Conselho Consultivo para a Avaliação de Professores.
Nesse documento, sua excelência sugere duas possibilidades: voltar a colocar em prática o modelo completo ou renovar o simplex, uma espécie de terceira via da avaliação de professores.
Se me permitem os camaradas presentes, iria procurar apontar a luz desta discussão para fora da Escola – estou tão convencido que a avaliação já era, que nem vou perder tempo.
A tónica que queria colocar era a seguinte:
– a Minstra já não o é – todos o sabemos! Mas, o sr. inginheirú?
Poderá ele deixar cair a avaliação e ir a votos confrontado com a verdade: ” Mas, o Sr. não conseguiu introduzir a avaliação dos professores, pois não?”
Pode ele perder a cara e não perder o poder ou, visto de outro ângulo, pode ele manter o poder, mesmo que perca a cara?
Estou convencido que não.
Os professores conseguiram encostar ESTE PS e este inginheirú às cordas – não tem fuga possível.
Se mantém, está feito! se deixa cair… feito está!
E isso faz com que se vá ouvindo de forma unânime em todas as escolas, na boca de todas as professoras e professores: “eu não quero saber quem ganha ou quem perde. O Sócrates é que não! Ele tem que pagar o que nos fez.”
E os senhores do aparelho socialista sabem que esta é a verdade! Por isso deixaram cair a primeira cana.

Partido pelos animais – Manifesto

Segue abaixo o Manifesto do Partido Pelos Animais. Nele está resumida a nossa visão a respeito dos animais, da natureza e do meio ambiente e de como tratamos o ambiente em que vivemos. Esta visão é a base dos pontos de vista do Partido Pelos Animais. Se preferir fazer o download do Manifesto em pdf, clique aqui.

A Vida na Terra manifesta-se de várias formas. Só o número de espécies animais ultrapassa 1 milhão. Cada forma de vida tenta manter-se mesmo que seja à custa de outras formas de vida. As espécies podem ser concorrentes ou relacionar-se como caçador-presa. Todas as formas de vida juntas fazem parte do ecossistema global, que encontra naturalmente um equilíbrio dinâmico. Por esta razão, a vida na Terra não é um paraíso pacífico, mas uma luta permanente que causa sofrimento aos envolvidos, mesmo até à morte.

O ser humano faz parte do sistema ecológico na terra, mas – devido ao seu desenvolvimento mental e à cultura que resulta deste – é capaz de prosseguir os seus próprios interesses à custa de outras formas de vida de uma maneira mais intensa e em maior escala do que qualquer outra criatura. Contudo, esse mesmo desenvolvimento mental também dá ao Homo Sapiens a liberdade de não infligir sofrimento e danos desnecessários a outros organismos e mesmo a membros da sua própria espécie, no presente e no futuro. O respeito pela integridade física e mental de todas as espécies de vida na terra é a base de um relacionamento mais pacífico entre os homens e destes com os animais e com a natureza em geral.
O respeito pela vida ainda não está suficientemente desenvolvido nos seres.

Isto levou e ainda leva a uma enorme brutalidade e negligência do comportamento humano. Como consequência disso, áreas naturais estão a desaparecer rapidamente, espécies animais estão a extinguir-se e o ecossistema global está sobrecarregado e desorganizado, correndo-se o risco do desaparecimento de grandes grupos populacionais. É moralmente inaceitável que as pessoas explorem a natureza tão intensamente que por essa razão a forma de vida na terra seja mudada drasticamente e o biótipo do ser humano e de outras formas de vida se tornem piores, menores, ou cheguem a desaparecer. Gerações futuras serão mais confrontadas com a consequência disso do que a geração actual. Por isso é de grande importância que as pessoas suportem o limite ecológico. Este tem que se direccionar para a redução da utilização de espaço, solo, energia, plantas e animais.

A Carta da Terra, surgida a partir de uma iniciativa das Nações Unidas em 1987 (United Nations World Commission on Environment and Development: http://www.earthcharter.org), é utilizada como ponto de partida por organizações relacionadas com a natureza e meio ambiente. A protecção da vitalidade, diversidade e limpeza da terra é, nesta carta, descrita como uma “santa tarefa” do ser humano . No artigo 15 está formulado como alvo especial o respeito e a piedade na forma de lidar com animais. Deve ser impedida a prisão brutal de animais e a caça e métodos de pesca que causem extremo, longo e desnecessário sofrimento devem ser proibidos. A Carta está direccionada para o uso permanente da natureza pelo homem. Na verdade também são reconhecidas outras formas de vida que a humana e esse reconhecimento do seu valor próprio torna prescritos o respeito e a compaixão no contacto com os animais, embora no que respeita ao uso de animais não existam restrições claras .

Isto aconteceu na Declaração Universal dos Direitos dos Animais da Liga Internacional dos Direitos do Animal em 1977. Aqui não somente fica suposto que todos os animais têm que ser tratados com respeito, mas no artigo 7 é classificada a morte desnecessária de um animal, e qualquer decisão relacionada com isso, como um “crime contra a vida”. A caça por prazer e a pesca desportiva são claramente condenadas, enquanto para o uso de animais para testes são colocadas normas que atendem a uma necessidade e
acompanham uma pesquisa de aplicação de alternativas.

Após dois séculos de protecção aos animais já estamos mais que a tempo de reduzir a continuidade do uso de animais. Os Animais ainda são considerados como objectos subalternos (“coisas” no nosso Código Penal) que podem ser utilizados para os interesses humanos. A exploração dos animais e do seu biótipo, mesmo que seja de curta duração, tem, inevitavelmente, uma consequência negativa para os animais e acaba a maioria das vezes com a morte deles.

Por essas razões, em relação a todas as formas de lidar com o uso de animais, deverá ser cuidadosamente estudado o interesse humano e as consequências para o animal. O uso de animais para interesses não vitais dos homens pode nessa aproximação ser recalcado e banido. Isto evidentemente é válido também,
entre outros exemplos, para a produção da pele, o circo, a tourada, a pesca desportiva e outras formas bruscas de diversão utilizando os animais. Religiões e tradições culturais que agridam o bem-estar dos animais precisam de ser renovadas.
As tradições não são de facto fantasmas inalteráveis, mas podem e devem adaptar-se à mudança dos tempos e a um novo conceito e normas morais humanas, pois no passado fez-se o mesmo. Também no uso de animais para testes e de animais para consumo humano sempre servirá a dosagem ética de diferentes interesses do homem e do animal. Também aqui devem ser aplicadas alternativas para testes com animais e produtos animais. O desenvolvimento e aplicação dessas alternativas podem por isso também ser
considerados necessariamente éticos. Um trato cuidadoso e amoroso com a natureza e os animais significa na verdade que os homens demonstram respeito pelo corpo e uma mentalidade íntegra. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) oferece para isso um adequado ponto de partida. Por eles foram criadas leis onde a pessoa em liberdade e sem opressão e violência pode viver e desenvolver-se. Aqui o homem tem que levar em consideração a própria raça. A sua liberdade termina onde começa a liberdade do outro. A Declaração Universal dos Direitos Humanos forma, junto com a Declaração dos Direitos do Animal e a Carta da Terra, um ponto de partida prático para a forma segundo a qual o homem com os homens, com os animais e com a natureza se deve relacionar. Este ponto de partida é usado no programa eleitoral do Partido Pelos Animais.
Para que seja possível uma mudança do comportamento humano relativamente ao próprio homem, à natureza e aos animais, é importante que se proceda a uma profunda reforma das mentalidades e dos factores culturais, sociais, políticos e económicos que as condicionam. O Partido Pelos Animais apoia assim todas as iniciativas que visem melhorar as condições de vida dos homens, em harmonia com a natureza e as restantes espécies. O Partido Pelos Animais apoiará e promoverá particularmente acções que visem aumentar a consciência e sensibilidade humanas a respeito do facto evidente de que todos os seres sensíveis desejam igualmente a felicidade e o bem-estar e não desejam sofrer. Por esta via, o Partido Pelos Animais assume estar ao serviço do desenvolvimento do próprio homem, na prática de um novo paradigma mental, ético e civilizacional que torne a humanidade mais fraterna e solidária do universo em que vive e de todas as formas de vida com que convive.

Oeiras, 29 de Maio de 2009

A Comissão Coordenadora
António Rui Ferreira dos Santos
Pedro Luís Sande Taborda Nunes de Olive
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a
Paulo Alexandre Esteves Borges
Fernando Leite

Terrorismo é "teatro"

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“No xadrez, como na guerra, a chave para a vitória é a antecipação aos planos do oponente. Pensar duas jogadas à frente. A arte da guerra assimétrica, é mais provocar uma resposta do que infligir danos. Terrorismo é “teatro”. Num teatro actua-se sempre para um público.”

“Traidor” está a meio e o líder de uma célula terrorista enuncia à personagem principal do filme, Omar, interpretado por Don Cheadle, todo o programa de qualquer movimento terrorista. Se não se souber, não existiu. Terrorismo é teatro e, portanto, tem de haver público. Este enunciado é simples e é conhecido de todos mas, volta e meia, alguém tem de o dizer.

“Traidor” é uma agradável surpresa. Estreado em Agosto do ano passado nos Estados Unidos, foi preciso esperar por Maio para chegar às salas nacionais. Chegou de forma suave, sem espalhafato, quase anónima, numa daquelas operações de distribuição sem cuidado e para despachar refugos, que em nada ajudam um filme a ganhar público. Aliás, que em nada ajudam as salas de cinema a ter mais frequentadores.

Terceiro filme realizado por Jeffrey Nachmanoff, que também assinou o argumento, a partir de uma história de Steve Martin (sim, o comediante), esta é uma película de história simples sobre um agente duplo infiltrado numa célula terrorista islâmica, com o objectivo de chegar aos seu líder.

Não se esperem discursos ou frases moralistas sobre a vida dupla de agentes duplos ou sobre os malefícios e as razões ou falta delas para os actos terroristas, ou para o ódio que grupos islâmicos nutrem pelos EUA. O filme não segue, e bem, por essa via. Está lá tudo, claro, mas num plano aceitável. E conscientemente sério. É para ser descodificado entre linhas.

Com Don Cheadle, sobretudo este, encarnando mais uma personagem complexa, e Guy Pearce em bom plano, “Traidor” consegue obter a nossa atenção e assume-se como um bom entretenimento.

Falando de transportes – A Falácia do Ministério das Obras Públicas: O TGV (IV)

(continuação de aqui)
Dentre os projectos prioritários escolhidos, a concluir antes de 2010, destacamos:

a) PF3 TGV Sul – Ligação ferroviária Madrid – Vitória – Hendaye
Este projecto constitui uma das duas ligações ferroviárias de Espanha com o resto da Europa; facilmente e sem esforço – basta olhar para o mapa e medir as distâncias – logo se compreende a enorme vantagem que advém para toda a Região Norte e Centro com esta ligação, caso se construa uma linha mista, de VE, passando pelo Porto / Aveiro / Salamanca / Valladolid… Note-se que, a partir de Valladolid, os portugueses poderão aceder rapidamente a Madrid, mediante uma linha AV, inaugurada há muito pouco tempo.
Dificilmente se compreende o quase imobilismo de Portugal a este respeito, com os responsáveis obcecados com a alta velocidade que, por ventura, irá ligar Porto / Lisboa / Madrid em tempo recorde, servindo um tráfego muito baixo de privilegiados e, por isso mesmo, sem qualquer justificação no que se refere aos portugueses.
Em consequência, serão enormes os prejuízos que essa política irá acarretar para o nosso país – em particular no que se refere ao desenvolvimento dos nossos portos – sabendo se que uma grande parte do nosso comércio import-export passa por eles, e também, pela fronteira de Vilar Formoso.
Hoje em dia, unicamente pelo IP5, pode detectar-se um trânsito de camiões TIR muitas vezes superior a 2.000/dia.
Contudo, haverá alguém que duvide que, em relação às longas distâncias por terra, o caminho-de-ferro – meio de transporte seguro, fiável e pouco poluente – seja o mais adequado? E, sendo assim, por quanto tempo mais os poderosos “lobbies” da camionagem continuarão a levar a melhor relativamente aos verdadeiros interesses do país? Quando será que o nosso Governo compreenderá, finalmente, que não compensa continuar a investir desalmadamente nas A-E rodoviárias, algumas delas praticamente desertas ou com muito pouco trânsito? Já fizeram as contas aos custos enormes com a sua conservação sistemática (para não aumentar, ainda mais, essas despesas) e, também, aos da sua manutenção, assim como ao pagamento da parte que lhes compete nos PPP, tão em moda? E, ainda, a factura a pagar pelos produtos petrolíferos e seus derivados, destinados aos carburantes e, antes disso, logo à partida, ao seu tapete superficial (camada de rolamento)?
Bem vistas as coisas, suponho, há justificação e mercado para todos os operadores desde que haja desenvolvimento; a resolução do problema consiste, simplesmente, numa adequação mais correcta dos vários modos de transporte, uma vez que a lei do mercado leva sempre a melhor. E o mercado alarga-se, é sabido, com o abaixamento dos preços.
Porém, o que tem vindo a suceder no nosso país, ao longo dos anos, é uma situação de progressivo abandono do caminho-de-ferro, ou a sua existência (mal) tolerada o que leva este, nestas circunstâncias, a não poder ser concorrencial, na maioria dos casos. As leis do mercado encontram-se, assim, distorcidas e as suas regras viciadas.
Assim o escrevi há cerca de cinco anos e ainda mantenho o que disse. Prosseguindo:

b) PP8 – Ligação multimodal Portugal / Espanha / Resto da Europa
 Ligação ferroviária Corunha – Lisboa – Sines
Esta ligação ferroviária, através dos portos que irá unir, é muito importante na medida em que vai integrar, completando, o projecto de A-E marítima da Europa / Oeste já atrás referida.
Esta estratégia, porém, necessita das duas ligações transversais, internacionais, (a que já fizemos referência) e, ainda, da ligação Porto / Vigo. Tanto mais que os dois pólos principais da economia portuguesa, Lisboa-Setúbal e Porto-Braga encontram-se separados por cerca de 400 km de via férrea.
Isto significa que, ao considerar-se uma só ligação à Europa esta iria prejudicar, inevitavelmente, um ou outro dos dois pólos considerados. Acresce que Espanha, actualmente, tem duas ligações ferroviárias com esse objectivo: por Hendaye e por Port Bou; e uma terceira, para já em fase de estudo, que fará a travessia dos Pirinéus, possivelmente na área de Confranc/Oloron.
 Ligação ferroviária Lisboa – Valladolid – Resto da Europa
É algo difícil de compreender e penso que deverá merecer uma melhor reflexão da parte do Governo Portugês.
Na hipótese de passar por Madrid (Lisboa / Badajoz / Puertellano / C. Real / Manzanares / Alcázar / Madrid – 720 km), dada a sua extensão, nomeadamente em território espanhol, Hendaye ficará a 1.363 km (passando por Burgos e Vitória), o que iria obrigar ao pagamento de fretes elevadíssimos com repercussões evidentes nos preços finais dos produtos e, de modo idêntico, no custo das passagens.
Falar nesta ligação ferroviária e, por exemplo, ignorar o traçado Porto / Aveiro / Salamanca / Valladolid / Resto da Europa – traçado este particularmente vantajoso para o Norte e Centro do país – é , pelo menos, estranho, direi mesmo provocatório para as gentes dessas Regiões; tanto mais que este último trajecto pode ficar pelos 850 km (Porto / Hendaye) ou seja, cerca de 96 km menos se o compararmos com o actual percurso pela Pampilhosa (946 km).
O que acabámos de expor não envolve retórica banal. São números que devem ser estudados detalhadamente e, eventualmente, criticados.
Nesta ordem de ideias, espera-se que os analistas e outros comentadores sempre muito atentos às realidades nacionais e, como se espera, os não menos prestigiados especialistas em transportes não deixem de se pronunciar sobre estas propostas da Comissão Europeia, pelo menos, naquilo que nos diz respeito.
Com efeito, a problemática dos transportes, muito vasta e envolvendo várias especialidades (o que nem sempre transparece) não se esgota, como já disse, nas viagens em AV de alguns (pouco) milhares de “señoritos” entre o Porto, Lisboa e Madrid, como erradamente se poderá depreender dos discursos inflamados de alguns políticos acolitados pelos tais especialistas.
É um facto que me estou a repetir; mas isso deve-se ao silêncio dos responsáveis.
Continuo esperançado que ao fim de alguns anos de estudo e muito esforço alguém tenha a gentileza de me esclarecer, visto que estou de boa-fé, aliás como a maioria dos portugueses, não suficientemente informados, mas que pretendem intervir com o desejo sincero de conseguir algo de melhor para o nosso país. É esse o motivo da minha insistência.
Julgo que vale a pena recordar que o delegado português nosso representante no Grupo de Alto Nível que escolheu os projectos prioritários é o Director do GAERE – Gabinete para os Assuntos Europeus e Relações Externas. Com direito a voto.
As posições que assume e as opiniões que transmite são importantíssimas. Mais do que as declarações ou as entrevistas dos responsáveis – por vezes contraditórias – o que conta, verdadeiramente, são as escolhas que constam das listas dos projectos prioritários aprovados com base nas propostas dos Estados membros.
Deste modo, reflectindo melhor, haverá motivo para queixa? A quem e porquê? Se nos cabe uma boa parte da responsabilidade…

Fliscorno – Soluções mágicas*

Cada época tem apresentado a sua crença sobre a forma de resolver os males do mundo. Estas soluções mágicas já foram a religião, a ciência, a indústria, a Internet, a globalização, o conhecimento e, agora entre nós, a tecnologia. Se é certo que cada uma destas áreas trouxe aspectos positivos à vivência humana, nenhuma delas por si só cumpriu essa missão que por vezes lhes foi imputada, a de ser resposta para todas as dificuldades. Não existem soluções mágicas. Melhorar implica esforço, planeamento e trabalho. Mas as soluções simplistas têm o condão de serem explicadas facilmente, o que lhes confere um enorme potencial propagandista. Não requerem, também, grande esforço de compreensão, bastando-lhes fé – disposição para acreditar que uma gota faz o oceano. Um outro aspecto das soluções milagrosas consiste em focar apenas os aspectos positivos, o que se compreende, já que as massas não se convencem pelo apelo à ponderação. É neste contexto que chegamos à cega aceitação de algumas medidas governativas. Propõem-nos chips para aumentar a nossa segurança, quadros electrónicos para ensinar os miúdos a ler e portáteis para aumentar o sucesso escolar. Ninguém questiona se não estamos apenas perante soluções mágicas?

também publicado em http://fliscorno.blogspot.com/2008/09/tecnologia-technology.html

* Fliscorno é leitor do Aventar e autor do blogue Fliscorno

Rui Neves da Silva – A Comendadora (II)*

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– Lembras-te de mim?
O estudante estacou, assustado com aquela aparição. Quando viu que era uma rapariga, e ainda por cima diminuída fisicamente, o seu ritmo cardíaco estabilizou.
Clarimunda estava de frente para a luz, o que facilitaria a recordação do seu rosto se o recém-chegado tivesse perdido tempo a olhá-lo enquanto lhe arranhava o útero. Mas pelos vistos o sádico não se preocupara sequer em ver a cara do ser humano que feria e humilhava com tanta crueldade, constatação que acabou com a última hesitação da rapariga.
– Na cozinha do bordel, canalha…!
Aquelas palavras entraram-lhe pelo cérebro no exacto momento em que Clarimunda erguia a muleta e fazia saltar o punhal toledano. A ponta da lâmina enterrou-se até meio no pescoço do estudante e retraiu-se de imediato, o que fez o sangue escorrer aos borbotões do rasgão que lhe abrira na traqueia.
Clarimunda viu como a sua vítima caía de joelhos e levava as mãos ao pescoço numa vã tentativa de estancar a hemorragia. Num estertor, tentou falar… Mas o ar silvava-lhe através do ferimento e apenas conseguiu articular a palavra “ajuda-me” enquanto lhe dirigia um olhar suplicante.
Clarimunda não se comoveu. Empurrando-o com o pé, atirou para trás o corpo do moribundo e fez saltar novamente o punhal. Feriu-o uma e outra vez no ventre, vociferando em voz rouca:
– Morre no meio da merda, cabrão!
Quando viu que o corpo que apunhalava era já cadáver, Clarimunda retirou-lhe o relógio de bolso e a carteira, que deixou abandonada no chão do pátio depois de a esvaziar do dinheiro que continha.
Menos de um minuto mais tarde a rapariga esgueirava-se pelas ruelas, procurando ocultar-se com as sombras e deslocar-se colada às paredes até abandonar as imediações do local onde acabara de concretizar a sua promessa de vingança. Tinha retirado o dispositivo mecânico que mandara acoplar na muleta e recolhera o punhal, que apertava agora nervosamente entre as roupas, e afastou-se rapidamente e em passada quase escorreita em direcção à estação do comboio.

* Rui Neves da Silva é escritor e Revisor Oficial de Contas.

Bem-vindos à tabloidização

Aconteceu tudo na quarta-feira. Poderia ter sido um dia ou dois mais cedo ou mais tarde. Poderia ter sido na semana passado ou apenas ocorrer na próxima. Em rigor, a questão temporal é aqui pouco relevante. O essencial nesta matéria é apenas a tendência crescente na comunicação social, mesmo na dita de referência ou “séria”, como se todos os meios de comunicação não tivessem de ser sérios.

A verdade é que a tabloidização, se me permitem esta palavra, não é nova. É algo que nem sequer é recente. Tem décadas. Por isso, a questão deve ser desmistificada.

O problema está mais na circunstâncias do que é notícia de forma mínima. Os exemplos de quarta-feira servem para ilustrar. São 10h20 e o Diário Digital revela ao mundo, em português, que, em Inglaterra, “um pastor alemão chamado Daz Lightning bateu o recorde do latido mais alto”. Foram 108 decibéis. É bastante, sim. Mas vale a pena contar isto ao mundo? Numa publicação sobre cães e animais domésticos, sim. No Diário Digital, creio que não.

Por esta altura já todo o mundo sabia e tinha lido ou visto Barack Obama a dar cabo de uma mosca numa entrevista televisiva. Em relação a Obama só nos falta mesmo saber a tonalidade dos seus traques. Quase na mesma altura descobria embasbacado que uma jovem de 15 anos ganhou o campeonato nacional de mensagens de telemóvel dos Estados Unidos da América. Ganhou 36 mil euros.

Para trás tinha ficado uma outra informação, mais “séria”. O segundo semestre do ano passado e o primeiro trimestre deste ano foram de subida significativa na procura de informação. Em grande parte devido à crise, houve mais pessoas a procurar e a consumir informação. No entanto, os jornais entraram e permanecem num clima de acentuada crise. Este é um fenómeno que faz pensar.